1 de jun. de 2017

Mais carga horária com menos disciplinas

Por Cláudia Silva Carvalho


A medida provisória 746/16 do novo ensino médio foi aprovada no último dia 16 pelo Senado Federal, sendo sancionada a partir de agora como lei. A medida segue agora para escolha da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), para após a escolha ser implementada nas escolas de nível médio de todo país.

O processo de modificação do ensino médio começou a tramitar em setembro de 2016, com o envio por meio de medida provisória do texto do Ensino Médio Inovador, mais conhecido como “Novo Ensino Médio”, à Câmara de Deputados. A qual foi aprovada no dia 13 de dezembro de 2016, após um conturbado período de discussões acaloradas e desentendimentos de alunos e professores com o governo federal, marcado por ocupações a escolas nível médio e faculdades públicas por todo o país. Apesar dos transtornos causados, o projeto seguiu até a aprovação no dia 16 de fevereiro pelo Senado Federal, em regime de urgência, por 43 votos a favor da reforma, e 13 contrários, sendo aprovada, aguardando apenas a aprovação da Base Nacional Comum Curricular, para logo em seguida seguir entrar em vigor como lei em todo país.

Um dos pontos de grande discussão da proposta do Novo Ensino Médio é a suposta liberdade de escolher o que estudar concedida aos alunos, em decorrência da flexibilidade que os alunos poderão ter para montar seus currículos de acordo com o perfil de cada um deles. Mas a liberdade de escolha tem que seguir as diretrizes da lei, que diz que 60% do conteúdo deve ser composto por conteúdos obrigatórios estabelecidos pela Base Nacional Comum Curricular, enquanto que os outros 40% será cumprido a partir da escolha dos alunos entre as áreas de conhecimento ou pela formação técnica profissional. No primeiro grupo estão disciplinas obrigatórias, enquanto que os outros 40% serão compostos por áreas do conhecimento descritas como linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais e a formação técnica e profissional.

A exclusão das disciplinas 

A partir da transformação da medida provisória em lei, houve um certo descompasso de informações entre os alunos, que revelam não compreender o que diz a proposta, não ter opinião formada sobre ela, ou se posicionam fortemente contra a medida. É o caso dos alunos do Colégio Estadual Professor João Costa, do bairro Getúlio Vargas da capital sergipana, que deixaram claro o seu posicionamento ao considerar a proposta como um ato intolerante e inválido, por ter sido sancionada sem uma aprovação popular nas urnas, e sem que ela fosse discutida pela população e pelos mais interessados no assunto, alunos e professores. Além disso, eles se queixarem das duas únicas palestras que tiveram sobre o tema na escola, por terem sido pouco explicativas.


Palestra no Colégio João Costa
Ângelo Marcio, de 17 anos, aluno do segundo ano e Presidente do Grêmio Estudantil do Colégio Estadual Professor João Costa, é contra a forma como a proposta foi colocada, em medida provisória. Esta se aplica em casos de urgências por um período de 60 dias, podendo ser prorrogada por mais 60 dias se necessário, o que permitiu a rapidez com que o projeto foi votado e aprovado pela Câmera de Deputados e pelo Senado Federal. Para o aluno, “a transformação que a educação precisa deve ser mais discutida, debatida com a base, com o aluno que está vivendo em sala de aula os problemas de estrutura e de pedagógico”.

Outros alunos também se posicionaram contra a reforma, por não acreditarem que ela trará benefícios ao ensino. Ao contrário, eles acreditam que ela trará prejuízos, principalmente no que diz respeito à exclusão de disciplinas como Filosofia e Sociologia, que passariam a constar como conteúdos complementares de outras disciplinas, como por exemplo em História. Para José Lucas dos Santos, de 18 anos, aluno do primeiro ano do Colégio Estadual Professor João Costa, a exclusão das disciplinas “passaria a formar jovens sem pensamento crítico”.

Já o Coordenador do Colégio, Rogério Luiz da Silva, substituto da Diretora Andreza Cristina da S. Andrade, que se encontra de férias, acredita que a exclusão de disciplinas é um grande problema que poderia acarretar na diminuição do quadro de professores do Colégio. Ele acredita que a inclusão de conteúdos de certas disciplinas em outras que seguem na grade, causaria um grande transtorno. “Porque o professor de História poderia passar a ministrar aulas de Filosofia e vice-versa, diminuindo o número de profissionais, porque se o mesmo professor pode ministrar aulas de duas disciplinas, não é preciso contratar outros profissionais”.

Duas professoras de Língua Portuguesa dessa mesma instituição de ensino, Adirany dos Santos, professora há quase 25 anos, e Elisângela Santos de Sá, que ministra aulas desde que se formou há 16 anos, enxergam a exclusão como um “ato criminoso”, que trará prejuízos aos alunos, ao ponto de que não irá forma cidadãos com senso crítico.

O aumento da carga horária 

Outro ponto importante da proposta que gera polêmica é o aumento da carga horária mínima anual obrigatória, que hoje é de 800 horas e aumentaria gradualmente para 1.400 horas anuais, com a possibilidade de implantação do ensino médio em tempo integral. A princípio a proposta do governo federal prevê que até 2024, metade das escolas de nível médio adotariam o tempo integral. Algo muito contestado por professores e alunos, que não vêm as escolas brasileiras e nem sergipanas com estruturas físicas para absorverem todos os alunos em tempo integral.

