EICA - Mesa 4

Ambientalismo, consumismo e marketing verde

Consumo político: "conceito novo para um fenômeno antigo"

Fatima Portilho (à dir.) com Felizola, Vital e Giacomini
A relação entre comportamentos de consumo e meio ambiente ainda é muito pouco estudada no Brasil, segundo Fátima Portilho, que abriu a mesa temática “Ambientalismo, consumismo e marketing verde”, na tarde de 14 de abril, no segundo dia do 1º Encontro Interdisciplinar de Comunicação Ambiental (EICA), realizado na Universidade Federal de Sergipe (UFS). Professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, onde desenvolve pesquisas na área de sociologia ambiental e sociologia do consumo, ela destacou a politização do comportamento de consumo que vem ocorrendo em alguns grupos sociais, em diferentes cantos do mundo.

Autora do livro “Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania”, Portilho apresentou os resultados de uma pesquisa inicialmente desenvolvida com 1.500 estudantes de Ciências Sociais de Bélgica, Suécia e Canadá, e adaptada para o contexto brasileiro pelo Grupo de Estudos do Consumo, que coordena na Universidade Rural. O trabalho foi realizado em três etapas: entrevistas pessoais com base em um questionário contendo 100 perguntas abertas e fechadas; grupo focal, que é uma forma descontraída para se perceber ações, gestos e tendências coletivos; e uma pesquisa etnográfica com objetivo de analisar as percepções, os interesses, a confiança pessoal e institucional, nível de informação, práticas políticas e consumo político dos jovens brasileiros. Os resultados foram confrontados com práticas e comportamentos convencionais, visando elaborar as bases iniciais para a criação de um índice de consumo político para a sociedade brasileira.

Marketing ambiental

De acordo com a pesquisadora, as ações de marketing ambiental de empresas públicas, privadas e ONGs estão atreladas ao consumismo e ao ambientalismo de forma antagônica, em alguns casos, e confluente, em outros. Elas podem ser observadas no cotidiano da sociedade atual, e lançam mão tanto dos meios de comunicação convencionais (televisão, rádio, jornal), quanto dos alternativos (jornal mural, fanzine, intervenções culturais) e dos novos meios (sobretudo sites e canais de relacionamento na Internet). Ao expor seus ideais de consumismo, influenciam a forma de pensar e absorver produtos.

A pesquisa, que investiga se o consumo sustentável está gerando uma nova forma de cultura política, foi apresentada por Fátima Portilho anteriormente na Reunião de Plataforma Regional de Educação para o Consumo Sustentável, realizada em Buenos Aires, entre 30 de junho e 1 de julho do ano passado, e está integralmente disponível desde então para consulta online no site da PERL - Partnership for Education and Research about Responsible Living. Clique aqui para visualizá-la (reportagem de Andréa Cerqueira).

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"Comercialismo" x "marketing bonzinho"

Especialista critica estímulo da mídia ao consumismo

Por Wesley Pereira de Castro
 
Gino Giacomini (à esq.) acompanha as entrevistas exibidas no telão
O segundo dia do EICA - 1º Encontro Interdisciplinar de Comunicação Ambiental - foi marcado por debates empolgados sobre assuntos pertinentes às linhas de pesquisa do Laboratório Interdisciplinar de Comunicação Ambiental (LICA), do qual derivou o evento. A última das quatro mesas de debates realizadas no dia 14 de abril, na Universidade Federal de Sergipe (UFS), intitulada “Ambientalismo, Consumismo e Marketing Verde”, começou pouco depois das 16h30 e foi coordenada pelo professor do curso de Publicidade e pesquisador do LICA Matheus Felizola. Para contextualizar a proposta da temática, ele exibiu algumas entrevistas videográficas realizadas com alunos do curso de Comunicação Social, que responderam o que achavam do consumismo e da conscientização ambiental .

