EICA - Mesa 2

Percepções e imagens do meio ambiente

Editora do Repórter Eco critica descaso da mídia na questão ambiental

Vera Diegoli (à esq.) e Ana Ângela F.Gomes

Por Valldy de Cruz

“Percepções e imagens do meio ambiente na mídia” foi o título da segunda mesa temática do EICA - 1º Encontro Interdisciplinar de Comunicação Ambiental, realizada na manhã da quinta-feira, 14 de abril. A coordenação ficou a cargo da professora Ana Ângela Farias Gomes, doutora em comunicação e pesquisadora do LICA – Laboratório Interdisciplinar de Comunicação Ambiental, com foco na produção audiovisual sobre meio ambiente. Após apresentar os palestrantes, a coordenadora disse que “nunca se ouviu falar tanto em meio ambiente”, mas que “é preciso repensar a questão ambiental”, pontuou.

A editora-chefe e uma das criadoras do Repórter Eco, veiculado pela TV Cultura desde fevereiro de 1992, Vera Diegoli, foi a primeira a falar, destacando o descaso da mídia na questão ambiental. Exibindo uma apresentação em vídeo, ela fez uma retrospectiva do Repórter Eco - o mais antigo programa da televisão brasileira especializado em meio ambiente e qualidade de vida -, e contou as dificuldades em manter o programa no ar, que em 2011 completou 19 anos, com o formato de telerrevista semanal e reportagens de viés cientifico e educativo.

“A questão do meio ambiente aparece na mídia de forma superficial. Ela deveria estar em toda a programação televisiva, porém, tem se mostrado de forma tímida”, afirmou, atacando, em seguida, a principal rede de televisão do país: “A Globo, com todo aparato que possui, quando quer, faz matérias ambientais dignas”, alfinetou. Sobre as dificuldades em manter o Repórter Eco no ar, a jornalista foi categórica. “Por se tratar de um programa com viés ambiental, o Repórter Eco incomoda, por que é profundo. Por isso existe uma dificuldade em conseguirmos parceiros e patrocinadores. Estamos sem viajar por falta de verbas. Só estamos produzindo no estado de São Paulo”, revelou.

Na plateia, a professora de educação infantil da cidade de Capela, Elen Beatriz Santana, acompanhava atenta a explanação da jornalista da TV Cultura, concordando com ela. “Vera sabe se impor como profissional e quando ela denuncia o que há por trás das cortinas, entendemos a dificuldade de produzir um programa da categoria do Repórter Eco. Empresários deveriam se preocupar com a causa ambiental e investir maciçamente por um mundo melhor, por um planeta com qualidade de vida. É lamentável que ajam dessa forma”, enfatizou.

Dentre as palestrantes da mesa, Vera Diegoli foi a única a quem o público não dirigiu perguntas. Para a estudante de Matemática da UFS Juliana Teixeira da Silva, defensora ferrenha da causa ambiental, o tempo limitado e o atraso no início da mesa (que ela classifica como falta de organização da coordenação do evento), deixaram a editora em uma situação difícil. “Inúmeros fatores contribuíram para que Vera não tivesse o destaque merecido. Houve diversos impasses, mas não é ela só a culpada. A palestra que iria começar às 10h30 só teve início depois das 11h. Como poucas profissionais da TV, ela sabe dominar o tema da mesa. O Repórter Eco é um programa de sucesso, renomado, e o mérito vai para ela, que desde o princípio lutou para conseguir esse patamar junto ao espectador”, salientou.

Trajetória e especialização

Formada em Comunicação pela - Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Vera Lúcia Diegoli é jornalista diplomada, com cursos de extensão em jornalismo ambiental e em Gestão Ambiental. Foi também editora-chefe do programa Biodiversidade-Debate, no período de junho de 2001 a junho de 2004. Antes de se envolver com a temática ambiental, participou de programas de sucesso na TV Cultura de São Paulo, entre eles a revista feminina Palavra de Mulher, na década de 1980, e o famoso programa de entrevistas Vox Populi.

