EICA - Mesa 3

Discursos sobre o desenvolvimento sustentável

As vozes secundárias do desenvolvimento sustentável

Quando as vozes que têm um papel importante na questão de sustentabilidade são silenciadas, o alerta ambiental é incompleto.

Por Egicyane Lisboa Farias

É possível constatar que o desenvolvimento sustentável é uma questão associada à ideia de um futuro melhor e que ele está na ordem do dia nos veículos de comunicação. Não foi por acaso que as disputas discursivas em torno da expressão foram escolhidas como foco da terceira mesa temática do 1º Encontro Interdisciplinar de Comunicação Ambiental (EICA), no início da tarde da quinta-feira, 14 de abril. Composta por uma jornalista, uma antropóloga e uma biogeógrafa, e mediada pelo professor Jean Cerqueira, pesquisador do LICA – Laboratório Interdisciplinar de Comunicação Ambiental, a mesa tinha intenção de alinhar o conhecimento de diferentes áreas ao conceito de desenvolvimento sustentável, que não é neutro, e sim uma construção histórica e social.

Na fala da jornalista Luciana Miranda Costa, (foto) doutora em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), o ponto central foi a grande mídia e os desafios dos profissionais de comunicação para o enfrentamento das questões ambientais, diante do enorme avanço da degradação ambiental nos últimos anos. “A mídia tem feito esforços louváveis e suficientes para disseminar as questões ambientais. Só que ela não tem sido capaz de formar cidadãos com conhecimentos sobre meio ambiente e políticas públicas, porque estamos informando, mas não formando”, ressaltou.

Para Luciana Miranda, as informações circulam, mas não de forma sistemática e nem sempre adequada, apresentando relatos factuais e noticiando predominantemente situações circunstanciais, sem a presença de informações complementares, como antecedentes, causas, conseqüências e expectativas geradas em relação ao meio ambiente. “Em relação à questão ambiental, a mídia tem uma cobertura pautada pelo tom alarmista. Não há nem a profundidade, nem a abrangência necessárias”, enfatiza.

“Esse discurso tem privilegiado os campos políticos e, mais recentemente, na década de 1990, o campo científico”, afirma a professora da UFPA, especialista em jornalismo científico e ambiental. Com base em mais de dez anos de estudos sobre a cobertura de temas da Amazônia, a pesquisadora afirma que a mídia, em sua abordagem sobre meio ambiente, privilegia como suas principais fontes os órgãos governamentais, as instituições de pesquisa e as ONGs, e esta tendência provavelmente se manterá, pois são as vozes detentoras do conhecimento especifico sobre o tema. Em contraponto, ela destaca o pouco espaço dado às vozes dos agricultores, fazendeiros ou madeireiros, que exercem apenas um papel de coadjuvante na elaboração dos textos jornalísticos. Ao invés de usar seus conhecimentos empíricos acumulados, aproveitá-los e incorporará-los de forma efetiva, o discurso atual simplesmente os transforma em fontes secundárias.

Meio ambiente no rádio

Em sua palestra, e posteriormente em entrevista, a jornalista apresentou o trabalho que faz na Rádioweb, que com seus oito programas semanais e permanência de 24 horas no ar vem desempenhando um diferencial na questão ambiental no Pará. Sua função é divulgar conhecimento, contribuir para uma formação ampla, como instrumento pedagógico, além de transmitir saberes populares, dando voz e vez para as vozes secundárias. Com isso, Luciana Miranda espera proporcionar uma visão mais completa e não fragmentada do meio ambiente, como os demais veículos de comunicação.

A conclusão da pesquisadora aponta para a falta de profissionais capacitados para o enfrentamento das questões relacionadas ao meio ambiente, tanto nos grandes quanto nos pequenos meios. Os órgãos ambientais tendem a pautar a cobertura com enfoque restrito aos aspectos técnicos, sem considerar o contexto socioeconômico. Para isso, Luciana Miranda alerta que é necessário que as abordagens sobre o meio ambiente tenham o caráter de informar e formar, e que haja uma conscientização sobre o fazer jornalístico que não seja apenas para vender. Rssalta, também, que o meio ambiente é componente fundamental para a recriação de um novo modelo de desenvolvimento econômico, e, sobretudo, para a criação de uma sociedade sustentável.

Conheça a experiência de comunicação ambiental da Rádioweb do Pará: www.radioweb.ufpa.br 
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    A piada da mineração sustentável

    Comunicação credita valor sustentável a uma das práticas mais insustentáveis do planeta, a mineração.

    Por Liliane Nascimento

    Alguém disse que neste país as piadas já vêm prontas. A piada da vez foi interpretada pela doutora em Antropologia Gabriela Scotto, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), no 1º Encontro Interdisciplinar de Comunicação Ambiental (EICA), na mesa temática “Discursos sobre o desenvolvimento sustentável”, no último 14 de abril. Durante o evento, realizado pelo LICA – Laboratório Interdisciplinar de Comunicação Ambiental – e pelo Prodema – Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – ambos da Universidade Federal de Sergipe (UFS), a argentina radicada no Brasil há 20 anos falou (sem apoio do telão) para um grupo atento e silencioso de interessados nas questões ambientais e na sua relação com os processos comunicativos.