Além dele, compuseram a mesa Fátima Portilho, doutora em Ciências Sociais que leciona na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, o doutor em Educação Antonio Vital Menezes de Souza, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema-UFS), e o publicitário e livre-docente Gino Giacomini Filho, coordenador do Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Enquanto a fala de Fátima Portilho apresentou os resultados e dados estatísticos obtidos a partir de uma pesquisa sobre consumo juvenil consciente, Antonio Vital preferiu apresentar uma reflexão epistemológica, enfatizando a necessidade de novos conceitos num tipo de sociedade em que os atores sociais são racionais e reflexivos acerca dos papéis que desempenham na questão ambiental.

Gino Giacomini Filho, por sua vez, centrou sua exposição nos efeitos socioambientais do consumismo e diferenciou o “comercialismo” do chamado “marketing bonzinho”, definindo o primeiro como “o âmbito comercial extravagante e espúrio do consumismo”, enquanto o segundo seria o que se convencionou chamar de “marketing verde”, ou seja, um filão publicitário pretensamente mais ético, responsável ou consciente do que as exigências capitalistas permitem engendrar.

Em seguida a esta definição inicial, o publicitário expôs o fotograma de uma página de jornal impresso que noticiava um desperdício gritante de água numa região paulista, a fim de adiantar que os meios de comunicação apresentam um discurso marcadamente omisso sobre o consumismo. A a notícia apresentava um dado alarmante de desperdício sem contextualizá-lo adequadamente. Segundo o publicitário, aliás, é notável a ausência de uma pauta midiática que vise educar os produtores e receptores de informação acerca de um raciocínio crítico diante da progressiva espetacularização da publicidade, conforme ele ilustrou através de campanhas que estimulam a automedicação e até de programas gastronômicos nas redes de TV.

Consumismo sem meio ambiente

Depois de destacar alguns endereços eletrônicos e filmes que, em sua visão, correspondem a “inteligentes manifestações de reflexão crítica sobre o consumo desenfreado”, Gino Giacomini Filho concluiu sua fala – por sinal, a mais breve de todas do dia – dizendo que “a conivência com o consumismo desqualifica qualquer tentativa ambiental séria”.  Se, por um lado, o publicitário evitou mencionar explicitamente as observações que compõem seu livro “Meio Ambiente e Consumismo”, lançado em 2008, por outro, foi incisivo ao responder às duas perguntas da platéia que lhe foram direcionadas. Uma delas fazia menção às políticas de consumo, que, segundo ele, só serão efetivas quando houver um consenso adequado entre as diversas agendas estatais e empresariais.

A outra pergunta indagava como ele se posicionava diante dos impactos negativos de produtos midiáticos que se pretendem críticos ou anti-consumistas, mas que se deixam contaminar pelos mesmos ditames da “sociedade do espetáculo”, conforme diagnosticada pelo militante francês Guy Debord (1931-1994). Esta pergunta, inclusive, fora suscitada pela empolgação do publicitário diante de dois filmes norte-americanos que ele destacou enquanto exemplos positivos de enfrentamento discursivo contra o afã consumista: “Super Size Me – A Dieta do Palhaço” (2004, de Morgan Spurlock) e “Obrigado por Fumar” (2005, de Jason Reitman).

Gino Giacomini reagiu à interpelação incisiva do participante do EICA dizendo que, hoje em dia, não se pode mais exigir purismo discursivo dos produtos midiáticos, tamanha a confluência de informações e conteúdos antitéticos que os caracterizam. E encerrou a discussão afirmando: “se a gente for condenar ou absolver as pessoas ao se exigir uma totalidade de comportamento, a gente não vai conseguir avanço nenhum”.

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Professor do Prodema questiona o modo de se pensar os problemas ambientais

Por Larissa Ferreira

Antonio Vital (à esq.) foi o último palestrante das mesas temáticas do EICA
Para encerrar a mesa temática “Ambientalismo, consumismo e marketing verde” foi convidado o doutor em Educação Antônio Vital Menezes de Souza, professor do Prodema-UFS, onde ministra a disciplina Mídia, memória ambiental e interdisciplinaridade, e desenvolve pesquisas interdisciplinares com ênfase no desenvolvimento regional.

