29 de set. de 2016

Acessibilidade em Aracaju: mobilidade utópica

No centro urbano da capital sergipana deficientes e pessoas com mobilidade reduzida ainda enfrentam muitos obstáculos   

Por Labely Rairai e Matheus Fernando


Já imaginou uma cidade totalmente acessível, por onde as pessoas possam transitar sem restrições? A ideia pode parecer ilógica e longe de nossa realidade, mas há cidades como Londres (Reino Unido), Montreal (Canadá), Seattle (Estados Unidos) e Las Vegas (ambas nos Estados Unidos) onde a acessibilidade já deixou de ser utópica. Uberlândia, segunda maior cidade do estado de Minas Gerias, e a única brasileira reconhecida pela ONU - Organização das Nações Unidas como uma das 100 cidades-modelo em acessibilidade no mundo. 

Acessibilidade é a condição necessária para inclusão da pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida na participação de atividades urbanas, como a utilização de serviços, produtos e informações com segurança e autonomia, seja em espaços públicos ou privados, garantindo assim aos deficientes ou pessoas com limitações a condição de ir e vir, direito básico de todo cidadão.

Direitos violados

Desde 2000, o Brasil possui a Lei N° 10.098, que determina acessibilidade às pessoas portadoras de deficiência e com mobilidade reduzida e já sofreu várias atualizações desde a sua publicação, visando garantir os direitos dessas pessoas. No entanto, todos os dias seus direitos continuam sendo violados.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, cerca de 24% da população brasileira possuía algum tipo de deficiência, número que em 2016 é ainda maior. Para essa parcela da população, a inexistência ou insuficiência de acessibilidade na maioria das cidades brasileiras é o maior obstáculo, fazendo do cotidiano dessas pessoas um desafio.


A acessibilidade que “o poder não deseja”

Assim como em várias capitais brasileiras, Aracaju, possui muitos problemas relacionados à mobilidade, impossibilitando acessibilidade aos deficientes. Fora da orla turística, principalmente no centro da cidade, área de enorme fluxo de transeuntes, as dificuldades de locomoção encontradas por quem precisa de uma estrutura especial são inúmeras. Calçadas desniveladas e em estado precário, pedras soltas, equipamentos mal colocados nas calçadas, excesso de buracos, piso tátil bastante desgastado e interrompido em vários trechos, rampas inadequadas e mal conservadas estão entre os obstáculos no caminho da população. Além de inviabilizarem a mobilidade, essas barreiras representam perigo constante para pessoas com deficiência e mobilidade reduzida.

A falta de acessibilidade no Centro de Aracaju gera muita insatisfação e inúmeros transtornos. Edízia Araújo Silva, 25, é deficiente visual, condição decorrente da síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada,  doença rara que atinge o sistema nervoso central, ouvido interno e pele, causando também cegueira. Residente em São Cristóvão, município da Região Metropolitana de Aracaju, a jovem fala sobre as dificuldades  que enfrenta para se locomover. “Quando venho ao Centro é sempre um desafio. A diferença entre as calçadas é enorme, a bengala acaba entrando nos buracos, não há banheiros apropriados, as lojas não possuem espaço suficiente. As pessoas também não respeitam, acabam me empurrando, apertando”, desabafa. Em função dessas dificuldades, Edízia anda sempre acompanhada, e não acredita que Aracaju possa tornar-se uma cidade acessível pois, segundo ela, “o poder não deseja, tem outras prioridades”. 

Há três anos Anselmo Dias (foto), 46, utiliza muletas para se locomover, devido ao envolvimento em um acidente de trânsito e também enfrenta muitas dificuldades de locomoção no centro da capital sergipana. “Preciso ficar sempre atento aos buracos, é muito difícil andar. Por conta do desnível das calçadas sinto muita dor. Não existe acessibilidade em Aracaju. Já vi pessoas caindo devido aos buracos e a oscilação das calçadas”,  reclama. 

Anselmo Dias (ao centro)
(Foto: Arquivo pessoal)

O professor de Educação Física e ex-atleta Reginaldo Ramos, 53, também relata sua experiência. Ele se envolveu em um acidente automobilístico há cinco meses, juntamente com sua esposa, Gleide Teixeira da Costa, 50, que faz uso de cadeira de rodas enquanto se recupera de múltiplas fraturas nos membros inferiores. Já recuperado, Reginaldo acompanha a esposa e enfrenta junto com ela as dificuldades de locomoção. “Andei de muletas por um tempo e para andar com ela também tenho muita dificuldade. As calçadas e as lojas não são adequadas para qualquer que seja a deficiência, imagine para quem é deficiente permanente. Banheiros para deficientes são muito difíceis de achar. Nunca precisei, mas penso que ter que pegar ônibus também deve ser muito difícil”, avalia. Conta ainda que o olhar das pessoas incomoda muito, constrange.

