19 de out. de 2016

Utopias contemporâneas

Meio século depois da ilha inventada

Nos últimos dois meses, o número 500 tem marcado uma sequência de eventos, artigos e matérias jornalísticas que rememoram a publicação de um clássico da literatura europeia exportada para todo o mundo ocidental: o livro Utopia, escrito em latim pelo advogado humanista e católico inglês Thomas More e publicado em 1516, em Louvain, na Bélgica. Conta-se que ele vivia exilado porque havia sido condenado à morte por se opor à Reforma Protestante. A agora clássica obra conta a história de uma sociedade imaginária através da narração de um navegante português que descobrira uma ilha chamada Utopia, que não constava de nenhum mapa geográfico conhecido até então.

O nome da ilha – cujas leis, governança e condições sociais eram perfeitas – foi inventado pelo escritor a partir de três partículas gregas que, encadeadas, significavam “o que está em lugar algum” (ou em um “não-lugar”). “Não foi o primeiro texto sobre um ideal utópico, mas inaugurou uma tradição de obras publicadas à luz de uma génese comum: a proposta de projectos alternativos para a sociedade”, afirmou o diário português Público, em sua matéria especial sobre esta efeméride.

Em artigo publicado pela Folha de São Paulo, no final de agosto (28/08/16), Carlos Eduardo Berriel, professor de teoria literária da Unicamp, explica que na pronúncia inglesa a palavra utopia gera uma homofonia de dois termos com sentidos diferentes: ou-topia (não-lugar) e eu-topia (terra da felicidade), o que “contribuiu – querendo ou não – para as ambiguidades que o uso do termo” adquiriu ao longo da história.

Não por acaso utopia é também interpretada como um sonho que se deseja tornar realidade, como diz o título da matéria publicada no Estadão pelo jornalista Sérgio Augusto sobre o ciclo de palestras organizado um ano atrás pelo jornalista e professor de filosofia Adauto Novaes: “O Novo Espírito Utópico”.

Tempos de distopias

Os 500 anos de Utopia decorrem em um momento em que as distopias parecem tomar conta do Planeta Terra, ao mesmo tempo em que surgem os mais consistentes sinais científicos sobre a existência de outras formas de vida extra-terrestre. “A distopia é uma distorção ou uma mutação da utopia, um sonho que se transforma em pesadelo. A ficção científica e a literatura de antecipação são pródigas em fantasias do gênero. De Jules Verne (Capitão Nemo era um utopista) ao Aldous Huxley de Admirável Mundo Novo, ao Orwell de 1984 e ao Ray Bradbury de Fahrenheit 451”, explicou Sérgio Augusto. “Na obra de Morus, sonho era resultado de idealização; hoje é reação às forças conservadoras”

Se entendemos a utopia como uma força positiva, capaz de levar os seres humanos a ultrapassar seus limites em busca de uma condição ideal e coletiva para uma parte ou o todo da vida, “então somos todos utopistas”, afirmou Berriel, fundador e editor da revista Morus - Utopia Renascimento. Foi em busca das versões brasileiras dessas utopias contemporâneas que a equipe do Contexto Repórter saiu em campo. Sigam os links abaixo e vejam o que encontraram.

Boa leitura!
Sonia Aguiar

Utopias brasileiras

Consumo consciente, sustentável e local
Alimentação saudável para todos, sem desperdício
Mobilidade urbana sem distinções
Cidades digitais para inclusão social e cultural
O direito à cidade como direito a qualidade de vida
Brasil alfabetizado ou letrado?
Igualdade de gêneros sem guerra dos sexos
Liberdade de crenças e tolerância religiosa
O fim de todos os racismos
Justiça igualitária
A cura de doenças "incuráveis"
O dilema das drogas ilícitas
A revitalização do Velho Chico


Para saber mais: 


http://www.archdaily.com.br/br/784804/mexico-chile-e-outros-31-paises-participarao-da-primeira-bienal-de-desenho-de-londres/56f2c22fe58ecec367000009-34-countries-to-participate-in-the-inaugural-london-design-biennale-photoA Utopia: 500 anos de um novo mundo  
500 anos depois, o sentido de Utopia não se perdeu  
Carlos Eduardo Berriel escreve sobre a "Utopia", que faz 500 anos
Um sonho de 500 anos 
500 anos de ‘Utopia’(uma crônica do romancista Reinaldo Moraes) 
Utopias contemporâneas 

