EICA - Mesa 1

Comunicação de risco abre as mesas temáticas do EICA


Cerca de 150 pessoas de diversos estados do país participaram do segundo dia do Encontro Interdisciplinar de Comunicação Ambiental (EICA), realizado no dia 14 de abril, na Universidade Federal de Sergipe (UFS). Entre os participantes, estudantes, professores, pesquisadores, pós-graduandos e profissionais interessados em discutir o papel da informação, da comunicação e da mídia no enfrentamento das questões ambientais atuais.

A primeira mesa da manhã, que começou com quase meia hora de atraso, teve como tema “Comunicação de risco: a questão do petróleo”, e foi mediada pela coordenadora do EICA e do LICA - Laboratório Interdisciplinar de Comunicação Ambiental, Sonia Aguiar. Doutora em Comunicação e professora de Jornalismo da UFS, ela apresentou de forma sucinta o conceito de comunicação de risco. “Quando se fala em comunicação de risco, devemos levar em conta todas as situações que colocam grupos populacionais em risco por alguma questão relacionada ao meio ambiente. Pode ser um vazamento de petróleo no mar, a contaminação de um rio por substância tóxica, ou um deslocamento de pessoas para se construir uma hidrelétrica.”

Sonia Aguiar apresenta o tema da primeira mesa do EICA
Segundo a professora, a identificação dos riscos ambientais para a população e seu âmbito de abrangência também devem ser alvo de estudos. “E isso é interdisciplinar”, lembrou. Para ela, os pesquisadores da área de Comunicação precisam investigar mais esse assunto e observar as situações em que tem havido catástrofes. “Precisamos estudar como os meios de comunicação se comportam em relação a isso, quais as alternativas para as pessoas envolvidas com estas questões, e que instrumentos estão sendo utilizados para comunicar os possíveis riscos, explicou a coordenadora do LICA, em entrevista ao Contexto Repórter.

Controvérsias do petróleo

Um clima bem descontraído tomou conta da primeira mesa do dia, composta por três debatedores. A apresentação inicial ficou sob a responsabilidade da jornalista Ana Cristina Carvalhaes Machado, da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que apresentou de forma segura o conceito de crise e a idéia herdada da concepção de governos e corporações, para os quais o meio ambiente é um problema que gera crise. Abordou, ainda, as questões que devemos saber sobre a indústria de petróleo e gás e os acidentes que aconteceram com a Petrobras ao longo dos anos. Segundo ela, os conflitos envolvendo ambientalistas versus mídia, versus indústrias petrolíferas são inevitáveis. E, ao contrário do que as pessoas pensam, não acabarão, mas haverá debate de maior nível, mais compreensível para a sociedade e mais propostas de solução.

Na segunda exposição, o jornalista Nilton Marlúcio de Arruda apresentou os planos integrados de comunicação e os planos de comunicação corporativos do programa Petrobras de Eficiência Energética e Saúde (SMES), que coordena. De forma sintética, explicou que este setor da estatal visa aumentar o conhecimento sobre a atuação socioambiental da empresa. Sua apresentação enfatizou as relações empresariais, sobretudo as de responsabilidade social e sustentabilidade. Para Nilton de Arruda, que possui mestrado em responsabilidade social e desenvolvimento sustentável, “o Brasil está bem atrasado em relação à sustentabilidade, pois ainda mantém uma visão de que sustentabilidade é só um apelo publicitário que ajuda a vender”. “Sustentabilidade não pode ser vista somente do ponto de vista ambiental, mas também nas questões sociais, empresariais, dos poderes e da política”, avaliou.

Em seguida, Gicélia Mendes da Silva, doutora em Geografia, professora do Departamento de Geografia e docente do Prodema-UFS, colocou em questão o que os municípios sergipanos produtores de petróleo fazem com tanto dinheiro que recebem com o pagamento dos royalties. Segundo a pesquisadora, somente Carmópolis, um dos com maior produção petrolífera, recebe 2 milhões de reais por ano. No entanto, é o município com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado, onde os animais convivem nos terrenos de exploração e as pessoas são obrigadas a ouvir o barulho dos cavalos-de-pau em plena área urbana. Nesse contexto, a grande preocupação são os riscos do cotidiano, e não os riscos eventuais que aparecem na mídia, ponderou a professora, que foi bastante aplaudida ao final da sua apresentação.

O atraso no início da primeira mesa temática prejudicou os debates da manhã, mas ainda assim foram levantados pontos controversos, como os poços de petróleo abertos pela Petrobras no mar, que não estariam sendo fechados (informação que o representante da empresa no EICA disse desconhecer e ficou de averiguar). Ou o desperdício do dinheiro dos royalties na cidade de Rios das Ostras (RJ), chamada de Dubai fluminense pela debatedora Ana Cristina, que também alertou sobre a necessidade de se pensar o que fazer com o mundo dinheiro que vai ser gerado pelo Pré-sal.