Em depoimento, Elisângela Corsino, 36, fala sobre as dificuldades de locomoção enfrentadas por ela na capital sergipana.

 


A lei continua no papel

A realidade encontrada no centro da capital difere das condições determinadas pela Lei Nº4444 instituída na capital desde 2013, que “estabelece as normas de acessibilidade para a cidade de Aracaju, consolidando direitos individuais e coletivos das pessoas com deficiência e mobilidade reduzida”. Autor da lei, o vereador Lucas Aribé (foto), que é deficiente visual, considera que a cidade encontra-se inadequada no que diz respeito às normas, principalmente as da ABNT, que determinam a padronização da cidade de modo que ela seja acessível. 



 
                       Vereador Lucas Aribé (Foto: Assessoria)   
“A cidade não está estruturada para que todas as pessoas possam transitar com segurança. Desde 2013, a prefeitura está fazendo um estudo e discutindo a questão da acessibilidade no centro da cidade. O fato é que é preciso fazer algo, partindo das calçadas, ambiente mais democrático da cidade, por onde todos as pessoas passam. Posso caracterizar a falta de acessibilidade em Aracaju como vergonhosa. A falta de fiscalização é o maior problema”, explica.

Segundo Aribé, desde a efetivação da lei, nenhuma mudança voltada para a acessibilidade foi realizada. Um exemplo, é o Calçadão da 13 de Julho, inaugurado recentemente, sem que tenham sido obedecidas as normas de acessibilidade estabelecidas pela ABNT, como o piso tátil, rotas acessíveis e equipamentos adaptados, o que impossibilita que deficientes e pessoas com mobilidade reduzida utilizem o espaço. “A lei existe, o poder público descumpre e nós precisamos o tempo todo judicializar. Esse não é o caminho”, desabafa.

Uberlândia – garantir o direito à acessibilidade é possível

Localizada na região centro sul do país, Uberlândia, cidade do interior de Minas Gerais, é exemplo em acessibilidade, nacional e internacionalmente. Desde 2000, a cidade conta com o Núcleo de Acessibilidade, implantado pela prefeitura, além de órgãos de fiscalização e leis que fazem parte de um conjunto de ações direcionadas à inclusão das pessoas com deficiências, garantindo o direito à acessibilidade. A região metropolitana mineira possui rampas de acesso distribuídas entre as calçadas, vagas de estacionamento especiais, transporte público 100% acessível, veículos especializados para atender às pessoas com deficiências que vivem em áreas de difícil acesso, pisos táteis para orientar os deficientes visuais em calçadas, lojas e prédios, assim como sinais sonoros, rampas e elevadores nos terminais. A adaptação de escolas, instituições e espaços culturais proporcionam opções em educação, oportunidade de emprego e lazer para as pessoas com deficiências. Na cidade, obras de uso coletivo só são aprovadas se apresentarem algum projeto de acessibilidade. Apesar de ainda ter desafios, como a padronização das calçadas, Uberlândia é o maior exemplo nacional de garantia dos direitos das pessoas com deficiência, principalmente um dos mais básicos e fundamentais, o de ir e vir. 

Galeria de fotos: Centro de Aracaju/SE; 
(Fotos: Arquivo pessoal)
























Como a alimentação sustentável contribui para a segurança alimentar?


Banco de Alimentos em Sergipe combate o desperdício de alimentos e beneficia mais de 334 mil pessoas.

Por Aline Wilma Santos e David Rodrigues


Alimentos selecionados para doação na Paróquia Nossa Senhora da Conceição. (Foto: David Rodrigues)


A Rede Brasil do Pacto Global das Nações Unidas lançou, no final do mês passado, um guia prático com diretrizes para que empresas do setor alimentício e da agricultura adotem modelos de produção sustentáveis. A cartilha dos Princípios Empresariais para Alimentos e Agricultura (PEAA) relata que cerca de um terço dos alimentos produzidos para consumo humano no mundo, por volta de 1,3 bilhões de toneladas, é perdido ou desperdiçado todos os anos.
                                              
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), 54% desse desperdício se dá nas fases iniciais de produção (manipulação, pós-colheita e armazenagem), enquanto que os outros 46% ocorrem nas etapas de processamento, distribuição e consumo. No Brasil cerca 41 mil toneladas de alimentos são desperdiçadas anualmente, o que o deixa na décima posição no ranking dos países que mais desperdiçam alimentos no mundo.

