Por: Vinícius
Oliveira Rocha
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O colégio é um dos três públicos da cidade a contarem com o Ensino Médio Inovador |
Do
outro lado da cidade, não muito longe do terminal do DIA e da Avenida Paulo VI,
ergue-se o Módulo, um dos principais colégios particulares da cidade. No seu
interior há intensa movimentação por causa das festividades de Carnaval
direcionadas às turmas do ensino infantil. Na cantina, um painel exibe diversos
troféus colecionados no decorrer dos mais de vinte anos do colégio, enquanto um
banner exibe o rosto de um aluno que conseguiu nota máxima em Ciências da
Natureza no último ENEM.
Estes
dois microuniversos, tão distintos entre si, carregam nestes últimos dias uma
similaridade: como muitas outras escolas em Sergipe e no Brasil, precisarão
lidar com as mudanças a serem implementadas pelo Novo Ensino Médio, sancionado
em forma de lei no último dia 16 de fevereiro. Desde o seu anúncio como medida
provisória, em setembro do ano passado, o projeto tem sido alvo de duras
críticas e também de muita controvérsia, em parte provocada por desinformação
do próprio governo e pelo atual cenário político do país.
Quais
implicações da Reforma para as redes de ensino público e privado? Para chegar a
essa resposta, foram entrevistados gestores, professores e alunos de ambas as
escolas, que oferecem uma visão ampla do assunto e dos impactos que o Novo
Ensino Médio trará para a educação sergipana e brasileira.
O fim da obrigatoriedade
A
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a ser definida pelo governo, modelará,
de acordo com a descrição encontrada no seu site, “quais são os elementos
fundamentais que precisam ser ensinados nas Áreas de Conhecimento: na
Matemática, nas Linguagens e nas Ciências da Natureza e Humanas”. Pela proposta
do Novo Ensino Médio, o estudante verá do 1º ano à primeira metade do 2º um
currículo obrigatório de disciplinas, e da segunda metade em diante poderá
optar pelo seu próprio currículo, com apenas Matemática, Português e Inglês mantendo-se
como obrigatórias. A medida causou polêmica pelas linhas originais do texto da
medida provisória que antecedeu a lei e diziam que haveria uma “exclusão” de disciplinas
como Artes e Educação Física. Mesmo com uma reformulação e explicação do MEC de
que não haveria essa exclusão, a permanência ou não de disciplinas como as das
Ciências Humanas e da Natureza neste currículo permanece nebulosa e gera
críticas de profissionais e alunos.
No
Marco Maciel, os olhos da diretora, Adriana Hora Santos, 45 anos, brilham
quando fala da Reforma. “Enquanto gestora, eu estou deslumbrada. Me
possibilitou voltar a botar no papel tudo aquilo que antes eu desejava. Hoje, o
MEC está dizendo que vai nos dar sustentação, e que a Secretaria de Educação
vai dar sua contrapartida”.
Ela
destaca a estrutura ímpar do colégio, que ao lado do Atheneu e do Vitória de
Santa Maria é um dos três da rede integral a já contar com ensino integral
desde 2009, com a implantação do projeto “Ensino Médio Inovador”. Ela também
afirma que os gestores foram devidamente informados acerca do processo por
parte do governo.
“(...)
Aqui na escola houve diálogo: o Conselho ficou sabendo, os professores ficaram
sabendo. Acredito que com as outras escolas os gestores foram pegos de surpresa
eles próprios. Foram chamados pela Secretaria e veio essa proposta, que também
para a equipe gestora de lá foi feita rapidamente. Foi tudo dialogado. Se os
gestores não repassaram para os professores, talvez eles não se sentiram seguros.”,
garante Adriana.
