Conferência

“Na natureza nada se perde, tudo se transforma em oportunidade de negócios"
Assim o geógrafo Carlos Walter definiu o lema do neoliberalismo ambiental, parafraseando a Lei de Lavoisier.
Por Osmar Rios

Camisa de botão entreaberta e bastante sorridente, o geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, professor doutor da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO), demonstrava simplicidade quando subiu ao palco para iniciar sua conferência inaugural do 1° Encontro Interdisciplinar de Comunicação Ambiental (EICA), na noite do último dia 13 de abril.

Diante de um auditório lotado de professores, estudantes e profissionais de diversas áreas, iniciou sua fala comentando a surpresa de encontrar ali o Secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado de Sergipe, Genival Nunes Silva, a quem conheceu no início da sua militância no Partido dos Trabalhadores (PT), do qual se afastou em 1989, “curiosamente por divergências de conteúdo na área de meio ambiente”. Em seguida, mostrou-se preocupado de, ao falar do lugar de geógrafo, frustrar a plateia em relação ao tema a ele proposto pelos organizadores do evento: “O papel da informação e da comunicação em tempos de neoliberalismo ambiental”. Mas não foi o que se passou durante quase uma hora e meia.

“Nunca falamos tanto em salvar o planeta como nos últimos 40 anos. Porém, nunca se devastou tanto como nesses 40 anos”, afirmou o doutor em Geografia, ao lembrar o que veio à sua cabeça quando lhe pediram para escrever uma síntese do livro “A globalização da natureza e a natureza da globalização”, pelo qual recebeu o prêmio Casa de las Américas em 2008. A obra de 460 páginas, lançada em 2006, é resultado de uma sugestão feita pelo sociólogo Emir Sader, para que ele abordasse temas ambientais que têm sido silenciados por longo tempo. A idéia inicial era um livro pequeno, mas ao se deparar com o tamanho da complexidade da questão, acabou tendo dificuldade de parar de escrever. A editora, então, publicou duas edições com nomes e número de páginas diferentes, o primeiro deles em 2004, chamado Desafio Ambiental.

A mídia não repercute nada

Após discorrer sobre os questionamentos que formaram a síntese do seu livro, o pesquisador fez uma ponte com a proposta do evento. “Os últimos 40 anos foram de inúmeras expulsões de índios, quilombolas e camponeses, a chamada expropriação camponesa. E o recorde de conflito se deu nos últimos oito anos, quando chegou a 880 conflitos. Com isso a população urbana do planeta cresceu de 35% para 55%.” E por que nada disso aparece na mídia? “A mídia não repercute nada”, frisou. Tanto que só passou a dar grande atenção à questão climática após a assinatura do Protocolo de Kyoto pelos Estados Unidos, o que relutaram a fazer por longo tempo, exemplificou. “Eles perceberam que clima dá dinheiro e a mídia começou a falar sobre isso”. Para o conferencista, vivemos em tempos de uma nova Lei de Lavoisier: “na natureza nada se perde, tudo se transforma em oportunidade de negócios, este é o lema do neoliberalismo ambiental”.

Hoje, para o geógrafo, há uma luta pela “reapropriação social” do território, da terra, da natureza. Esta última é tratada como mercadoria, com fins de acumulação de capital, e não como portadora de direitos, como reconheceu a Constituição do Equador, pela primeira vez no mundo. Ao criticar as pessoas que, sob o pretexto de preservar a Amazônia, deram o Cerrado para ser explorado, tratando-o como se fosse uma área de nenhuma importância, uma “terra de ninguém”, o conferencista afirmou que só Guimarães Rosa levou a sério esse bioma, em sua memorável obra “Grande Sertão Veredas”. E impressionou a audiência ao citar alguns trechos de cor, entre os quais: “no cerrado a água não empoça, ela penetra feito ‘azeitizin’”. Como exemplo desse descaso, apontou uma contradição: “As pessoas dizem que hoje plantam soja no Cerrado. Ninguém planta soja no Cerrado! Se você planta soja, tira o Cerrado”.

Citando “O Capital”, de Marx, o professor da UFF alertou para as privatizações do clima, da floresta, da água, como ocorreu em Cochabamba, na Bolívia. “As pessoas não podiam nem pegar água da chuva, pois até o céu foi mercantilizado!” Mas uma coalizão de campesinos e indígenas gerou um movimento tão forte que conseguiu expulsar do país a empresa idealizadora do projeto, comentou o conferencista, elogiando o momento rico e de muita lucidez da América Latina.

Chico Mendes, um paradigma

Um dos trechos da conferência que mais sensibilizou a plateia foi quando Carlos Walter relatou sua experiência como assessor de Chico Mendes, o seringueiro acreano com visão ambientalista pioneira no seu tempo. Em suas viagens pelo Brasil e pelo exterior, na segunda metade dos anos 1980, Chico tentava mostrar suas opiniões sobre o meio ambiente, em especial a questão dos seringueiros, o que o caracterizou como um novo tipo de protagonista do debate ambiental. Na época, segundo o conferencista, os seringueiros juntavam-se a índios e faziam empates no meio da floresta para impedir as demarcações de território que os fazendeiros queriam fazer.

Esses confrontos acabaram colocando a vida do extrativista em risco, por isso seus amigos volta e meia o afastavam do Acre, para protegê-lo. Em uma de suas permanências no Rio de Janeiro, Chico Mendes concedeu uma entrevista ao Jornal do Brasil, no dia 5 de dezembro de 1989. No entanto, os editores do diário carioca seguraram a matéria, mesmo diante de insistentes alertas dos assessores do seringueiro, sobre as ameaças que ele vinha sofrendo. Carlos Walter contou que, não agüentando de saudades da mulher e dos filhos, Chico Mendes voltou a Xapuri e, no dia 22 do mesmo mês, foi assassinado na porta de casa. Dois dias depois, o JB estampou a seguinte manchete: “A última entrevista de Chico Mendes”. Mas, como afirmou o geógrafo, “não era para ter sido a última, se tivesse sido publicada antes”.

E foi assim, navegando o pensamento da ciência à literatura, da economia à política, da história à cultura, que Carlos Walter Porto-Gonçalves foi levando os participantes do EICA a se deparar com o tamanho da complexidade e do desafio da questão ambiental. “O tema é sério demais para fazer o que se anda fazendo. Temos que parar para refletir novas formas de discussão e solução para esses problemas”, exclamou, do alto da experiência de quem entrou na questão ambiental através dos movimentos sociais. Para ele, trata-se de uma revolução de longa duração, aquela que se faz aqui e agora, para que aos poucos o problema seja resolvido. Daí a necessidade de buscar novos horizontes, novos sentidos para a vida. Ao final da conferência, todo o auditório aplaudiu o geógrafo demoradamente, deixando no ar uma certeza: apesar de se falar muito sobre meio ambiente, o assunto não está sendo tratado da forma como deveria.

Frases que dão o que pensar:

“Na conferência de Estocolmo [1972], o Brasil teve um papel ridículo! Um convite formal do representante brasileiro dizia que podiam vir poluir aqui, pois ainda era permitido. Era o preço que se pagaria pelo progresso.”

“Todo latifúndio é produtivo, produz misérias, iniqüidades...”

“O colonialismo acabou, mas não a colonialidade” [lembrando que não é por acaso que os EUA transferiram uma indústria nuclear para a Índia].

“Continuam nos oferecendo espelhinhos, agora nos shoppings, porém achamos que os índios é que são idiotas.”