1 de jun. de 2017

O ensino integral no centro da polêmica

Por Letícia Sandes

Uma das propostas da lei que reformula o ensino médio brasileiro é investir 1,5 bilhão de reais para que em até cinco anos metade das escolas sejam de período integral, mas alterar a carga horária já é algo que entra em vigor a partir de 2019. O tempo de estudo vai aumentar de maneira gradual, das atuais 800 horas para 1000 horas-aula anuais até chegar a 1400 horas.

Em Sergipe, essa situação vem ganhando uma grande repercussão, principalmente entre a comunidade escolar, ainda mais levando em consideração o projeto de Ensino Inovador que está sendo proposto para algumas escolas pelo governo do Estado (coincidentemente, também do PMDB). Ensino este, que consiste em transformar a carga horária de estudo para tempo integral.

O atual diretor do Colégio Estadual Prof.  Hamilton Alves Rocha, localizado no bairro Eduardo Gomes, na cidade de São Cristóvão,  que não quis se identificar por razões pessoais, conta que os poucos dias de sua recente gestão do colégio, têm sido muito conturbados, pois o Hamilton tem apenas 30 dias para ser adaptado ao ensino em tempo em integral e  não possui qualquer estrutura para isso.
O Colégio Hamilton está recebendo o Ensino Inovador sem qualquer alteração de estrutura.  

A infraestrutura é realmente um grande problema. O professor aposentado Elizeu Carmelo, que lecionou em São Cristóvão durante toda a sua carreira, diz que a cidade não possui estrutura alguma para abrigar os alunos o dia todo, “ Não vai ter vagas para todos os alunos passarem o dia todo na escola, isso é mais uma utopia” , diz.

Colégio Alternativo.
Douglas Fonseca, Coordenador do Colégio Alternativo, também no bairro Eduardo Gomes, acha que o país não está preparado para essa reforma. Ele acredita que as escolas da rede privada têm capacidade para receber os alunos em tempo integral, mas concorda que as escolas públicas do Estado não teriam estrutura. Para ele, o problema que afetará a rede privada está na atratividade desse ensino “Se for colocado aula tradicional pela manhã e aula tradicional pela tarde, o aluno vai correr da escola. Seria preciso um modelo na qual o aluno quisesse estar na escola e não se sentisse obrigado”, comenta Douglas.

Se entre os gestores e professores essa reforma pode gerar diversos conflitos, não seria diferente com os mais afetados nessa história, os alunos. Gabriela da Costa, aluna do Colégio Estadual Dep. Elísio Carmelo, da cidade de São Cristóvão, se preocupa muito com isso, pois segundo ela, pode afetar o seu emprego “ Se houvesse ensino o dia todo, eu teria que escolher ou a escola ou o trabalho”, explica.
No Elísio Carmelo o que predomina é o problema da estrutura.

Para Fábio Feitosa aluno do Elísio Carmelo, essa medida não é boa, “tem colégio que não têm estrutura para isso”, reforça ele. O mesmo afirma que o problema da estrutura não tornaria viável a escola na qual ele estuda ser integralizada.

Já para alguns alunos do Colégio Alternativo, estudar o dia todo não parece ser algo ruim, Arielly Barboza, que está cursando o 3° ano acredita que pode ser bom se for colocado da maneira certa. A questão é ,que maneira certa seria essa?

Gustavo Santana que também cursa o 3° ano no Alternativo acredita que ficar mais tempo na escola permite mais concentração nos estudos “Em casa, o celular vibra, você corre para olhar, então seria bom sim”, reforça.

Flexibilizar ou limitar?

Para chamar atenção dos jovens, o governo vai possibilitar, a partir do segundo ano, que o estudante escolha determinadas disciplinas referentes às seguintes áreas: Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Ciências Sociais e Aplicadas, Matemática e curso técnico e profissionalizante.

Joana Stefanie Silva, aluna do Elísio Carmelo, acredita que escolher as disciplinas é algo bom. “Ah, eu acho legal porque tem muita gente que vai se especializar em uma área que não precisa, então seria bom”, argumenta.

 Já para Fábio Feitosa, não é algo muito viável, pois, significa menos estudos: “pra quem não gosta de estudar é bom”. O aluno ainda acredita que isso pode separar ainda mais o ensino da rede pública da privada, já que as escolas privadas terão maior possibilidade de ofertar todas as disciplinas e a escolas públicas, não. “Os alunos da rede privada vão estudar tudo, então se a gente for competir com eles não vai ter como”, comenta.

Arielly Barbosa, que aos 15 anos está cursando o 3° ano, acha que é importante o conhecimento de todas as áreas, independentemente da profissão desejada. “Se fosse para escolher, eu particularmente escolheria todas porque como a gente, que está no ensino médio não tem certeza do que vai escolher (curso superior), todas são importantes” comenta a aluna.

O professor de Educação Física do Colégio Alternativo Elder Correia também acredita que os estudantes não têm condições de escolher o que querem estudar “O ensino médio já especializa demais o sujeito, onde limita seu pensamento, então isso tende só a piorar. Não sei se o aluno tem capacidade de fazer essas escolhas”. Elder ainda dá o seu exemplo:  “Quando entrei na Universidade eu tinha uma cabeça, depois que saí de lá tenho outra completamente diferente”

Gabriel Silva, estudante de Física da Universidade Federal de Sergipe (UFS), tem um pensamento mais radical a respeito dessa tão conturbada liberdade de escolha. O futuro físico acredita que é uma forma de corte de conhecimento, porque as escolas públicas não serão capazes de ofertar todo o leque de disciplinas optativas. Gabriel traz também um ponto muito importante, que é o acesso à Universidade, pois se forem ofertadas apenas algumas disciplinas, o aluno fica restrito em sua escolha e até impossibilitado se não houver uma mudança no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). “É uma estratégia do governo para retirar o acesso dos jovens”, comenta o universitário.

A professora de História Luziane Santos, que atualmente está afastada das salas de aula para dedicar-se ao seu mestrado, revolta-se ao falar do assunto, alegando que a reforma é ridícula. “No caso de História e Geografia, o conhecimento fica reduzido a apenas uma área do saber. Vejo que cada vez mais os governantes querem que a população seja irracional e não tenha criticidade e opinião própria para avaliar os erros do passado” diz Luziane. Para ela, tudo isso não passa de um grave retrocesso educacional.

Glícia Souza, aluna do Colégio Alternativo, se preocupa com nível de conhecimento que os alunos terão. A estudante diz que mesmo as escolas particulares podem não oferecer todas as áreas devido à crise econômica brasileira. Para ela, apostar em uma mudança tão radical assim, em um momento em que o Brasil está em um conflito financeiro, é uma espécie de “tiro no escuro”. “É melhor investir em algo que já está estabelecido do que em algo que não se sabe se pode dar certo” argumenta Glícia. A estudante ainda reforça que os alunos terão carência de conteúdo pois receberão conhecimento a menos. “Isso vai gerar um conflito” diz.

O coordenador da escola de Glícia, Douglas Fonseca, traz também uma questão muito importante, a contratação de professores. Segundo ele, alguns professores poderão ser afetados com isso, caso a escola não oferte todas as áreas, porque nesse caso a demanda de empregos para esses professores será menor. “Alguns professores vão sofrer um pouco mais, por causa das disciplinas opcionais” comenta.

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