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Em apenas duas décadas, o Módulo se destaca como um dos melhores colégios particulares da cidade |
“A
educação básica é o que alicerça a educação, o aluno na sua formação
profissional. Você vai pegar um aluno com 15 anos de idade e dar o poder de
escolha a ele para deixar de fora, por exemplo, Ciências Humanas, que ele acha
que não lhe é importante. Ora, História, Geografia, Filosofia e Sociologia são
fundamentais a qualquer área, vão lhe dar desenvoltura suficiente para defender
seus pontos de vista, para ficar antenado com o que está acontecendo, criticar
ou aceitar opiniões adversas às suas. Aí você negligencia essa parte e decide
cursar Engenharia. Depois de um ou dois anos vê que não quer mais cursar
aquilo, quer ir para uma área onde é necessário um conhecimento de Ciências
Humanas. Cadê sua formação básica? E outra: como você vai dar poder de escolha
a um aluno sobre algo que ele não conhece?”, questiona Mesquita.
Segundo
Joseline Tavares, 42, professora de Sociologia do Marco Maciel desde 2013, a
oferta de currículos e disciplinas dependerá da realidade em que cada escola
está inserida.
“(...)
Eu sou de chão de escola, e nunca vi uma igual. Cada uma tem seu perfil. O
Marco Maciel atende a um público de periferia, onde há vários problemas de
ordem do aluno, familiar – famílias desestruturadas –, ou necessidades grandes
em termos de alimentação, subsistência. Então é diferente de escola para
escola, mesmo que estejam na mesma região. Muitos alunos se miram no professor,
o têm como referência e querem fazer uma licenciatura”.
Já
para o professor de Artes Rafael da Conceição Santos, 27, que trabalha no
Centro Educacional Mundo Mágico há quase 3 anos, a lógica por trás da exclusão
dessas disciplinas do rol obrigatório relaciona-se com fatores econômicos,
inclusive. “(...) Sem demanda dificilmente uma escola particular de pequeno ou
médio porte vai manter uma disciplina que não gerar lucro. Então é bem provável
que essas disciplinas [das Ciências Humanas] nem sejam ofertadas nas escolas
particulares”.
As
visões antagônicas se revelam até mesmo entre os alunos de ambas as escolas.
Para Lauriana Resende Santos, 17, estudante do 3º ano do Marco Maciel, é
possível sim que os estudantes do ensino público passem a ter as mesmas chances
dos do ensino particular, crendo que “tudo depende do aluno, do desempenho que
a pessoa quiser ter, da força de vontade que tiver”. Já Alícia Bianca Dias
Oliveira, 14, estudante do 1º ano do Módulo, discorda. “Não adianta de nada implantar o Novo Ensino
Médio e continuar com aquela velha história de não ter professor, não ter
investimento nas escolas públicas. Eu acho que pra funcionar bem tem que haver
esse investimento de verdade”. Além disso, ela crê que haverá problemas para os
alunos realizarem o ENEM – cuja estrutura até o momento permanece inalterada
pelo governo – não mais detendo o conhecimento sobre determinadas áreas que
eles deixarão de cursar na escola.
Seu
colega Lucas Lima Gregório, 14, partilha da mesma opinião. E quando questionado
acerca do fim da obrigatoriedade das disciplinas, afirma em tom de suspeita: “É
interessante que sejam justamente matérias que estimulem o senso crítico
aquelas que os governantes querem que deixem de ser obrigatórias”. Já Maria
Eduarda Fontes, 17, estudante do 3º ano do Módulo, acrescenta que muitos professores com mestrado e
doutorado nessas áreas podem vir a perder seus empregos. Tanto ela quanto seu
colega Gabriel Pinheiro, 17, acreditam que a oferta de currículos específicos
durante parte do Ensino Médio dará ao estudante a capacitação necessária para
ingressar na área desejada no vestibular, mas em detrimento das demais que não
serão obrigatórias para o seu currículo.