A 1ª Bienal de Design de Londres reuniu trabalhos de 37 países em torno do tema “Utopia do Design” – inspirado na obra de Thomas More (entre os quais o do México, na imagem ao lado)


18 de out. de 2016

A intolerância e o preconceito entre crenças à espera de um milagre

Por Emanuel Andrade e Karla Fontes

A história do Brasil mostra como a mistura de cores, costumes, crenças e raças ajudaram a criar a “cara” do nosso país. Mas apesar de todas essas características, é aqui que alguns grupos encaram sérios embates de intolerância e preconceitos culturais, étnicos e religiosos.

De acordo com dados do levantamento feito pelo Censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país é o mais católico do mundo, cujos seguidores junto com os protestantes, compõem mais de 80% da população formada por cristãos. Entre as crenças consideradas minoritárias no país estão o espiritismo, cujos adeptos correspondem a 2% da população, segundo o IBGE, e o budismo, com apenas 0,10% de participantes.

Segundo o artigo 19, inciso I da Constituição de 1988,  a liberdade de crença e o livre exercício dos cultos religiosos são direitos de todo cidadão, aos quais deve ser garantido liberdade e dispensado qualquer tipo de opressão vinda do Estado.

Roseli Fischmann, mestre em Educação e doutora em Filosofia e História da Educação pela USP, considera que há condições importantes para a pluralidade de culturas e religiões. No livro “Estado Laico, Educação, Tolerância e Cidadania: para uma análise da Concordata Brasil”, ela afirma:“Se pela lei se diz a alguém que pode crer (ou não crer) no que e como quiser como deve ser no Estado laico, para depois, de forma contraditória, oferecer privilégios aos adeptos de determinado grupo, instala-se discriminação entre cidadãos de igual valor".

Histórias de discriminação

Ainda no período da escravidão, as primeiras manifestações de crenças afro descendentes começaram a ser tratadas com muita opressão e preconceito. Em âmbito religioso, seus seguidores resistiram e até os dias de hoje possuem uma forte influência cultural na sociedade brasileira. Porém, o preconceito também acompanhou outros grupos, como o Candomblé e a Umbanda, as principais religiões africanas praticadas no Brasil.

Nas décadas de 1930 e 40, o Estado brasileiro chegou a proibir manifestações da Umbanda, o que forçou os seus seguidores a fazer suas cerimônias de forma clandestina.

Carlos Magno, "Pai de Santo"
elenca histórias das quais passou
em sua crença
Para Carlos Magno dos Santos, adepto ao Candomblé e “Pai de Santo” em um terreiro situado no município de Nossa Senhora do Socorro (SE), muitas vezes o preconceito e a intolerância são feitos de forma sutil. Ele afirma que algumas pessoas têm certa apreensão, cisma e até medo de irem com a vestimenta comum do candomblé para o terreiro porque há pessoas cercadas de preconceito que olham de forma desprezível e grosseira. “No meio de muita gente sempre tem um ou outro que fala ou olha mal, mas eu vivo muito bem”, comenta rindo.

Carlos também afirma que com o tempo não houve diferença na tolerância de outras religiões com o Candomblé, principalmente o preconceito vindo de cristãos. “Quando eu iniciei na vida do Candomblé, a casa era cheia e ainda hoje é, mas muitos olhavam feio e muitos ainda olham”, reitera o “Pai de Santo”.

Mas nada abala sua crença. De forma muito confiante, Carlos Magno afirma que apesar da intolerância de alguns, é comum membros de outras religiões visitarem o seu terreiro à procura de conselho, ou até mesmo para participar das sessões em busca de coisas boas em suas vidas, ainda que sempre demonstrando “um pé atrás”.

“Tem um padre ortodoxo de interiorzinho (sic) de Riachuelo (SE) que as vezes vem, traz coisas e participa de celebrações no terreiro também. Os pastores ou gente de outras religiões que vem em busca de atrair coisas boas para vida deles chegam e olham tudo meio desconfiados, mas a gente já [se] acostumou. Nós estamos aqui é ‘ajudar’ quem precisa”, comenta o Pai de Santo.

