1 de jun. de 2017

Alunos e professores de São Cristóvão debatem reforma

Por Fernanda Roza

Com a justificativa de deixar a escola mais atraente e aumentar o desempenho dos estudantes brasileiros, o Presidente da República, Michel Temer, sancionou no último dia 16 a medida provisória (MP) do novo ensino médio, que visa flexibilizar o currículo escolar, ampliar a carga horária e reforçar o ensino profissionalizante.  Mas, apesar dessa reforma só ser colocada em prática em 2019, debates e críticas estão sendo geradas por professores e alunos desde setembro do ano passado, quando ela foi apresentada ao Congresso Nacional no formato de medida provisória.

Estruturar para integralizar

A reforma prevê a adoção do ensino médio em tempo integral e o aumento da carga horária. Com isso, o governo pretende investir 1,5 bilhão de reais para atingir, em alguns anos, a meta de 50% das escolas integralizadas.

Segundo Christian Lindberg, doutor em educação e professor de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), a falta de estrutura será o principal problema no processo de integralização das escolas, pois o recurso que será implementado na medida provisória não é suficiente. Além disso, há a PEC 55, que diminui alguns recursos em investimentos primários, entre eles, a educação. “Então, como você promete ampliar o número de vagas em tempo integral, se não dá condições materiais para que essas vagas sejam preenchidas no que se diz respeito à estrutura física? ” Questiona o professor.

Aqui em Sergipe, uma das principais preocupações da comunidade escolar é justamente essa, a falta de estrutura. Esse problema, por exemplo, vem causando diversas discussões no Colégio Estadual Prof. Hamilton Alves Rocha, localizado no bairro Eduardo Gomes, que a partir de abril passará a ter, com o ‘ensino inovador’, o horário integral.
Colégio Estadual Prof. Hamilton Alves Rocha

Para o diretor dessa instituição, que preferiu não se identificar porque está apenas há 20 dias no cargo e não tem muito conhecimento sobre a mudança, o principal empecilho é a infraestrutura, pois a escola não tem um bom refeitório, um bom espaço, laboratórios, etc para segurar os alunos durante o dia inteiro. “O ensino integral em si não é algo ruim, mas é preciso dar todas condições aos alunos”, observa.

É por esse motivo que Isabel Cristina, professora de Geografia e Sociologia do Colégio Estadual Armindo Guaraná, situado no Rosa Elze, São Cristóvão, acredita que para se implementar o ensino integral as escolas precisam ter, no mínimo, bons refeitórios, banheiros em boas condições, quadra multi esportiva e uma boa área de lazer.



Colégio Alternativo
Douglas Fonseca, coordenador do Colégio Alternativo, localizado no Bairro Eduardo Gomes, São Cristóvão, tem um pensamento parecido com o o dela. Para ele, deve haver uma reforma, mas não agora, pois nem toda escola está preparada para receber o impacto que virá com esse novo ensino. “Nós temos estrutura, mas nem toda escola pública tem, temos que pensar nisso. Se não colocar algo atrativo, o aluno não vai querer ficar na escola”, explica.

Assim também pensa o aluno de Engenharia Civil da Universidade Federal de Sergipe Wesley Santos, 19, afirmando que, antes de implementar uma escola integral, deve-se pensar, primeiramente, no que o aluno irá fazer durante o dia inteiro. “Se você não tem uma escola atrativa, com cinema, quadra, biblioteca, laboratório de informática e ciências, você não vai querer ficar o dia inteiro nela. Então, essa reforma no momento não é viável por questões de estrutura”, conclui.

Sendo mais objetivo, Christian Lindberg disse que, conforme os dados do censo Escolar 2016, só 51% das escolas públicas de ensino médio do Brasil têm laboratório de Ciência. “Então, como é que 49% das escolas oferecerão o sistema informativo itinerário de ciências da natureza, por exemplo, se não tem laboratório?! É muita falta de estrutura”, diz o educador.

Flexibilização ou empobrecimento de conteúdo?