As polêmicas do "notório saber"
Um
dos pontos mais controversos da Reforma, a contratação de profissionais com
“notório saber” é garantida pelo MEC como sendo restrita aos cursos técnicos e
profissionalizantes. Os gestores a apoiaram, mas com algumas ressalvas. Adriana
relembrou as oficinas comunitárias realizadas na escola em anos anteriores, uma
das quais foi ministrada pela mãe de um dos alunos, costureira. Para ela, o
notório saber é aplicável, desde que estes profissionais e oficineiros recebam
suporte metodológico. Ponto semelhante é defendido por Paulo Mesquita, que se
refere a si mesmo como um exemplo por conta da sua formação como engenheiro
químico, e afirma que o profissional deve ser submetido a avaliações que meçam
sua didática e metodologia, inclusive por parte dos próprios alunos.
Porém,
nem mesmo essas formas de avaliação são suficientes para Joseline, que enxerga
esse ponto como “um absurdo”. Ela questiona os critérios de avaliação deste
profissional, acreditando que os resultados da implementação do “notório saber”
serão uma crescente desmotivação dos professores e evasão dos alunos. Já a
visão de Rafael, quando indagado se a contratação desses profissionais poderia
se estender para o ensino básico, surge como um “meio-termo” para as opiniões
dos demais.
“É
um ponto complexo, pois eu acredito que o conhecimento vai além do que estar
numa sala somente recebendo informações de alguém, e também acredito que ele
acontece diariamente. É preciso haver alguma forma de ser comprovado esse
conhecimento. Eu não acredito que a formação seja ameaçada, no entanto o
emprego pode ser que sim, pois pensando que uma escola particular possa querer
se adaptar a essa situação querendo oferecer a um profissional com ‘notório
saber’ um salário menor para as mesmas funções, a situação pode ficar
complicada. ”
O futuro da educação
Mesmo
cercado de críticas e controvérsias, o Novo Ensino Médio agora é lei e se
tornará realidade no ensino brasileiro a partir de 2018. A forma como o a
Reforma foi aprovada, com impressionante rapidez e em forma de medida
provisória para aceleração do processo, indicou claramente os interesses do
governo. Mesmo Adriana, que afirmou ter havido diálogo entre governantes e
gestores, admite que a Reforma foi aprovada como forma de garantir uma marca à
gestão Temer, embora saliente que as sementes dela existissem desde o governo
Dilma.
E
agora, o que será? Um ponto em comum observado pelos entrevistados foi o de que
a Reforma em nada diminuirá o abismo ainda existente entre as redes de ensino
públicas e privadas. Se estas já contam com uma estrutura voltada para a
aprovação do aluno no ENEM e outros vestibulares, aquelas sofrem ainda com a
precarização.
Os
cursos técnicos, que segundo Mesquita serão uma realidade mais concernente à
educação pública do que à privada, são outro indicativo das diferenças que
continuarão existindo. Exemplo disso é o desejo de Lauriana em seguir a
carreira técnica de Enfermagem. Mesmo que em seu caso ela afirme querer depois
fazer uma graduação na área, não há dúvidas de que muitos alunos, desmotivados
pelo que Mesquita coloca como a ingerência das gestões do ensino público em
atender as demandas do Novo Ensino Médio e o abismo em relação ao ensino
privado, migrarão para os cursos técnicos para terem uma formação garantida – o
que também possibilitará uma mão de obra especializada para o mercado de
trabalho, o que segundo Adriana é um dos objetivos da Reforma.
Assim,
não é de todo exagero dizer que o Novo Ensino Médio carrega em si pontos
positivos, mas toda a sua anunciação e implementação têm sido problemáticas,
acompanhadas de uma propaganda ostensiva do governo que muito fala, mas pouco
informa – e só contribui para as críticas que o projeto vem recebendo. É tênue
a linha entre um futuro melhor para a educação e a prevalência dos interesses
políticos e econômicos do atual governo na implantação dessa Reforma. E se a
essa altura ela já foi oficializada, resta esperar para ver qual lado
prevalecerá – e como essa vitória, independentemente de quem seja, afetará o
próprio país.
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