    A antropóloga Gabriela Scotto, da UFF
    Após construir um rico, embora curto, histórico do tema, a pesquisadora mostrou como a comunicação vem utilizando o conceito de sustentabilidade em prol dos interesses empresariais e possibilitando a piada da mineração sustentável. Co-autora do livro Desenvolvimento sustentável, conceitos fundamentais, ela tratou, no começo da sua apresentação, da variedade de temas relacionados ao termo e construiu, desde o início, uma perspectiva crítica. “Acho que as disputas pelo sentido de desenvolvimento sustentável e sustentabilidade já não são tantas e estão cedendo lugar para um uso cada vez mais uniforme, apropriado e dominado pela atividade empresarial”, afirmou.

    Dizer sem dizer

    A comunicação ambiental é uma área relativamente nova e que ainda está em processo de construção. Ainda assim já podem ser observadas sérias falhas na transmissão de conceitos e informações que deveriam contribuir para a constituição de um debate público verdadeiramente crítico. Segundo Gabriela Scotto, deve-se notar que o processo de comunicação não se dá no ar, ele é produzido por atores sociais visando seus diversos interesses. Também não se deve dividir o mundo entre bons e maus ou entre os que contribuem ou não para uma melhor cobertura, pois o que há é uma alteração na percepção do problema que pode fazer com que atores bem intencionados nem percebam os erros que cometem.

    Quanto à já mencionada piada, a antropóloga citou a incorporação do mote “mineração sustentável” por grandes empresas mineradoras. “Como é possível falar em mineração sustentável quando a própria atividade mineradora consiste em uma atividade econômica baseada na exploração de recursos finitos, como são os minérios?”, questionou a pesquisadora, dizendo em seguida que nunca viu um pedaço de ouro se reproduzindo. Nas peças publicitárias das grandes empresas do setor (algumas mostradas no evento e disponíveis nos links abaixo), a ideia de “responsabilidade ambiental” é mostrada através de ações como o plantio de árvores ou o apoio a atividades culturais, por exemplo. Mas a ação extratora, que é o ato fundamental da empresa, e que em geral utiliza mercúrio – metal muito poluente – para a separação do minério, nunca é divulgada. “Se for para discutir, vamos discutir a partir de todos os elementos e não separando alguns”, ressaltou Scotto.

    É importante acentuar que durante a palestra a antropóloga não questionou a importância das ações sociais ou do plantio de árvores realizados pelas ditas “mineradoras sustentáveis”, mas sim a construção de um discurso em que apenas pontos positivos são citados. Esse discurso não se limita a vender um produto e uma marca, ele contribui para alterar a noção de sustentabilidade. A verdade que está além dos produtos da mineração é que não é o comércio que está se tornando sustentável, mas a sustentabilidade que tem se tornado comercial.

    Em busca de um debate crítico

    Considerando a complexa teia de interesses, é difícil acreditar na construção de um debate crítico vindo das informações divulgadas nas grandes mídias, formadoras de opinião, não só porque as grandes empresas são grandes anunciantes, mas também porque é possível e tornou-se habitual construir discursos em que apenas um lado da questão é observado. “Temos que apostar em todas as formas de comunicação via pequenos meios, como rádios comunitárias, blogs, internet”, sugeriu a professora da UFF.

    Uma comunicação bem feita, independente da área que aborde, requer a observação das várias perspectivas que compõem a questão. Assim como desenvolvimento sustentável é mais do que plantar árvores e a sustentabilidade é mais do que uma postura da moda, a comunicação ambiental pode trazer mais do que piadas como a da mineração sustentável, que seria cômica se não fosse trágica e cada vez mais verde e amarela.

    Acesse alguns dos vídeos mostrados durante a palestra:
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    Mídia confunde “sustentável” com “sustentabilidade”


    Última palestrante na mesa temática sobre os “discursos do desenvolvimento sustentável”, na tarde do segundo dia do 1º Encontro Interdisciplinar de Comunicação Ambiental (EICA), a professora Rosemeri Melo e Souza, do Prodema-UFS, propôs ao público, um exercício de desconstrução da visão sobre o grande problema que são as mudanças climáticas e o desenvolvimento sustentável.

    A pós-doutora em Biogeografia pela University of Queens Land (Austrália) e doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UNB) questionou o fato de as mudanças climáticas não ocuparem a centralidade do debate ecológico. Também chamou a atenção para o poder da palavra no que ela identificou como sendo o “falso debate da política das mudanças climáticas”, sobre as quais muito se fala, mas não se vê vontade por parte dos governantes em tentar resolver.

    Citando as  dificuldades que os moradores de Altamira, no Pará, vêm passando por conta das obras de construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, criticou a “grande imprensa” por não divulgar as controvérsias em torno do empreendimento. Segundo ela, as grandes construções que vêm sendo feitas de maneira desordenada, sem cuidado com o meio ambiente, não ocupam lugar no noticiário dessa imprensa, que deixa de tornar público problemas causados pelos grandes grupos empresariais, mantendo seu foco nos pequenos. A psquisadora deixou claro, porém, que em momento algum tentou isentar a responsabilidade dos que cometem degradações de “pequeno porte”.

    Para ampliar a complexidade da questão, Rosemeri Souza citou vários exemplos de como a grande mídia tem trabalhado de forma reducionista a noção do desenvolvimento sustentável. Sua lista inclui contradições como ensinar crianças a separar o lixo em casa, enquanto em muitos lugares ainda não existe coleta seletiva; e a confusão entre o sentido ecológico de “sustentável” e o sentido econômico de “sustentabilidade”, que gera peças de ficção publicitária como “ pneus ecológicos” e “energia que não gera impacto ambiental”. O forte tom de alerta da palestra levou uma participante do EICA a comentar na plateia: “foi o discurso mais lúcido que já ouvi em toda a minha vida” (reportagem de Emily Lima).