Enquanto os demais palestrantes foram “líquidos” e diretos em seus relatos, usando dados de pesquisas, mostrando movimentos socioeconômicos e exemplificando formas como a mídia aborda a questão ambiental, Antônio Vital, que tem como referência de seus estudos o enfoque epistemológico, falou sobre como a produção de conhecimento é feita para o coletivo, “o falso social”, fazendo assim com que o receptor se identifique com aquele elemento. 


Líder do Grupo de Pesquisa em Tecnologias Intelectuais, Mídias e Educação Contemporânea (Seminalis), Vital falou sobre um aspecto que está desenvolvendo em seus trabalhos, que intitulou “performaticidade”, a partir da qual a relação entre o conhecimento cientifico e a mídia é vista como uma relação problemática. O professor do Prodema defende que todos pensem a ciência como a “busca incessante do diálogo em sua complexidade”, que não se deve pensar de forma rasa, mas sim buscar a complexidade, pois “é no complexo que há o grande conhecimento”. Ele disse que baseia seus estudos na “psiquico-sociologia clínica francesa”, a qual se recusa a pensar o psicológico em termos de elaboração de sujeito social ou de objeto social e, da mesma forma, se recusa a pensar a Sociologia da relação entre o individual e o coletivo. A psiquico-sociologia francesa ensina que o contexto onde esses sujeitos estão situados refletem potências intuitivas, criativas. 


O mito do receptor passivo


Vital afirmou que em suas pesquisas desvendou o mito de que o sujeito é um receptor passivo, que ele não se manifesta à frente da informação. Para o professor, a “lavagem-cerebral” que é freqüentemente citada como arma da mídia não é uma grande verdade, já que “o ator social não é inativo em relação à mídia”. Na sua visão, é nos atores sociais que se deixam levar pelas políticas de consumo e pela sociedade do espetáculo que a mídia baseia sua estética. Ao longo de sua fala, Antônio Vital fez a ligação de seus estudos com os problemas ambientais, associando as crises ambientais às crises do conhecimento. A “ignorância” seria uma das culpadas pelas crises ambientais. 
O fato de as catástrofes serem notícia frequentemente contrapõe-se à situação de quase não se veicular as prevenções, as notícias construtivas. Ao encerrar sua participação no EICA, o professor pediu aos ouvintes, em tom de “prece”: “Superemos a simplificação das coisas e das nossas pesquisas”.

Sistemas de interesse


Em seguida, em rápida entrevista, o Contexto Repórter perguntou ao pesquisador como é possível formar novas idéias em mentes que, segundo pesquisas apresentadas pela socióloga Fátima Portilho, são influenciadas pelo tradicional. Ele respondeu que é preciso enfrentar os desafios epistemológicos, pensar a ciência a partir de outras ciências, outros objetos, outros campos. "Na verdade, toda produção e todo resultado de pesquisa representam um paradigma. Se eu fizesse esta pesquisa [mencionada na pergunta] será que teria o mesmo resultado usando como referencial a micro-sociologia? E com o referencial da negação da ‘idiotia cultural’ do ator social? Tenho certeza que não. O ator social daria uma outra explicação ao fenômeno que foi posto pela pesquisa. São ciências políticas, sistema de interesse”, provocou.


Quando indagado sobre como influenciar e agendar o conteúdo e o discurso midiáticos com as questões ambientais, Vital disse que mesmo sendo educador não acredita em modelos, acredita na escuta do social, no caminho epistemológico; deve-se escutar o ator social e se engajar em suas propostas. Sobre a ação midiática ambiental no estado de Sergipe, revelou que em uma pesquisa que desenvolve desde o ano passado, para a qual grava e analisa documentos da imprensa sergipana na televisão a respeito do meio ambiente, conteúdos ambientais não passam de 30 segundos. “É esse o espaço que Sergipe da à comunicação de risco e aos problemas ambientais?” Esta é uma das questões que ainda estão sendo fechadas em seu relatório.


Sobre quais teriam sido os pontos contraditórios do EICA, o professor destacou a predominância de velhos conceitos em uma época desafiadora. “Eu ainda vi categorias e conceitos de 10 ou 20 anos atrás dançando entre nós”, avaliou.