Percepções e imagens

Vera Diegoli (à esq.), Ana Ângela, Antônio Almeida e Paulo Maroti
Por volta do meio dia teve início a segunda mesa, desta vez sob o comando da professora Ana Ângela Farias Gomes, doutora em comunicação e pesquisadora do Laboratório Interdisciplinar de comunicação ambiental (LICA). De forma tranqüila, ela expôs o tema da mesa, “Percepções e imagens do meio ambiente na mídia”.

Como estava previsto na programação, a jornalista Vera Lucia Diegoli, uma das criadoras e editora-chefe do Repórter ECO, da TV Cultura, apresentou no telão uma série de imagens compiladas pela produção do programa e compartilhou suas experiências em 20 anos de emissora. “Imagens bonitas despertam a atenção das pessoas. E assim se pode alertar, chamar, como se fosse uma bandeira para a informação”, afirmou Vera Diegoli. De acordo com a editora, muitas pessoas ligam para o Repórter ECO buscando informações sobre determinados espaços que foram mostrados durante o programa, ou seja, procuram saber do que se trata e vão atrás, produzindo efeitos de educação e compromisso com o meio ambiente. “A beleza transforma e uma imagem vale mais que mil palavras”, defendeu, repetindo um chavão da TV.

Em seguida foi a vez do coordenador do Laboratório de Mídia e Ambiente da ESALQ-USP, Antônio Ribeiro de Almeida Júnior, que apresentou alguns exemplos sobre fenômenos da comunicação e da atuação da mídia em relação às questões relacionadas ao meio ambiente. Citando aspectos da cobertura das questões ambientais pelo telejornalismo, pela internet, por jornais impressos e revistas, o professor da USP avaliou que “essas questões passam a ser o centro da estratégia da competição capitalista por mercados”, envolvendo enormes interesses. Para justificar seu ponto de vista, ele apresentou um quadro que destacava a “fisiologia das imagens”, como aceleração, closes, fechamentos de foco, imagens fortes, câmeras desfocadas, aceleração das falas, etc.

A essa altura a impaciência – e talvez também a fome – tomava conta dos participantes, que foram deixando o auditório aos poucos. Os que permaneceram apresentavam um aspecto cansado e o silêncio predominou sobre o Auditório da Reitoria.

Por fim, o professor do Prodema Paulo Sérgio Maroti, doutor em Ecologia e recursos naturais pela UFSCar, apresentou uma comparação de mapas mentais de alunos nordestinos de escolas públicas com outros de estudantes do Sudeste em relação às paisagens brasileiras, revelando o quanto a cultura influencia as percepções sobre a natureza e o meio ambiente. O material é fruto de suas pesquisas relacionadas a educação e percepção ambiental. A apresentação foi bastante rápida, por conta do tempo, como rápidos também foram os debates, com o auditório já praticamente vazio. As perguntas agrupadas em blocos, como na primeira mesa, giraram em torno da educação e da conscientização ambientais, e em como as imagens geradas pela mídia produzem efeitos imediatos de conscientização. De acordo com o debate, encerrado às 13h30min, hoje é possível buscar novas formas de divulgação sobre o meio ambiente (reportagem de Illton Bispo).

“Não há possibilidade de risco zero na indústria petrolífera”

A relação entre comunicação de risco e a produção de petróleo e gás foi o tema da primeira das quatro mesas de debates do 1° Encontro Interdisciplinar de Comunicação Ambiental (EICA), realizado na Universidade Federal de Sergipe (UFS). O debate ocorreu seis dias antes de a explosão da plataforma Deepwater Horizon, da British Petroleum (BP) nos Estados Unidos, completar um ano, em 20 de abril. O acidente resultou na morte de 11 trabalhadores e derramou enormes quantidades de petróleo no mar do Golfo do México, durante mais de dois meses, em 2010. Na época, o Brasil ainda comemorava as sucessivas descobertas de ricas reservas de óleo na camada pré-sal, uma estrutura geológica que se estende do litoral do Espírito Santo ao de Santa Catarina. Mas não havia esquecido o afundamento da plataforma P-36, da Petrobras, em águas fluminenses, em 2001, que também matou 11 pessoas ao explodir e gerou grande apreensão sobre a acelerada corrida do país pela auto-suficiência em petróleo.

