1 de jun. de 2017

Modelos estrangeiros inspiraram reforma

Por Emerson Esteves

Desde quando foi anunciada (22 de setembro de 2016) a reforma do ensino médio foi um tema que esteve em pauta em toda sociedade, que gerou diversas polêmicas em diferentes setores da educação. Seja pelo teor contido na própria reforma, seja por esta ter sido efetivada por Medida Provisória (MP) que é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da República, em casos de relevância e urgência. Produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para transformação definitiva em lei.

A MP do Novo Ensino Médio foi votada e aprovada em todas as casas do poder legislativo (Câmera de Deputados e Senado Federal) e por fim foi sancionada pelo Presidente da República Michel Temer em 16 de fevereiro de 2017. Mas, a implantação depende ainda da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que é um conjunto de orientações que deverá nortear os currículos das escolas, nas redes públicas e privadas de ensino de todo o Brasil. A Base trará os conhecimentos essenciais, as competências e as aprendizagens pretendidas para as crianças e jovens em cada etapa da Educação Básica em todo país.

Baseados nos métodos de ensino finlandês, norte-americano e sul-coreano, uma das novidades da Lei do Novo Ensino Médio é a ampliação da carga horária mínima anual, de 800 horas, que será gradualmente ampliada para 1,4 mil horas. O Plano Nacional de Educação (PNE) prevê para 2024 até 50% das escolas atendidas pelo ensino integral e 25% das matrículas no Ensino Fundamental dentro do mesmo modelo; Uma maior autonomia para que os estados criem seus próprios currículos e políticas para o Ensino Médio, associando - os ao contexto histórico, econômico, social, ambiental e cultural de cada região; O currículo mais flexibilizado já que o Ensino Médio vai ser dividido em dois, uma parte com disciplinas fixas obrigatórias e outra com optativas, nas quais o aluno poderá construir uma grade adequada ao seu perfil e seu próprio projeto de futuro. O currículo será dividido por áreas (Linguagens e suas tecnologias, Matemática e suas tecnologias, Ciências da Natureza e suas tecnologias, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas), a partir dos quais serão traçados itinerários formativos, incluindo o ensino técnico e profissional.

Como é uma lei nacional, e irá entrará em vigor em todo o Brasil, resolvemos ouvir a opinião de diversos segmentos do setor educacional sobre a reforma do ensino médio, tendo em vista que eles irão ser totalmente afetados.

Linhas gerais da reforma

A coordenadora do Colégio Estadual Vinte e Quatro de Outubro (localizado no Bairro 18 do Forte, na Zona Norte da Capital) Kleyse Galdino, que atua há mais de 20 anos na área educacional, vê com bons olhos a reforma, enquanto educadora, e que enxerga de forma positiva toda e qualquer forma de transformação de ensino. Ela ressaltou que a intenção é inovadora e que se vai melhorar vai depender das instituições e dos gestores “Tudo depende de como vai ser gerido na escola. Como que o ensino fundamental vai levar o menino para o ensino médio, se realmente ele vai entrar com essa capacidade de escolha ou não. E se o gestor vai oferecer essa capacidade de escolha. ” Para a oportunidade de o aluno optar pela área de atuação Kleyse, diz não ser ruim, mas que é preciso ter certeza de que o aluno vai estar preparado para essa escolha.

Do que diz respeito à ampliação no número de horas que a Lei propõe ela avaliou positivamente e frisou que se essas horas forem utilizadas da maneira consciente todos têm a ganhar “quanto mais horas na escola melhor para qualquer pessoa. Claro que essas horas deviam ser horas com qualidade, horas com ensino, horas com atividades que levem o aluno a algum conhecimento, nem que sejam áreas como artistas, profissionalizantes ou lúdicas”. Em relação ao tempo em que a lei foi divulgada e sancionada, a coordenadora não viu problema: “Se o processo não ocorrer, não vai haver discussão nunca. Vamos ficar no campo das ideias o tempo todo, primeiro precisa ocorrer algumas mudanças senão, não vai haver discussão alguma”. Para ela, se o projeto não for eficiente ele não terá sequência “estou há muito tempo no campo acadêmico, desde 2009, e eu vejo que tem muita discussão e pouca execução. Então eu estou feliz com alguma mudança, com certeza se essa mudança não for interessante, não mostrar eficiência, pode ter certeza que não vai dar continuidade. ”

No Colégio Purificação, diretor é a favor de um debate maior
Contudo, o Presidente da Federação das Escolas Particulares do Estado de Sergipe (FENEN/SE) e atual diretor do Colégio Particular Purificação (localizado no Bairro Luzia, Zona Sul da Capital) José Joaquim Macêdo pensa o contrário. Com mais de 40 anos atuando na área da educação, ele defende que primeiro haja um debate público maior e mais aprofundado sobre o assunto. “O que eu queria dessa proposta é que tivesse um ano debatendo, que ela fosse para o debate público, e o Sintese - Sindicato de Trabalhadores em Educação Básica do Estado de Sergipe - é a favor disso. Um debate maior, um debate amplo”. Ele afirma que a reforma tem muito ainda o que se acertar, mas observa que a publicidade está toda voltada para o ensino médio (da rede pública) e se esquecendo do fundamental.