Esse é o ponto de vista defendido por estudantes como Mateus Menezes, de 21 anos, do terceiro ano do Colégio Professor João Costa, “que não acredita que a escola (em que ele estuda) esteja preparada para se tornar de tempo integral devido à estrutura”. Postura defendida também por Ângelo Marcio, Presidente do Grêmio Estudantil do Colégio, que cita o fato do Colégio Estadual Professor João Costa, antigo Costa e Silva, ser um Colégio da década de 1970, com mais de 40 anos de existência, que há 20 anos não passa por uma reforma na estrutura.

Colégio João Costa 
Os professores da instituição concordaram com os alunos, ressaltando que o novo sistema funcionaria por polos, ou seja, as secretarias estaduais de educação determinariam que área do conhecimento será disponibilizada em cada escola. Segundo a professora Elisângela Santos, essa medida entraria em rota de colisão com a flexibilidade proposta por outros pontos da nova lei, por admitir que os alunos teriam problemas de mobilidade caso a área de conhecimento escolhida por eles não fosse disponibilizada próximo às suas residências. Essa situação levaria os estudantes a se deslocarem para outros locais em busca da área de conhecimento desejada, ou teriam de desistir da mesma para escolher outra área de conhecimento disponibilizada mais próxima de sua residência.

A professora Adirany dos Santos ainda levanta à questão das escolas que funcionam em dois ou três turnos, que “teriam que excluir alunos dos seus sistemas para implantação do tempo integral”. Para ela, caso a proposta fosse aceita, deveria haver um maior investimento em educação, na melhoria e na ampliação das escolas, além da construção de novas unidades de ensino que absorvesse os alunos que supostamente seriam excluídos das grades das outras escolas. O que na visão da mesma é pouco provável devido a PEC 55 aprovada no Senado Federal no dia 13 de dezembro de 2016, que limita os gastos em saúde, assistência social e educação, congelando-os por 20 anos.

Já o coordenador do Colégio, Rogério Luiz, acredita que caso a implantação do tempo integral fosse obrigatória seria necessário um maior incentivo financeiro na educação, e nas escolas que funcionam em municípios distantes das capitais, que por vezes tem apenas uma escola para comportar todos os alunos dos municípios e arredores. O que não será possível devido à aprovação da PEC 55, que limita os gastos públicos em educação pelos próximos 20 anos

Em vista da grande gama de pontos controversos a serem esclarecidos na proposta antes da sua implantação em definitivo, é preciso que se esclareça os pontos ainda em discussão, além de deixar mais as claras os pontos que ainda encontram-se pouco explicadas, como é o caso da questão da obrigatoriedade do tempo integral que ainda não se sabe se será para todas as escolas ou para apenas algumas, o aumento da carga horária, e toda a discussão que gira em torno da flexibilidade que causou a exclusão de disciplinas, entre outros pontos que ainda se encontram em termos poucos desenvolvidos nos documentos que elucidam a medida provisória.


Manifesto das entidades ligadas a educação

As entidades ligadas às disciplinas excluídas da grade também se posicionaram contrários à reforma e à exclusão das disciplinas, antes mesmo de a medida provisória ser aprovada no Senado Federal. A Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof) divulgou nota oficial criticando a reforma “É inadmissível e repudiamos veemente que se desvirtue o projeto até então em debate com regras nunca antes aventadas como a retirada da obrigatoriedade de filosofia e de outras disciplinas na formação básica do brasileiro”. Já a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) defendeu, também por meio de nota oficial, “um diálogo transparente e democrático com a sociedade, por meio das escolas, entidades científicas, organizações representativas dos docentes e estudantes, enfim, com aqueles diretamente atingidos por essa reforma. Mudanças bruscas não contribuem com a ordem democrática, ao contrário geram instabilidade e insegurança num momento em que mais se precisa de confiança política”.

Outras entidades também se posicionaram sobre o tema, como a UBES- União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, para a qual a proposta do governo apenas “deforma” o ensino médio, deixando muitas dúvidas sem trazer nenhum tipo de avanço concreto. Segundo a UBES, algumas mudanças no projeto original só foram possíveis por causa da luta dos estudantes e da sociedade, como a obrigatoriedade de Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física. “Ainda assim, o conjunto dessa reforma enganosa não representa nossos sonhos. Como dizer que todos os estudantes poderão fazer escolhas, se cada escola só fica obrigada a fornece duas opções? Além disso, a definição dos conteúdos obrigatórios ainda depende de outra lei, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que deveria ter sido aprovada antes”.

Outra entidade a se manifestar contrária a medida provisória foi Associação Nacional de História (Anpuh) que faz críticas à flexibilização da carga horária, alegando que a mesma limita a BNCC, além de ponderar que a exclusão das disciplinas causará prejuízos aos alunos. Segundo a nota: “Em nome do ‘enxugamento curricular’, os proponentes da MP consideram legítimo restringir a formação básica comum, direito de todo estudante. O corte seletivo nas disciplinas que ‘não estão alinhadas ao mundo do trabalho’ compromete a formação de uma consciência crítica para uma cidadania ativa garantida pelas disciplinas, dentre outras, a História, até então obrigatórias. Dessa forma, uma parcela significativa dos estudantes não terão conhecimento de questões fundamentais para a compreensão das sociedades em que vivem”.

A Anpuh encerra a nota defendendo que “medidas dessa natureza, tão importantes para a formação de nossos jovens, exigem debate bem fundamentado, cuidadosa regulamentação e acompanhamento do Estado para que não se transformem em ‘barateamento da formação’, precariedade nas relações de trabalho e possibilidade de sucumbir a interesses mercantis”.

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