1 de jun. de 2017

Professores e gestores escolares demonstram incertezas

Por Haline Farias

A situação da educação no Brasil tem enfrentado muitos problemas há anos, principalmente no que diz respeito à evasão escolar. Segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE), referentes ao ano de 2014, 1,7 milhão de jovens no país estavam fora da escola, com idade de 15 a 17 anos.

O debate sobre essa precária situação da educação e como melhorá-la ganhou novos rumos a partir do ano passado, quando o Ministério da Educação anunciou por meio da Medida Provisória (MP) nº 746, de 2016, uma reforma a ser feita no ensino médio brasileiro.

Ao passar e ser aprovada, em dezembro do ano passado, pela Câmara de Deputados a MP sofreu algumas alterações. Sem um debate antecipado com a sociedade, a MP foi aprovada dia 8 de fevereiro pelo Senado Federal e sancionada dia 16 do mesmo mês pelo presidente da República, Michel Temer,como a Lei nº 13.415, de 2017.

Segundo a secretária executiva do Ministério da Educação (MEC), Maria Helena Guimarães de Castro, a expectativa é de que em 2019 comece a implementação da reforma do ensino médio, em que cada estado irá definir de que forma ocorrerá as transformações.

Como enfim será a reforma?

Segundo o MEC, a reforma tem como intenção: flexibilizar o currículo escolar, tornando a escola mais atraente para os alunos; ampliar as escolas de tempo integral e dar mais relevância ao ensino técnico. 

A carga horária será obrigatoriamente 60% ocupada pelos conteúdos comuns da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), os demais 40% serão optativos. Essa opção, que dependerá da oferta de cada escola, será a partir de um dos itinerários formativos específicos definidos em cada sistema de ensino e com destaque nas áreas de: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. As escolas deverão oferecer ao menos uma das áreas.

O ensino de Português e Matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio, sendo assegurada às comunidades indígenas, também, o uso das respectivas línguas maternas. Inclui ainda, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa, ofertada a partir do sexto ano. As disciplinas de Educação Física, Arte, Sociologia e Filosofia serão obrigatórias somente do 1º ano do ensino médio até metade do 2º.  Poderão ofertar outras línguas estrangeiras, optativas, dando preferência ao espanhol.  

No portal do Ministério da Educação consta que o ensino de tempo integral ocorrerá de forma gradual. As escolas terão o prazo de cinco anos para aumentar a carga horária das 800 horas anuais para 1000 horas. E depois, com prazo não estipulado, chegar à 1,4 mil horas.

Há previsto um investimento do governo federal de R$ 1,5 bilhão até 2018 para a implementação de Escolas de Ensino médio em Tempo Integral, o que corresponde a R$ 2.000 por aluno/ano. Porém esse valor pode sofrer contingenciamento devido aos efeitos da chamada “PEC dos gastos públicos”. O repasse da verba terá prioridade nas regiões com menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e com resultados mais baixos no Enem. Dependerá da disponibilidade orçamentária o dinheiro repassado anualmente que será com base no número de matrículas do Censo Escolar da Educação Básica. 

Base Nacional Comum Curricular (BNCC)

De acordo com o portal da BNCC do MEC, a Base é um conjunto de orientações que irá regular os currículos das escolas, redes privadas e públicas de ensino em todo o Brasil. Trará as competências pretendidas e conhecimentos essenciais para cada etapa da educação básica em todo o Brasil. 

Todo o processo da reforma recebeu muitas críticas pelo fato de ter sido feita por meio de uma medida provisória, sem o devido diálogo com a sociedade, principalmente entre professores e estudantes que serão diretamente afetados com a medida. Além também de gerar muitas dúvidas por possuí aspectos controversos e polêmicos. 

Visão dos estudantes

Ainda há incertezas sobre o bom funcionamento ou não da reforma do ensino médio. Os alunos não conseguem ter precisão sobre o que pensar e esperar. A maioria deles não conseguem enxergar a MP como toda positiva ou negativa.