A ideia do governo é que o aluno estude 60% da carga horária obrigatória da Base Nacional Curricular comum  (BNCC) e possa, a partir do segundo ano, escolher qual área do conhecimento deseja estudar: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional, presente nos 40% restante. Mas essa proposta está causando diversas opiniões entre as pessoas,    

Alunos do Colégio Estadual Glorita Portugal
Thalita Oliveira, 15, que cursa o primeiro ano do ensino médio no Colégio Estadual Glorita Portugal, em São Cristóvão, bairro Eduardo Gomes, fala que as propagandas da TV só mostram coisas boas, mas ninguém sabe ao certo como será. Para ela, flexibilizar a grade parece ser algo ruim, pois para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é preciso o domínio de todas as áreas. Confusa diz: “Na verdade, eu ainda estou meio a meio... eles querem a gente desinformados”.

Alunos do Colégio El Shadday 
Com um pensamento parecido, a aluna do Colégio El Shadday  Vitória  Haritchely, 16,  que está no segundo ano, diz que não concorda com essa mudança. Indignada, retruca: “O ENEM é um exame interdisciplinar, mas na escola, eles vão dar prioridade a algumas matérias e deixar outras de lado, sendo que a gente vai precisar de todas elas no futuro”.

Islayne Santana, estudante do ensino médio do Colégio Alternativo também é contra a flexibilização das disciplinas. “Esse ponto é complicado porque não vai ser mais obrigado estudar História, Geografia, Física…. Querendo ou não, os estudantes vão receber um conhecimento a menos em relação ao que é ofertado hoje”, comenta.

Em contrapartida, para o aluno Micael Alves, que estuda o 1° ano do ensino médio no Glorita, escolher a disciplina é algo bem legal, porque ele não precisa pegar disciplinas que julga desnecessárias, como por exemplo, Filosofia. “Não acho Filosofia algo atraente e nem tenho interesse em aprendê-la, se não fosse ela, eu não estava de recuperação agora”, confessa.

Para Moisés Cruz, atualmente estudante de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe, mas prestes a ingressar no curso de Sociologia, a escolha das disciplinas pode influenciar na escolha do curso sim. “Atualmente faço filosofia, mas mudei para Sociologia. Porém, no primeiro ano do ensino médio, eu queria ser um engenheiro naval, então, provavelmente, investiria “pesado” em exatas. Logo, não estaria estudando humanas”, esclarece.

O educador Christian argumenta que, se no ensino superior, principalmente no primeiro ano, os alunos desistem do curso por questões de afinidade, imagine antecipar essa tomada de decisão para o segundo e terceiro ano do ensino médio. “Há uma tendência de o aluno optar por aquilo que ele não quer”, complementa
Já Wesley Santos diz que a flexibilização das disciplinas não iria mudar a sua opção de curso, pois era um desejo que já existia dentro dele. Mas tem consciência que não é certo a retirada de algumas disciplinas. “ A inteligência não pode ser vista de uma única e exclusiva forma, temos que olhar no geral”, argumenta o futuro engenheiro

Conforme Edilton Rodrigues, professor de Biologia do Colégio Alternativo, à flexibilização do currículo também não é algo tão  negativo. O mais grave é não saber o que os alunos e professores pensam a respeito do assunto…”Porque eles vão mexer nos conteúdos e cortar alguns assuntos . Logo, será eliminado um pouquinho dali e um pouquinho daqui. Mas será que esses assuntos não são assuntos importantes para o crescimento intelectual/profissional do estudante? Por isso a importância de um debate”, reforça.

Dessa forma, de acordo com Lindberg, o estudante não terá o direito de conhecer todos os conteúdos disponíveis hoje. A tal da liberdade de escolha tem vários limites para ele usufruir dela e, mesmo ele usufruindo dessa liberdade, ele pode escolher algo errado e ser punido, futuramente, por essa escolha. “No ponto de vista pedagógico conceitual, é de uma perversidade muito grande alguém ter concebido essa ideia”, acrescenta o filósofo e educador.

É por isso que Cristiano Gomes, professor de Artes do colégio Alternativo,  diz não ser louvável a ideia de o aluno escolher as disciplinas, porque poderá gerar uma empobrecimento de conhecimento, principalmente quando chegar à Universidade. Além disso, essa suposta liberdade de escolha, pode prejudicar a direção vocacional do aluno brasileiro. “Tirar a Artes, Sociologia e Filosofia ou fechá-las como opção, jamais” , diz.


