1 de jun. de 2017

Dois modelos em confronto

Por Letícia Nery

Mesmo com muita propaganda nos meios de comunicação e muito falatório sobre o assunto, principalmente após a transformação do projeto de lei em medida provisória e então em lei, ainda é visível a dúvida: o que realmente é a reforma do Ensino Médio?

A lei originada na medida provisória do Novo Ensino Médio (MP 746/2016) tem o objetivo de fomentar a implementação de escolas de ensino médio em tempo integral e estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Primeiro, essa medida provisória foi aprovada na Câmara dos Deputados em 13 de dezembro de 2016, seguiu para o Senado Federal, onde foi aprovada no dia 08 de fevereiro com 43 votos a favor e 13 contra e, por fim, sancionada em cerimônia no Planalto Central no dia 16 de fevereiro pelo presidente Michel Temer como Lei Ordinária 13415/2017.

Uma medida provisória, segundo o portal Câmara dos Deputados, “é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da República, em casos de relevância e urgência”, tem prazo de vigência de até 60, podendo ser prorrogada, e 45 dias para ser votada, ou é trancada. No Portal Brasil, existe um breve explicativo sobre o aumento gradativo da carga horária atual mínima de 800 horas para 1,4 mil horas.

Outros pontos importantes sobre essa lei são: a exclusão de disciplinas, ou seja, após o cumprimento da Base Nacional Comum Curricular até a metade do ensino médio, algumas disciplinas não serão obrigatórias e outras não serão mais vistas como disciplinas, e a permissão para contratação de professores de “notório saber”, logo, profissionais graduados que tenham feito complementação pedagógica. Nessa reportagem especial, repercutimos a opinião de diversos segmentos da população de Sergipe que poderão ser afetados pela implantação da lei e debatemos essa questão polêmica do Novo Ensino Médio que poderá interferir direta ou indiretamente na vida de todos os brasileiros.

A visão dos gestores

Comemoração pela aprovação no ENEM 2016
 pelo Colégio Arquidiocesano
A proposta do Novo Ensino Médio vem com a intenção de romper com o estilo do ensino médio atual para dar ao aluno maior flexibilidade e autonomia na escolha de uma futura profissão. De acordo com Neverson Lucena, coordenador pedagógico há 14 anos e coordenador do ensino médio do Colégio Arquidiocesano Sagrado Coração de Jesus, localizado no centro de Aracaju, a proposta é positiva e é um avanço educacional, pois o modelo atual vigente não é atrativo. Porém, o modelo proposto ainda gera muita polêmica porque, na visão do coordenador, “as pessoas enxergam mais a linha política, do que normalmente o benefício que isso pode trazer”.

Lucena acredita que com o enfoque em uma das cinco áreas optativas após a metade do ensino médio, o aluno se sentiria mais motivado a estudar e permanecer no meio escolar, já que seria uma escolha baseada na vocação e afinidade de cada um, tendo mais amplo o retorno em forma de conhecimento. “Não acho que isso prejudique [a formação do aluno] e também não acredito que sejam totalmente excluídas. Vão sofrer uma adequação como todo o modelo educacional vai sofrer também uma adequação”, comenta o coordenador em relação à exclusão de algumas disciplinas, como Filosofia, Sociologia e Educação Física. Ele completa dizendo que sem sombra de dúvidas Português, Matemática e Inglês são as matérias mais importantes, mas não concorda que elas sejam realmente as únicas obrigatórias para todos durante o novo ensino médio.


Escola Estadual Jonh Kennedy participa de reuniões com
Secretaria da Educação sobre o Novo Ensino Médio
Lícia Santana, diretora da Escola Estadual John Kennedy, localizada no bairro Getúlio Vargas, afirma que o debate sobre a escolha das áreas de preferência deve ser feita sempre de forma democrática com a parceria entre escola e comunidade. Pensa, contudo, que é um ponto que possivelmente dê certo, pois o aluno já vai direcionar para sua área no futuro. “Se a gente pega países como a Finlândia, Portugal e outros que já trabalham dessa forma e a gente vê os resultados positivos, você tem um exemplo que deu certo, mas tem que ter toda uma estrutura”, comenta. Em quase 30 anos como profissional da educação, Lícia, assim como Neverson, acredita que de forma alguma a exclusão de algumas disciplinas na escolha da área de interesse possa prejudicar a conclusão do ensino médio dos alunos.

Quanto à discussão sobre o “notório saber”, os dois entrevistados também têm opiniões similares. Seria algo ainda impensado para essas escolas tanto eles enquanto gestores e profissionais da educação e quanto do ponto de vista. Na rede pública, a diretora diz que para ser professor, a pessoa tem que possuir licenciatura e fazer concurso e em suas palavras “ainda não estou totalmente informada, mas isso vai de encontro com a própria Constituição. Dessa forma, eu sou totalmente contra”. Já na rede particular, o coordenador comenta que não pode afirmar se vai existir ou não a contratação de pessoas com “notório saber”, mas é um absurdo em sua opinião particular. “Uma parteira tem um notório saber em fazer parto, mas isso quer dizer que ela pode exercer a função de médica? Eis a questão. Eu acho um absurdo” afirma de forma enfática.