Alunas do Colégio Dinâmico não aprovam 
totalmente a reformado ensino médio.
A estudante do 9º ano do colégio particular Dinâmico, localizado no bairro Salgado Filho- Aracaju, Julia Oliveira, 14 anos, diz que tem dois pontos de vista sobre a reforma, um negativo e outro positivo, principalmente no que diz respeito à escolha do aluno em algumas das cinco áreas oferecidas. “Essa escolha vai melhorar porque você vai poder optar pelo o que quer mesmo estudar na faculdade, ajudará a não se assustar com o que vai encontrar no curso escolhido”. Por outro lado, ela diz que o aluno talvez perceba no futuro que optou pela área errada e como não teve acesso às outras matérias oferecidas em outras áreas sinta um déficit em seu ensino para poder conseguir adentrar em outro curso. Julia afirma que não gostaria de ter seu ensino médio de acordo com essas mudanças.

Também do colégio Dinâmico, Lívia Cardoso, 16 anos, que está no 3º ano do ensino médio não se sente muito esperançosa com a reforma, mas concorda que a última etapa do ensino básico deve ser mudada, contudo que antes tivesse uma pesquisa maior e um debate direto com a população. A estudante vai além e fala sobre a necessidade de transformação também do ensino fundamental. “Não adianta mudar o ensino médio sendo que o ensino fundamental não tem uma estrutura muito boa de preparação para a próxima etapa.”. Ela conta que sentiu revolta ao saber da reforma proposta de forma tão abrupta, mas que espera que dê certo na prática. 

A aluna do colégio estadual Dom Luciano, situado no bairro São José em Aracaju, Samara de Ávila, 16 anos, que está do 2º ano também não fala com muito entusiasmo das transformações previstas no ensino e coloca em questão a gestão do governo e dos colégios. Ela cita que a mudança pode funcionar, mas não dependerá somente de investimento financeiro, e sim também de uma boa gestão para administrar a verba aplicada.

Visão de gestores dos colégios e professores

A implementação dessa Lei gerou também um grande debate entre os docentes e causou desconforto em relação a como será o processo de colocar em prática as alterações, como tudo afetará suas carreiras profissionais. Mesmo aqueles que são a favor da reforma se sentem inseguros em relação ao seu funcionamento. Os profissionais da educação se dividem entre prós e contras a essas mudanças. Muitos acreditam que seja realmente necessário reformular o ensino médio no país, mas que deveria ocorrer de outro modo.

A professora de Filosofia do colégio Dom Luciano, Vanessa Lacerda,mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), alega que o grande problema da reforma é que ela não está sendo feita por aqueles que realmente entendem das necessidades do ensino, os professores, e que as estruturas de ensino do país ainda não estão prontas para recebê-la. “Se há realmente esse interesse em melhoria que essa melhoria seja dialogada com os profissionais reais da área que são os professores que estão em atividade. [...]A reforma deveria começar por onde realmente importa: o professor. É o professor que sustenta a escola.” 

Professora Vanessa Lacerda, do colégio Dom  Luciano, sente-se angustiada com a situação.

Já o professor de história Leonardo Matos, mestre em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), do colégio Dinâmico diz que é preciso uma reformulação do currículo no que se refere a conteúdos. “Existem conteúdos que não deveriam estar no ensino básico, são conteúdos muito específicos que são de início de graduação.”

A maior parte de professores e gestores escolares afirma que a mudança foi decidida de forma muito rápida, sem consultar aos interessados, aqueles que fazem parte das escolas. O diretor administrativo do colégio Arquidiocesano, localizado no bairro São José-Aracaju, Valdewan Correia, declarou que o debate deveria ter sido muito maior. “Deveria ter sido feito uma discussão bem mais aprofundada do que simplesmente uma medida provisória e uma penada achar que pode mudar tudo. É mais fácil, mais cômodo, mas não acredito que seja o meio mais adequado para se efetivar a mudança.”