A missionária Ana Maria Silva
contou sobre os preconceitos que
viveu
A missionária da Igreja Presbiteriana Independente em Aracaju (SE) Ana Maria Silva também relata situações de preconceito com os evangélicos vindas de outras religiões ou até da mesma doutrina. Ela afirma não ter sido diretamente vítima de intolerância religiosa, mas já soube e presenciou casos de preconceito.

“Quando você muda de religião e passa a segui-la é um grande impacto para algumas pessoas. Geralmente elas cortam ligações por causa disso. Soube de casos até onde líderes de outras igrejas ordenaram que seus seguidores não visitassem mais minha casa, o que causou um clima constrangedor para mim e para a outra pessoa”, destacou Ana.

Ana Maria acredita que existem caminhos para diminuir conflitos e a intolerância religiosa, e apesar de ver esses casos de intrigas entre religiões serem tão constantes, não mede esforços para ajudar a melhorar a convivência nas relações religiosas. “Eu participo de encontro com representantes do Catolicismo, Umbanda e Espiritismo visando uma relação mais amigável entre as doutrinas, porque eu acredito que há sim a possibilidade para a convivência de várias religiões”, relatou a missionária.

Papel do Estado

O padre Giovane Bonfim defende que há
intolerância em um estado laico, porém
defende que a paróquia precisa de ajuda
do estado
Mesmo com a Constituição Federal garantindo o Estado laico, o Padre Giovane Bonfim, da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, localizada no centro de Aracaju (SE), acredita que o Estado deveria dar mais atenção para aquela igreja. ”Olha essa Igreja aqui em Aracaju; é importante até para o turismo da cidade, mas há anos não recebe uma reforma. O estado acaba se ausentando na manutenção das igrejas”, lamenta.

Ainda segundo o sacerdote, a intolerância com os católicos vem crescendo, mas já houve tempos mais sombrios. Ele recorda um caso ocorrido em um feriado de 1995, 12 de Outubro, dia dedicado à padroeira do Brasil, quando um pastor da igreja Universal provocava e xingava uma imagem da santa enquanto a chutava. “Lembro quando vi na TV um pastor evangélico chutar a imagem de Nossa Senhora de Aparecida, uma cena lamentável”.

A complexidade do assunto permanece com vários pontos de vista, muitas queixas de todos os lados e infelizmente poucas soluções. Cada religião defende seu ponto ideológico; alguns tentam convencer e levar os outros para o lado de “sua verdade” por meio do ‘proselitismo’, ação de tentar converter o outro em prol de doutrina, ideologia ou religião.

São vários lados, vários pensamentos e uma utopia da liberdade religiosa à espera de um milagre: o dia em que todos desfrutem, ainda que num futuro indeterminado, da liberdade de ser e acreditar no que quiser.

Justiça igualitária esbarra nas desigualdades sociais

(Fonte: Correio Forense)  
Por Isabella Batista e Tailane Noronha

“Justiça vem do latim JUSTITIA: “direito, equidade, administração da Lei”, de JUSTUS, “correto, justo”, de JUS, “direito, correto”, também “lei, direito legal.”

A Justiça brasileira, como qualquer outra, está passível de cometer erros em processos judiciais, mas pesquisas feitas pelo Instituto Sou da Paz, em parceria com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro, revelam o altíssimo número de prisões injustas que ocorrem no Brasil. A população preta e parda, que corresponde à maior porcentagem populacional do país, é a que mais morre em decorrência de homicídios. A cada ano,  23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são assassinados, segundo dados de 2016 da CPI do Senado sobre o Assassinato de Jovens.

Paula Bahia Pinto Hipólito Lima, 19, branca de classe média alta, estudante do 3° período de Direito da Universidade Católica de Salvador, afirma: "A justiça igualitária existe na teoria, mas na prática ela não funciona. Há uma busca, ou seja, ela é almejada. Só assim existiria uma igualdade quanto aos direitos para sociedade em geral."