Os dois desastres socioambientais foram lembrados pela jornalista Ana Cristina Carvalhaes Machado, mestranda em Economia Política Internacional na UFRJ. Deixando claro que não falava em nome da ANP, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, de cuja assessoria de comunicação institucional é funcionária, ela iniciou as apresentações da mesa chamando a atenção para o despreparo dos profissionais da mídia na apuração dos fatos relativos tanto à indústria petrolífera quanto às conseqüências ambientais de suas atividades. Ao longo da sua experiência como editora de Economia e integrante da assessoria de imprensa da Petrobras, Ana Cristina diz ter observado uma grande falta de conhecimento, por parte dos jornalistas, dessas atividades e dos procedimentos técnicos próprios do setor, além de falta de profundidade nas coberturas.

Para a assessora, não há na mídia, ainda, um agendamento coerente de temáticas ambientais, nem um suficiente compromisso ético e social com a informação ambiental. Mas, nesse ponto, também não poupa os ativistas das causas ecológicas. Na sua visão, falta ainda aos comunicadores e ambientalistas a formação necessária para conhecer a legislação, para que tenham a exata dimensão dos agentes com os quais estão lidando e dos quais estão falando. Também é preciso que ambientalistas, comunicadores e profissionais da indústria petrolífera se conheçam melhor, “que sejam menos ignorantes uns sobre os outros”. Esse conhecimento seria fundamental para saberem o que cobrar de quem, em termos de direitos e deveres.

Terceirização dos riscos

Do ponto de vista dos riscos potenciais da atividade petrolífera e sua prevenção – foco principal da mesa – Ana Cristina afirmou que “não existe risco zero numa indústria tão perigosa, que lida com material literalmente explosivo, e sim, graus de riscos”, que são proporcionais aos lucros e compensados na base do ‘aprender com os erros’. A jornalista lembrou que, depois do acidente com a P-36, muita gente acusou o excesso de terceirização da mão-de-obra pela Petrobras como grande responsável pela maior parte dos acidentes provocados pelas atividades da empresa. Explicou, também, que o processo de terceirização das atividades industriais é muito comum em todo o mundo, e que os índices de acidentes e problemas técnicos envolvendo trabalhadores terceirizados são, de fato, alarmantes. “Por mais que se cobre contratualmente das terceirizadas, é muito difícil controlar as atividades e fiscalizá-las plenamente e diariamente”, avaliou.

Ana Cristina Machado revelou, porém, que os pressupostos do SMS (segurança, meio ambiente e saúde), que as empresas petrolíferas devem elaborar e executar, estão trazendo um grande diferencial. Tanto que já há um movimento de “primeirização” na Petrobras, no sentido de promover concursos públicos para ocupação de cargos efetivos na companhia, de forma a reverter parte das terceirizações.


A jornalista avalia que, com a criação da agência reguladora do setor, o Brasil agora possui um sistema de normas e mecanismos de controle e fiscalização que não deve nada a países altamente desenvolvidos, do ponto de vista econômico e energético. Segundo ela, os Estados Unidos estão muito “curiosos para conhecer a nossa legislação energética”, que está entre as mais avançadas do mundo. Ainda de acordo com Ana Cristina, a ANP tem exercido de forma eficiente o seu papel de regulamentar, fiscalizar e gerenciar todo e qualquer procedimento das empresas que atuam nos mais variados processos da indústria petrolífera no país.

Durante os debates, após a exposição da professora do Prodema Gicélia Mendes da Silva sobre a relação entre petróleo, royalties e pobreza, a jornalista da ANP defendeu a necessidade de se racionalizar a aplicação dos royalties em ações de longo prazo, como políticas públicas voltadas para a educação e qualificação de mão-de-obra, investimento em infraestrutura de rodovias, ferrovias e até mesmo vias públicas de qualidade, e também em meio ambiente (reportagem de Deivson Mendes).

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Comunicação, a peça chave para a redução dos riscos

Veja depoimento de Marlúcio Arruda após a palestra

Segundo debatedor na mesa “Comunicação de risco: a questão do petróleo”, durante o 1° EICA, o jornalista Nilton Marlúcio de Arruda concentrou sua apresentação na estrutura e atividades do setor que coordena na Petrobras, o de Organização, Gestão e Processos de Segurança, Meio Ambiente, Eficiência Energética e Saúde (SMES). Com mestrado em Responsabilidade Social e Desenvolvimento Sustentável e MBA em Comunicação Corporativa, também enfatizou em sua fala a importância da comunicação institucional com os diferentes públicos da empresa. 

Falando aceleradamente, Marlúcio de Arruda explicou que desde que aconteceram três grandes tragédias ambientais envolvendo a Petrobras, a empresa tem mudado muito com relação à segurança. A comunicação é a maior aliada dessa mudança, e base para o plano de estratégia do SMES. Primeiro, a empresa quer sensibilizar o público interno, fazendo com que contribua para o êxito do processo. “Esse público é cobrado o tempo todo, mas também é estimulado a possuir comportamentos seguros e saudáveis”, ressaltou. “A produção, por exemplo, é um ponto fundamental, pois em caso de suspeita de perigo ela é parada. Porque o mais importante é a integridade desse público e não cometer erros para solucionar depois. O afundamento da P-36 é um exemplo disso, precisou acontecer para providências serem tomadas”, lembrou o coordenador da Petrobras.