O diretor Valdewan não concorda com transformações que são decididas de cima pra baixo e com o fato de a mudança ocorrer na última etapa da educação básica. “Eu acredito que é fundamental ouvir as bases e os primeiros interessados, que são os alunos e professores. Tenho uma restrição. Por que começar a querer mudar o ensino de cima para baixo? Quando a educação tem que ser trabalhada de baixo para cima. Por que um foco e uma preocupação com o ensino médio e não aquilo que o próprio nome já diz: “fundamental”? Ou seja, se eu não dou os fundamentos sólidos e se eu realmente não coloco todos os meus esforços para formar bem a base, então o ensino médio acaba virando apenas uma espécie de qualificação para vestibular e não uma qualificação para conhecimentos e aprofundamentos de situações que a pessoa vai lidar para toda sua vida.”

Já o coordenador pedagógico do colégio estadual Tobias Barreto, no centro de Aracaju, Job Vieira, reconhece o novo ensino médio como uma proposta muito boa do governo e que já era mais do que necessária. “Não estava funcionando do jeito que estava indo o ensino médio. Nós estávamos vendo os índices do IDEB baixando, os indicies das avaliações do ensino médio. O nossos alunos e nossas escolas tirando notas baixas nas avaliações do mundo todo. Então veio no momento certo.”. Apesar de aprovar o projeto, o coordenador mostra-se inseguro em relação a se as escolas estarão preparadas para recebê-lo. 

Contudo, o coordenador alega que a secretaria de educação está preparando os professores e gestores com cursos. “A parte estrutural o governo está preparando. As escolas estão todas passando por reformar para se adequar também.”

Pontos polêmicos 

Logo que foi apresentada pelo governo, em setembro do ano passado, a reforma criou inquietação em estudantes e docentes, trazendo uma onda de alguns protestos. Tudo se deu devido a alguns pontos polêmicos trazidos nas mudanças planejadas para o ensino médio que ainda preocupam a população.

A polêmica principal refere-se às disciplinas obrigatórias do ensino médio, o que consequentemente tornam outras não obrigatórias. Isso significa que a depender da área escolhida pelo aluno essas outras disciplinas serão excluídas do seu currículo. Até então só são citadas explicitamente como obrigatórias sete disciplinas nos três anos do ensino médio. Os estudantes e profissionais da educação não se mostram muito favoráveis com essa questão.

Leonardo Matos, professor de História, afirma que ao colocar disciplinas como não obrigatórias é por que não as veem como fundamentais na formação de um estado industrial e tecnológico. “É como se só a matemática ou a física fossem importantes para esse estado. Quando na realidade todas as disciplinas são. É a formação de seres humanos, valores, caráter. Não tem como pensar o desenvolvimento da infraestrutura se antes não haver um desenvolvimento, um investimento na formação intelectual.”

É apontado pela professora de filosofia Vanessa Lacerda um problema nesse ponto. Segundo ela, ao passo que coloca-se matérias como não obrigatórias, as escolas não são obrigadas a ofertar automaticamente. “Quais escolas ofertarão? Então o aluno que quer seguir determinada área no ensino médio e/ou precisa dessas disciplinas para fazer o curso universitário que quer, vai ter que sair de escola em escola procurando a escola que oferta tal disciplina ou área.”. Além de citar o possível problema que os estudantes enfrentarão para realizar vestibulares que cobram diversas disciplinas, a professora também fala do problema que isso tudo trará aos professores. “O professor vai ter que procurar onde trabalhar, qual escola oferta a disciplina que ele leciona.”

A estudante de Direito da Universidade Federal de Sergipe Beatriz Machado, 19 anos, também discorre sobre o problema que os alunos vão enfrentar para ingressar nas universidades ao não terem acesso em suas escolas ao estudo de algumas disciplinas. “Para entrar na universidade geralmente é preciso passar pelo ENEM, que é uma prova que você precisa estudar as principais disciplinas, como: biologia, física, português e matemática. O aluno pode ter noção do curso que vai escolher no futuro optando pela área que tem mais aptidão em seu ensino médio, mas ele sequer vai poder entrar na universidade. Essa reforma não pensa nos processos seletivos necessários para adentrar em universidades. É como se não pensassem realmente no futuro dos jovens.”