Do outro lado do espectro social, Joaquim Fidel Cardoso Santos, 20 anos, negro de classe média baixa,  estudante do 6° período de Direito da Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe, opina sobre como deveríamos alcançar a tão sonhada justiça igualitária: “Não acho que seja possível almejar uma justiça igualitária na atual situação em que o país se encontra, sem que antes haja uma completa mudança em todo o sistema penal, para que sejam reconhecidos os casos onde a Justiça muitas vezes coloca em vantagem um determinado grupo em relação a outro. 

Para que esses grupos, muitas vezes chamados de 'minorias', possam ser abarcados de forma igual dentro do sistema judiciário, Joaquim considera que, embora tenhamos uma Constituição muito bem elaborada, alguns princípios básicos não são assegurados à população. Cita como o exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, segundo o qual jovens que já estiveram em conflito com a lei devem ser inseridos na sociedade novamente, agora profissionalizados, com chances de entrar no mercado de trabalho, em vez de diminuir a maioridade penal desse indivíduo. 

Erros judiciais

A justiça brasileira está repleta de casos de erros de julgamentos, como o de Marcos Mariano da Silva, mecânico pernambucano que foi preso em 1976 depois de ter sido confundido com um homicida que tinha o mesmo nome. Ele passou 19 anos na cadeia, contraiu tuberculose, perdeu o emprego, a mulher e os filhos. Em 1992, durante uma rebelião, policiais invadiram o presídio e Marcos foi atingido por estilhaços de granada, que lhe causaram a perda da visão. Morreu de infarto, já em liberdade, no dia em que recebeu a notícia de que o Estado de Pernambuco iria pagar o restante da dívida por tê-lo condenado por um crime que ele não cometeu. 

Seis anos depois, o verdadeiro criminoso apareceu e foi preso, mas não serviu para reparar o erro cometido contra Marcos. O Estado de Pernambuco foi reconhecido como responsável pelos danos sofridos pelo mecânico e terminou sendo condenado a pagar indenização de R$ 2 milhões à família. O caso teve grande repercussão nacional e foi considerado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), como o "maior e mais grave atentado à violação humana já visto na sociedade brasileira".

Para Gilberto Rosa, advogado e professor de Direito Civil da Universidade Católica de Salvador - (UCSAL), a “justiça igualitária existe na essência, mas na prática em si é diferente, há uma busca, é uma utopia.” Ilton Leão, advogado e professor de Direito Constitucional, também da UCSAL, é ainda mais convicto sobre o tema: “Não existe uma justiça igualitária, e nem vai existir. Vai depender de qual ênfase nós estejamos dando.”

A revitalização do Velho Chico

Entre o desenvolvimento e a sustentabilidade

Por Alisson Mota e Leandro Gomes 

Obras da Transposição em Floresta-PE (Foto: Lalo de Almeida/Folhapress)
Desde o período colonial até hoje, a agricultura é uma das principais bases da economia do Brasil. Se antes eram as monoculturas de cana-de-açúcar e café, hoje há a diversificação da produção, com a agricultura de exportação de produtos como a soja, tabaco, algodão e frutas como o caju e o cacau, que representam 23% (R$ 1,1 trilhão) do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro – correspondentes ao único setor da economia a apresentar crescimento mensurável em 2015 no país, a agropecuária. 

Neste contexto, a região Nordeste desponta como uma das regiões que mais praticam a agricultura: segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), quase metade das pessoas ocupadas em atividades agrícolas no país residem no Nordeste. São 82,6% do total da mão-de-obra do campo em agricultura familiar, um potencial que poderia ser muito melhor explorado frente às outras regiões, se houvesse uma melhor estrutura de plantio e distribuição.

Com o desenvolvimento da agricultura no Brasil, algumas questões vêm à tona – principalmente aquelas que dizem respeito à prospecção de recursos para esse desenvolvimento das plantações –; cerca de 80% da água utilizada no país é destinada à agropecuária, segundo relatório da Agência Nacional de Águas (ANA). Num contexto global de falta de água, buscamos soluções para contornar o problema de modo que não haja prejuízo para a atividade econômica que mais cresce no país.