Integrou a equipe de cobertura da Rio-92 – a Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e participou de palestras nacionais e encontros internacionais, entre os quais: a Conferência de Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Berlim, em 1994, a convite do governo alemão; e a Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, em Joannesburg, África do Sul, em 2002. Participou do júri do Prêmio de Reportagem sobre a Biodiversidade da Mata Atlântica, patrocinado pelas ONGs SOS Mata Atlântica e Conservação Internacional, nos anos de 2002 e 2003, e recebeu vários prêmios como integrante de programa jornalístico, entre os mais recentes: Prêmio Ford de Meio Ambiente e Prêmio de Meio Ambiente da Câmara Americana do Comércio, ambos em 2003.

O Repórter Eco é uma revista semanal, atual, especializada em meio ambiente. Aborda de forma aprofundada pesquisas para o desenvolvimento sustentável e conservação dos biomas brasileiros; proteção da rica diversidade biológica e cultural do país; projetos para manter os recursos hídricos para o futuro; estudos de controle da poluição do ar, solo, terra e água; ecologia urbana, fontes de energia alternativas e renováveis; astronomia, antropologia, arqueologia, arquitetura ecológica, redução, reuso e reciclagem de resíduos sólidos; comércio justo, patrimônio histórico, cultural e arquitetônico; e ecoturismo. Além da revista semanal, são produzidos programas temáticos a partir de viagens nacionais e internacionais (quando há verbas) e um quadro específico de reportagens sobre a biodiversidade brasileira.

Saiba mais em: http://www2.tvcultura.com.br/reportereco


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Cenas fortes e imagens rápidas afetam a informação, diz pesquisador


A segunda mesa do EICA - 1º Encontro Interdisciplinar de Comunicação Ambiental, na quinta-feira, 14 de abril, teve como um dos palestrantes Antônio Ribeiro de Almeida Junior, que é formado em Agronomia, mas fez doutorado em Sociologia. O interesse pela comunicação ambiental foi surgindo aos poucos, depois que lecionou a disciplina Sociologia da Comunicação e começou a estudar mais de perto essas questões. Hoje, ele coordena o Laboratório de Mídia e Ambiente da Escola de Agronomia da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP), onde é professor, e o GT Mídia e Meio Ambiente da Anppas – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Meio Ambiente e Sociedade.

O pesquisador Antonio Almeida, durante sua apresentação no EICA

A exemplo da sua antecessora na mesa “Percepções e imagens do meio ambiente na mídia”, Antônio Almeida começou a palestra criticando os meios de comunicação por não darem a atenção merecida para as questões ambientais. Acusou a mídia de ser exagerada, de muitas vezes não mostrar o mundo como ele é ou está, e sim como uma ficção, onde tudo é perfeito; de não se preocupar muito em atender o interesse da população; de veicular pornografia e violência, de ser sexista e de estimular o consumismo. Para enfatizar o papel das imagens na mídia, chamou a atenção para o perfil das mulheres que mais aparecem em revistas, geralmente magras, brancas e de olhos azuis.

Em um esforço de interagir com o público, o palestrante perguntou quais são os dez maiores devastadores do mundo, mas ninguém respondeu. Antônio Almeida então revelou que o Brasil tornou-se, em 2010, o maior produtor mundial de agrotóxicos, mas que isso a mídia “esconde” da população, pois poderia prejudicar muito os fabricantes (que são também anunciantes). Repetindo Vera Diegoli, disse que “a mídia trata as questões ambientais de forma muito superficial”, pois “se preocupa apenas com a fauna e a flora, mas muito pouco com o ambiente de modo geral”.

Segundo Antônio Almeida, estamos sofrendo uma exploração cultural, do mesmo jeito que a Floresta Amazônica sofre com a devastação: não temos costumes próprios, tudo é de certa forma influenciado pela mídia, que procura mexer com a emoção do receptor ao falar sobre determinado fato ou acontecimento; as principais imagens transmitidas são de cenas fortes, que chamam a atenção das pessoas, mas são exibidas de forma muito rápida, afetando a percepção e a informação, observou o agrônomo. Para ele, a mídia pode melhorar isso, pois as pessoas devem ser tratadas com mais seriedade e respeito (reportagem de Wallison Oliveira).