Mas não é somente a opinião e as reclamações do público interno que importam. “A integração com o público externo é muito importante, através do compromisso com a sociedade na questão da sustentabilidade, por exemplo, praticando sempre a cidadania e criando um relacionamento com as comunidades”, observou Arruda. Apesar de toda essa preocupação, ele frisou que nem sempre é possível evitar os acidentes. “Porém, a partir deles se identifica o estrago e se trabalha para que não aconteça novamente. Porque uma crise é um grande ensinamento, e depois dela sempre se deverá fazer uma coletiva de imprensa e prestação de contas à comunidade”, completou.

O coordenador do SMES explicou, ainda, que a Petrobras possui dez Centros de Defesas Ambientais (CDAs) espalhados pelo país, que ajudam muito a solucionar os problemas, após um processo de discussão. Além disso, são distribuídos prêmios para as melhores iniciativas, e novas diretrizes sempre estão sendo criadas dentro da empresa, dizendo o que fazer e como fazer. O jornalista encerrou sua apresentação destacando que a liderança e a responsabilidade, a melhoria contínua e o relacionamento com a comunidade são pontos importantes dentro do programa de segurança, e que a comunicação é a chave para o sucesso de tudo isso” (reportagem de Manuella Miranda)

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Riqueza dos royalties não reduz pobreza nem garante qualidade de vida

Conhecida por sua paisagem de “cavalos-de-pau” – que bombeiam óleo bruto do subsolo – a cidade sergipana de Carmópolis foi o cenário da pesquisa apresentada pela doutora em Geografia e docente do Prodema-UFS Gicélia Mendes da Silva, última palestrante da mesa “Comunicação de risco: a questão do petróleo”, na manhã de 14 de abril, durante o 1° EICA.

Aparentando um certo nervosismo inicial, a professora pediu licença a todos para se levantar e, diante do telão que projetava sua apresentação, foi pouco a pouco conquistando a atenção da plateia, ao trazer a questão da comunicação de risco para o dia-a-dia das pessoas. Para isso, lançou mão não só da sua formação acadêmica e experiência profissional, mas também de sua vida pessoal. Contou que durante 20 anos morou na pequena cidade situada a cerca de 30 km da capital, que há 48 anos teve sua pacata rotina alterada pela descoberta de petróleo em seu subsolo.

A pesquisadora destacou os pontos positivos e negativos dessa nova atividade econômica para a cidade, frisando que ela nem sempre representa riqueza e que os “louros” da exploração petrolífera em Sergipe são destinados a Aracaju. Afirmou que no município agora existem zonas de desertificação e que muitos rios estão inaptos para a pesca. Além disso, o mercado de trabalho não trouxe os ganhos que a população esperava, pois os cidadãos de Carmópolis só ocupam cargos inferiores na empresa, justificados pela Petrobras por falta de qualificação profissional.

Carmópolis vista de cima no GoogleMaps (por André Teixeira)
Gicélia Mendes explicou que nem todos os donos de terrenos onde o petróleo foi encontrado ficaram ricos, pois muitos recebem uma quantia estipulada pela empresa que talvez não compense o incômodo e os possíveis danos à saúde causados pelo odor e pelo barulho permanentes, que segundo ela em alguns pontos é insuportável. A palestrante utilizou muitos recursos para apresentar os dados de sua pesquisa e sustentar seus argumentos, como fotos, mapas, gráficos e números.

Revelou que a cidade recebe cerca de R$ 2 milhões mensais da Petrobras, a título de royalties, em contraste com o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), que é um dos mais baixos da região Nordeste. Mas que não sabe onde esse dinheiro é empregado, já que as obras realizadas muitas vezes ficam inacabadas ou não são prioridade para a população. Como exemplo, mostrou a foto do Centro de Desenvolvimento Social, inaugurado há mais de um ano, com infraestrutura e recursos tecnológicos avançados, mas que nunca entrou em funcionamento. Deixou o representante da Petrobras na mesa constrangido e foi ovacionada pela plateia. Posteriormente, em conversa informal, a professora disse que em breve lançará um livro com a pesquisa, derivada de sua tese de doutorado (reportagem de Victor Daniel Limeira).

Marlúcio de Arruda (Petrobras), Sonia Aguiar (LICA), Ana Cristina (ANP) e Gicélia Mendes (Prodema-UFS) ouvem as perguntas formuladas pela plateia