Em contato com um colégio público localizado no centro da cidade, a diretora informou que só poderia se manifestar sobre o assunto após permissão da Secretaria de Estado da Educação de Sergipe.

A opinião dos professores

Os professores são as pessoas que estão dia a dia à frente das salas de aula e vão precisar abrir cada vez mais os olhos para melhorar sempre a forma de levar conteúdo para os alunos e, até mesmo, manter seus empregos nas escolas. Celina Almeida já é aposentada, mas atuou durante 20 anos como professora pública de Biologia e manifesta o pensamento de que os jovens em torno dos 16 anos, em sua maioria, não têm maturidade para escolher a área de vocação que querem seguir e, consequentemente escolher uma futura profissão.

“Nós, enquanto professores, já não somos levados tão a sério com a obrigatoriedade, imagine agora com a exclusão de disciplinas”. Sobre o “notório saber”, pensa que “é surpreendente a falta de interesse por parte dos estudantes dessa nova geração de fazer alguma licenciatura, então isso é manobra de governo para que a profissão de professor seja ainda mais desrespeitada”.

Professor de Português, Redação e Literatura do Colégio Águia, localizado no bairro Salgado Filho, Híder Araújo está na área da educação há quase 10 anos e não vê problemas na formação dos alunos com o direcionamento, nem com a não obrigatoriedade de todas as disciplinas se mudarmos pela base e não começar mudando pelo topo da estrutura. “Alguns alunos vão acabar não dando mais prioridade ao conhecimento básico pelo fato de que algumas disciplinas têm que sair, outras não saíram, mas vão ficando como uma segunda prioridade”, diz o professor explanando sua ideia de que o ensino hoje é muito banalizado e uma mudança, nessas condições, pode ser algo negativo.

Para ele, a MP 746/2016 foi mais uma das manobras governamentais, pois não era urgente e necessária como colocada em questão e acha que a lei só vai aumentar a disparidade entre rede pública e particular de ensino. Ele também afirma que as três únicas disciplinas realmente obrigatórias durante todo o ensino médio não podem ser as únicas obrigatórias. Não se pode supervalorizar português em detrimento de história, em seu exemplo. No que diz respeito ao “notório saber”, Híder é direto ao responder que “é um desrespeito absurdo” e que muitas vezes não vê essa pessoa com um preparo suficiente para assumir uma sala de aula e finaliza afirmando que é uma comercialização do ensino e que teme até em perder o emprego, “é um medo constante”, comenta.

Para Arabella Oliveira, professora de Inglês há 19 anos e professora da rede pública, o novo modelo de ensino médio é uma incógnita para os professores de maneira geral e está sendo uma péssima recepção entre os docentes. A reforma do ensino médio já vem sendo discutida pelo menos há 10 anos, mas, mesmo assim, a medida provisória é vista como um atropelo na linha dos acontecimentos e a professora diz que precisava de mais discussão entre os que gerem o país e os que realmente vão aplicar as mudanças. Matérias como Filosofia e Sociologia que serão excluídas como disciplinas após a metade do ensino médio causam comentários diversos e para Arabella, são disciplinas que fazem parte da formação de cidadãos pensantes e responsáveis. Como vamos aprender a cidadania se as disciplinas que estudam e assumem postura diante da política serão postas de lado?, questiona ela.

 A voz dos alunos

Parte fundamental nessa discussão e os principais afetados pela Lei Ordinária 13415/2017, é imprescindível ouvir a opinião dos estudantes a respeito desse assunto tão polêmico e controverso. Para as irmãs Victória Fonseca (15) e Caroline Fonseca (16), a primeira, estudante do 9º ano do ensino fundamental e a segunda, do 1º ano do ensino médio, relatam que o Colégio Estadual Dom. Luciano José Cabral Duarte, localizado no bairro São José tem realizado palestras e atividades sobre o Novo Ensino Médio para deixar os alunos a par do assunto. Vitória possui uma opinião mais favorável ao tema e acha que pode ser uma mudança positiva para o Brasil, já que os alunos vão ter liberdade de escolha nas disciplinas que estudarão. Já Caroline é contra esse futuro modelo de ensino médio porque não acha certo a exclusão de disciplinas e a obrigatoriedade de apenas três durante todo o ensino médio, e também porque não considera a escola com estrutura correta para essa mudança brusca. Yago Luan (17), aluno do 2º ano também no Colégio Estadual Dom. Luciano José Cabral Duarte, aponta que a estrutura da escola é um grande fator para que esse novo sistema não dê certo já que “não tem lugar pra passar o dia todo aqui, não tem lugar pra descansar durante o almoço e se não está dando lanche todo dia, imagine almoço”, conta ele.

A comparação entre o modelo atual e o futuro modelo de ensino médio é inevitável. Em 2016, 5.848.619 candidatos fizeram as provas nos dois dias de Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de acordo com o modelo atual, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), então uma análise de quem está à porta da universidade é pertinente. Eugênia Ribeiro (18) concluiu o ensino médio em 2016 e relata que a obrigatoriedade de todas as matérias proporciona uma visão mais ampla de todas as áreas e, portanto, facilita a escolha certa da profissão. Em sua opinião, “a falta de contato com as outras áreas pode acabar limitando a forma de pensar e prejudicando o aprendizado”.

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