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Pesquisador analisa os “mapas mentais” associados às paisagens

Por Maíra Araújo

O último convidado da mesa “Percepções e imagens do meio ambiente na mídia”, na manhã do segundo dia do 1º Encontro Interdisciplinar de Comunicação Ambiental (EICA), foi o biólogo e doutor em Ecologia Paulo Sérgio Maroti. Professor do Prodema-UFS - Programa de pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, da Universidade Federal de Sergipe, ele realiza pesquisas relacionadas a educação e percepção ambiental, e trabalha com formação de professores.

Partindo da ideia de que as pessoas buscam transformar a realidade, ele iniciou sua palestra citando o pensador chinês Yi-Fu Tuan, para quem a observação de determinado lugar ou espaço leva à construção de imagens sobre o meio ambiente e, consequentemente, traduz os vários graus de entendimento que temos das paisagens. “A imagem e a informação visual são importantes para definir nossos valores. Tudo isso vai estar ligado dentro do nosso cognitivo”, explicou.

Com foco no modo como as pessoas observam o meio ambiente, ele foi mostrando vários desenhos de crianças que vivem tanto no Agreste e no Sertão sergipanos, quanto em grandes cidades do Sudeste brasileiro. Nesses desenhos, as crianças deixam transparecer o que o meio ambiente representa para elas. O professor contou que em um de seus cursos, iniciado em 2010 e ainda em andamento, solicitou às crianças que desenhassem de que forma elas percebem a Caatinga. Em quase todos os desenhos dos estudantes da cidade de Carira, no Sertão sergipano, e também de Moita Bonita, no Agreste, nota-se a presença da planta Mandacaru, que é muito comum nessas áreas e resiste às mais fortes secas.

Paulo Maroti enfatizou também que esses alunos do Sertão se colocam como seres que habitam o meio. Já nos desenhos de estudantes de São Carlos, no estado de São Paulo, não há a presença do homem, só da fauna e da flora da região. Em um deles, foi desenhado até um camelo. Essas características mostram como as crianças do Sudeste muitas vezes têm uma visão equivocada do meio ambiente e o quanto é importante o trabalho de aproximação. O pesquisador utiliza a expressão “mapas mentais” para se referir às imagens espaciais que as pessoas têm de um lugar específico, direta ou indiretamente.

Percepções e distorções

Maroti mostrou outros dois trabalhos que chamaram bastante a atenção. O primeiro deles é mexicano e resultou de uma dinâmica feita com crianças de 10 a 12 anos, em que elas fingem estar em um assento de avião, olhando pela janela, e vão representar o que vêem do ambiente de hoje, e posteriormente, este mesmo ambiente daqui a 10 anos. O que se pode perceber é que as crianças que vivem no meio rural têm uma visão do futuro mais otimista em comparação às do meio urbano. “A influência que acontece do meio urbano nessas representações é que há o excesso de informações, uma veiculação altíssima de imagem, e dessa forma um empirismo extremo”, explicou o professor do Prodema. O segundo trabalho é do biólogo Ângelo Machado, no qual ele faz perguntas sobre a floresta para uma menina de 14 anos, e ela diz que não gosta da floresta por causa do lobo; por isso ela queria que colocassem fogo em toda a floresta.

Antes de encerrar sua apresentação, Paulo Maroti fez um apanhado das características das florestas de Mata Atlântica, do Cerrado e da Caatinga, observando que muitas vezes as crianças gostam da árvore do eucalipto por que ela é ereta e bonita, enquanto as árvores tortas, com cores escuras, típicas das regiões áridas, são consideradas feias e, portanto, podem ser eliminadas. Ao comentar essa análise, durante os debates, o geógrafo e professor Carlos Walter Porto-Gonçalves (conferencista da abertura do EICA) lembrou dos versos do escritor e ambientalista matogrossense Nicholas Behr: “nem tudo que é torto é errado, vejam as pernas do Garrincha e as árvores do Cerrado”.