Notório saber

O outro ponto que também foi alvo de muitas críticas é a permissão para que profissionais com "notório saber", reconhecidos pelo sistema de ensino, possam dar aula nos cursos de formação técnica e profissional, contanto que os cursos estejam ligados às áreas de atuação deles.Além disso, deputados e senadores decidiram também que profissionais graduados sem licenciatura poderão fazer uma complementação pedagógica para estarem qualificados a dar aulas. Essas mudanças não pareceram estar de acordo com o que pensam alunos e docentes. 

A aluna de Direito Beatriz Machado, alega que essa questão é complicada, pois um professor que faz licenciatura em algum curso tem também matérias voltadas para área pedagógica para saber como trabalhar com o aluno. “O profissional mesmo que tenha feito bacharelado em alguma área pode até saber os conteúdos, mas não vai saber como lecionar, como lidar com o estudante.”. Ela conta por experiência própria que mesmo que o professor saiba os assuntos, se ele não souber a pedagogia e a dinâmica de uma sala de aula os alunos sentirão isso ao longo do ensino. “No meu ensino médio tive curso técnico e tive professores nas matérias técnicas que não tinham licenciaturas. Mesmo o professor sabendo as matérias, eu e meus colegas sentíamos falta da didática.”. Beatriz também diz que essa permissão precariza a profissão do professor e também pode prejudicar o aluno.

Lívia Cardoso estudante do 3º ano também vê a contratação de profissionais de “notório saber” como uma forma de tornar precário o trabalho dos docentes, havendo assim, como ela mesmo diz, uma “desvalorização dos professores”.

Para o diretor Valdewan Correia esse ponto da reforma vem a esvaziar a vocação do magistério, daqueles que se dedicam ao estudo pedagógico.Essa permissão tem causado angústia nos professores, como desabafa a professora de filosofia Vanessa Lacerda. “A gente já vem de uma carreira que não é valorizada. Uma carreira que é sofrida, difícil, mal remunerada, que o dia a dia é castigante. Ficar sem saber qual vai ser o futuro, ou pior, sempre esperar o pior diante das soluções dadas é extremamente angustiante.”.

Ela também afirma que é uma maneira de sucatear a carreira dos docentes. “A gente sabe que professor não recebe o devido valor que merecia em sociedade e quando você coloca ‘notório saber’ você abre várias possibilidades. [...]Então é uma questão que eu devolvo à sociedade: vocês se consultariam com um médico com ‘notório saber’? Colocaria um projeto civil para um engenheiro de notório saber? Eu acredito que não. Porque entregariam a educação para alguém de notório saber? E não para as pessoas que realmente se preparam, estão disponíveis pra essa atividade?”.

Expectativas

Mesmo com duras críticas e uma série de preocupações, estudantes e profissionais da educação esperam que as mudanças que estão vindo para o ensino médio possa funcionar da melhor maneira.

Samara de Ávila que está no 2º ano fala que é muito precipitado afirmar se a reforma dará certo ou não, que é preciso esperar pela prática. Mas ela deseja que dessa vez uma medida do governo realmente funcione para a população.

O professor de História Leonardo Matos diz que mesmo com toda a conturbação e insegurança trazida para o ensino escolar pela MP, é inegável que ela trouxe o debate da educação para o cenário brasileiro. Ele espera que a prática seja tão boa quanto a teoria.

Também com tom de certa preocupação, Valdewan Correia, diretor do colégio Arquidiocesano, diz que talvez na medida em que o tempo passe a reforma dê certo. “Talvez com o passar do tempo, a situação econômica do país vai melhorando, a situação política se estabilize, possa ser que assim a situação educacional comece a ter um outro norte.”.


O que é uma Medida Provisória?

Segundo consta no site da Câmara dos Deputados, a Medida Provisória (MP) é um recurso com força de lei utilizado pelo presidente da República em casos de urgência. Assim que é publicada a medida gera efeitos imediatos, mas precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) para se transformar definitivamente em lei. “Seu prazo de vigência é de sessenta dias, prorrogáveis uma vez por igual período. Se não for aprovada no prazo de 45 dias, contados da sua publicação, a MP tranca a pauta de votações da Casa em que se encontrar (Câmara ou Senado) até que seja votada.”.

Depois de aprovada no Congresso, a MP é enviada à presidência da República para ser sancionada, podendo o presidente vetar o texto parcial ou integralmente.




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