Qual a didática do “notório saber”?

Com a reforma, o governo possibilitará, ainda, a contratação de professores com “notório”saber. Assim, pessoas sem formação superior poderão lecionar, basta ter algum tipo de experiência profissional.

Quando questionada sobre esse assunto, a estudante Vitória Harichely responde: “Qualquer pessoa ensinar? Isso não pode ser assim, vai findar acabando com o curso de licenciatura.  Não basta a pessoa ter bacharel, ela tem quer ter licenciatura, didática.. saber lidar com as pessoas”.

Para Edilton Rodrigues, do Alternativo, os “professores de “notório saber” é outro caso a se pensar: “Será que essas pessoas com um suposto saber terão didática para passar o conteúdo  para os alunos? Será que ela vai saber avaliar? Se não, nada vai adiantar, a aprendizagem dos alunos será prejudicada. É preciso um curso para capacitar essas pessoas”, questiona o biólogo.

O coordenador do Alternativo, por sua vez, fala que esse assunto  precisa ser melhor explicado, porque essa implementação vai de encontro até com as universidades. ‘’Tudo bem, a pessoa pode até dominar determinado assunto, mas não terá didática, não tem a parte pedagógica e até mesmo um saber científico’’, pondera.

    A professora Isabel Cristina acha que esse notório saber é uma forma de acabar com os cursos de licenciatura e arrumar apadrinhados. Quem vai mensurar quem tem mais saber do que outro para ensinar? “ Você pega um advogado para ensinar português, porque ele escreve bem. Mas aí  eu paro para analisar, será que esse indivíduo saberá passar os conteúdos? Será que ele estudou a psicologia da aprendizagem ou didática?”, questiona.

Da mesma forma, a docente de língua portuguesa Vanessa Rezende, da Escola Estadual Elísio Carmelo, instituída na cidade de São Cristóvão, indignada fala: “Chega a ser ridículo uma pessoa sem licenciatura, apenas com um “notório saber “ensinar, mesmo que seja apenas no ensino técnico. 

Segundo o professor Christian Lindberg, da UFS, porém, a legislação já permite que profissionais com notório saber ministrem  conteúdos nas escolas técnicas. Desde, é claro, que eles façam uma capacitação pedagógica. Isso funciona da seguinte maneira: “é um engenheiro de saneamento que vai dar aula de saneamento básico para o curso técnico em saneamento. ‘’Nós não temos licenciatura em saneamento, nesse caso, é útil. Então, o notório saber, até a medida provisória, existia para atender esse profissional e resolver essa demanda das escolas técnicas. A medida provisória deve manter esse espírito”, explica.


Principais críticas

O professor de biologia do Alternativo contou que o mais grave dessa medida é o fato de a sociedade, principalmente os professores, não ter sido consultada sobre como essa reforma deve ser e para que ela deve ser. “O que eu acho mais grave é isso, a camada lá em cima decidindo tudo sem saber a opinião da gente”, conta o biólogo.

Enquanto para Christian Lindberg, de fato era preciso fazer alterações no atual modelo de ensino médio, entretanto, a forma como essa modificação aconteceu, desconsiderou toda a discussão que vinha sendo cravada desde 2012 pelo Congresso Nacional da educação.

Com essa reforma, o coordenador Douglas Fonseca afirmou que a mensalidade da escola particular irá, possivelmente, sofrer um aumento, pois é uma demanda que a escola ainda não tem. E mais do que isso, com o aumento da carga horária, os professores vão trabalhar mais e, consequentemente, o seu salário deverá ser retribuído por isso.

Conforme o professor Christian, mesmo que governo tenha se espelhado em experiências de outros países, a reforma posta aqui é muito mais ‘radical’. Preocupado, ele diz: “Nós vamos sair de 13 disciplinas obrigatórias para três. No mundo inteiro não é assim , lá fora o conteúdo mínimo não é tão mínimo como será no Brasil”.

Então, “o direito ao conhecimento que todo jovem tem, vai ser liquidado e diminuído, porque eles só vão ter domínio de conteúdo vinculado a português, matemática e inglês. Nesse aspecto, a lei é e extremamente prejudicial ao aluno”, explica Lindberg.

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