Iniciativas para melhoria da gestão dos recursos hídricos no Nordeste

Naquilo que tange especificamente ao Nordeste, há muito mais a se analisar, visto a situação da região – sobretudo na sua parte setentrional – que sofre todos os anos com as secas que afetam diretamente a produção no estado do Ceará e no Piauí, por exemplo, que não possuem rios perenes naturais e contam anualmente com menos de trezentos milímetros de chuva por ano, sob condições normais nas regiões rurais. Nesse sentido, algumas inovações nas técnicas de irrigação (como o uso do pivô central, da microaspersão e do gotejamento) são aliadas a outras medidas, relacionadas à gestão dos recursos hídricos na região.

Pivô central de plantação em Unaí-MG (Foto: João Romera)

Dentre estas, está o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (ou Transposição do Rio São Francisco), empreendimento do governo federal que já está orçado em R$ 9 bi – quase 50% a mais que o previsto quando do início das obras. O projeto parte do chamado Plano Nacional de Segurança Hídrica, apresentado pela ANA e pelo Ministério da Integração, que executa a transposição do rio de uma forma muito mais complexa do que o feito com o perímetro irrigado de Petrolina. Pelas estimativas oficiais da Embrapa, 1,4% da vazão que contempla os quase três mil quilômetros do rio, terá uma divisão em dois eixos – norte e leste – em mais de 960 milhões de metros cúbicos armazenados, a fim de abastecer quatro centenas de municípios e suprir o total de aproximadamente 12 milhões de pessoas.


O Velho Chico

O rio concentra 63% de toda a água doce dessa região e comporta cinco usinas hidrelétricas, que são o meio energético extensivamente mais usado no Brasil e, que assim como a produção agrícola, têm a água como elemento central. Ainda é fonte de renda pra dezenas de comunidades ribeirinhas, que sobrevivem da pesca e da aquicultura, além da exploração do turismo em toda a extensão do rio, com destaque para os Cânions de Xingó, na divisa entre Alagoas e Sergipe, nas proximidades da Hidrelétrica de Xingó.



Onde antes havia abundância em água, hoje se caminha tranquilamente (Foto: Anselmo Pereira Bittencourt)
Contudo, toda a sua importância econômica tem custado caro, pois é bastante visível – principalmente na região do baixo São Francisco – que o rio diminuiu de porte nos últimos anos. Antes percorria treze quilômetros já no mar, hoje ele é engolido pela água salgada na sua foz. Muito desse problema se deve à redução da vazão nas suas hidrelétricas, que diminuem o volume de água e contribuem para o assoreamento, formando bancos de areia no leito do rio (as “crôas”), além do desmatamento nas proximidades das nascentes.

A revitalização enquanto saída possível

Diante do atual quadro da Seca no Nordeste – que já é a maior em 50 anos e colocou 1.100 cidades em situação de emergência, além de diminuir a produção agrícola – os problemas do Velho Chico se acentuam e põem em xeque a obra da transposição. Independentemente do nível de impacto que a obra terá no leito do rio, é unânime que são necessárias medidas para recuperar o São Francisco.

Segundo o diretor do Ministério do Meio Ambiente, Renato Saraiva, há a possibilidade de investimentos na ordem de R$ 30 bilhões, a partir de projetos que visem a revitalização, nos próximos 10 anos. A estimativa parte do plano gestor dos recursos do rio, promovido pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF).

Em entrevista à Agência Brasil, em agosto passado, o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, defendeu que as intervenções no rio com o intuito de recuperá-lo devem ser aliadas a outras medidas: “Ao fazer o programa de revitalização, é preciso compatibilizá-lo com outras agendas, como saúde, indústria e economia em geral. São agendas que avançam paralelamente, mas as agendas da revitalização precisam ser conceituadas de forma precisa”. 

Com o avanço das obras da transposição, surge a necessidade de que essas medidas sejam postas em prática pelos estados que são banhados pelo Velho Chico e pelos que o serão após a obra. Ainda que seja uma realidade distante, há pelo menos a intenção do Poder Público e o desenvolvimento de projetos que recuperem o rio, para que mais adiante os problemas da seca, como a falta abastecimento e de irrigação, sejam superados. Porém, se a mesma eficiência das obras da transposição for aplicada à revitalização, o Velho Chico pode não resistir.