Alimentos são desperdiçados de várias formas: pela produção em excesso, durante o transporte, na estocagem, no preparo e no descarte. São alimentos que podem ser usados em diversas receitas, mas possuem uma aparência que não agrada os consumidores. A alimentação sustentável combate este processo de desperdício e incentiva o aproveitamento integral dos alimentos.

Arrecadação e distribuição

Para garantir o acesso físico e econômico a alimentos seguros, nutritivos e em quantidade suficiente para atender às necessidades e preferências de todos, as empresas fazem parceria com Bancos de Alimentos, instituições que coletam e distribuem produtos não comercializados pelos atacadistas e produtores rurais, contribuindo com o abastecimento e segurança alimentar e funciona através da coleta dos produtos não comercializados pelos atacadistas e produtores rurais.

Segundo o Coleta de Alimentos, no ano passado, 39 Bancos conseguiram arrecadar 162.167,63 quilos de alimentos em 51 cidades, com doações de 253 supermercados parceiros, o que beneficiou 358.045 pessoas. Em Sergipe, onde há apenas um Banco de Alimentos, o Programa Mesa Brasil Sesc - Serviço Social do Comércio, foram coletados 3.190 quilos em nove supermercados da capital.

O Programa do Sesc atua desde 2003 no combate às condições de insegurança alimentar em dois polos, Aracaju e Itabaiana, desenvolvendo ações educativas nas áreas de nutrição e serviço social com o objetivo de promover a alimentação adequada e a reeducação alimentar, além de fortalecer as instituições assistidas. O Programa atua na modalidade colheita urbana, por meio da qual os alimentos são coletados no doador e entregues diretamente as entidades beneficiadas, sem formação de estoque. 

Joyce Pimentel, nutricionista do Programa há seis anos, explica como é feita a capacitação dos profissionais responsáveis pelo recolhimento desses alimentos. “Nós treinamos com frequência essa equipe operacional, que são os motoristas e ajudantes. Sob nossa orientação, são eles que avaliam esses produtos. Quando ficam na dúvida, ligam e eu vou lá olhar. Ou então, eles trazem aqui para que eu possa ver. Os treinamentos têm o objetivo de capacitá-los para que identifiquem quais alimentos estão próprios para o consumo”.

A sede do Mesa Brasil em Sergipe possui 497 doadores cadastrados, entre eles, indústrias de alimentos, centrais de distribuição, supermercados, associações de produtores rurais e outros. A doadora Telma Moura, feirante há 18 anos, na Central de Abastecimento de Aracaju (Ceasa), contribui à cerca de 5 anos com doações de frutas ao programa. “Tem muita gente que passa necessidade. Não é porque você está com a barriga cheia que vai esquecer de quem está com fome. É muito triste chegar a hora de comer e você não ter. Se eu pudesse doava mais”, diz emocionada, ao explicar o motivo de sua contribuição. Também doadora, a feirante Marineuza dos Santos, contribui a mais de 5 anos e relata que antes de conhecer as ações do programa, uma parte das frutas que comercializa tinha como destino o lixo. “O que sobrava quando não tinha a quem doar, a gente jogava no lixo”.
 
Quem recebe?                                 

Uma das 366 instituições beneficiadas pelo Programa Mesa Brasil é a Paróquia Nossa Senhora da Conceição, localizada no bairro Mosqueiro, a 22 quilômetros da capital sergipana. A paróquia participa do programa desde 2010 e hoje beneficia 120 famílias, representando uma média mensal de 300 pessoas. Toda sexta-feira a instituição é responsável pela distribuição desses alimentos à população da comunidade que é cadastrada. Na mesma hora que o alimento chega, as nove voluntárias fazem a separação e higienização desses alimentos e em seguida realizam uma oração em agradecimento aos doadores.

A aposentada Maria de Lourdes, que é voluntária e responsável pela paróquia, diz ser gratificante o trabalho que realiza. “É muito gratificante quando vejo a satisfação no rosto do irmão que recebe. Às vezes alguns vêm nos dizer que este alimento é o que tem para aquele dia. É alegria compartilhada”, explica.

A diarista Liana dos Santos, beneficiada há dois anos pelo projeto voluntário desenvolvido na Paróquia, afirma que às vezes não tem condições de realizar a compra de certos alimentos, e tem semana que a doação acaba ajudando muito no orçamento. “Essas frutas e verduras quebram muito o galho”.

De janeiro a agosto deste ano, o Programa Mesa Brasil arrecadou e distribuiu 599.306 quilos de alimentos e atendeu 334.183 pessoas. A meta para 2016 é arrecadar um milhão de alimentos.