“A publicação está uma coisa como que a educação vai ser vendida, toda hora o governo estampa e está falando só em educação pública. Mas, educação é composta por educação pública estadual e municipal, privada, federal. E é uma educação básica, precisa de base. A gente está dando muito ênfase ao ensino médio e está esquecendo do ensino infantil, do ensino fundamental menor e maior”. O diretor considera que está se vendo mais uma posição política do que educacional, e ainda que a Reforma ter sido efetivada por forma de MP foi uma imposição “A escola privada será que vai fazer isso? Não é obrigatório. Eles estão dando um projeto de governo, não um projeto educacional. ”  Ele ainda destacou o medo que tem de o estudante, precocemente, definir sua carreira e depois ter que mudar de curso, se arrepender.

Compactuando do mesmo pensamento do diretor José Joaquim Macêdo sobre a lei ter sido efetivada através de uma MP, a professora do Colégio Estadual Vinte e Quatro de Outubro, Aldirene Pinheiro (Química/Física), que possui quase 20 anos atuando na área da educação, avalia: “É uma questão ideológica, foi uma imposição. O resultado de um golpe político”. Ela ressaltou que duvida que as escolas particulares irão adotar essa reforma, porque não são obrigadas, o que “vai aumentar a desigualdade entre as escolas públicas e particulares, que já existe”.  A professora ainda revelou que é a favor do ensino integral, mas não da forma que está sendo proposta “Se for observar as escolas da rede, você vai perceber que elas não têm condições nenhuma de ofertar esse tipo de ensino. A escola não está preparada fisicamente para receber os alunos, fazer com que o aluno se sinta bem vai ficar o dia inteiro (tem que tomar um banho, tem que ter um local adequado para as refeições). ”

O professor Carlos Neto que leciona Arte e História no colégio particular Purificação, detectou outro problema acerca do Novo Ensino Médio ser integral “Muitos alunos trabalham no turno oposto, ou participam de programas como o jovem aprendiz. Como vão ficar esses jovens? ” Outra crítica que ele faz ao ensino médio ser dividido por áreas “Não concordo, porque a divisão teria que ter sido feita no fundamental maior. Ele aprender a entender o que é cada disciplina para que ele possa escolher no ensino médio e fazer a escolha correta. Acredito que nesse momento a escolha vai ser por conveniência”.  O professor ainda enfatizou que nos outros países em que a medida se inspirou, as mudanças começam desde a base para que o estudante quando entre no ensino médio possua total certeza de qual caminho profissional.

Exclusão de disciplinas

Um dos pontos mais criticados de toda a reforma do ensino médio foi a reorganização das disciplinas em obrigatórias e optativas. Inicialmente, disciplinas como Filosofia, Sociologia, Educação Física e Artes se tornariam optativas. Depois da grande repercussão dessa decisão que gerou entre os educadores e alunos, o governo voltou atrás e afirmou que essas não deixariam de ser obrigatórias. No projeto de lei que foi sancionado essas disciplinas serão obrigatórias (mas, não durante todo o período) enquanto que Português, Matemática e Inglês serão obrigatórias durante todo o ensino médio.

Alunos não terão prejuízos, diz coordenadora do 24 de Outubro 
Sobre essa medida, a coordenadora Kleyse Galdino afirmou que ao invés de “excluir” disciplinas seria necessário que houvesse maior diálogo entre as disciplinas “Acho que a gente está vivendo um momento de legislação até certo ponto contraditório. Ao mesmo tempo que a gente está discutindo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que contempla todas essas disciplinas, a gente está discutindo um objeto de lei que retira N disciplinas. ” Mas ela ainda assegurou que não haveria prejuízos e que os conteúdos estariam distribuídos em outras disciplinas. A coordenadora refutou a reforma quanto à permanência ou não do atual modelo do Enem - Exame Nacional do Ensino Médio - que poderia agravar uma diferenciação já existente entre escolas públicas e privadas “Se houver continuidade do Enem nas mesmas características que existe hoje, provavelmente vai haver uma diferenciação do ensino público para o ensino particular. Que eu não sei se é para prejuízo, o Enem visa o ensino superior e a intenção da mudança do ensino médio é a valorização da profissionalização da relação com um trabalho. ”

O diretor do colégio Purificação José Joaquim Macêdo também levantou a questão relativo ao Enem “Os exames vão bagunçar tudo agora. Porque a Federal (Sergipe), se mudar essa questão do Enem, eles não vão aceitar”. Ele cogitou que se houver a mudança no Enem a Universidade Federal de Sergipe não aceitaria essas medidas e, portanto, talvez fosse possível adotar um vestibular próprio. Joaquim ressaltou que essa Base Nacional teria que ser muito bem elaborada para que não houvesse nenhum tipo de prejuízo aos estudantes que irão prestar o exame. Mas, ele deixou muito claro que a sua principal preocupação ainda é com o ensino fundamental.

Para a professora de Química Aldirene Pinheiro, essa nova reorganização das disciplinas significa voltar “à estaca zero, tudo compartimentalizado de novo”.  Ela ainda destacou que pelo menos o atual método se estuda de tudo um pouco para depois decidir qual será a sua área de atuação. Mas se as disciplinas que deixam de ser obrigatórias, o Estado e o município oferecem se quiserem. Outro ponto que a professora levantou foi quanto à área das Ciências Exatas, em relação as quais considera que há “um problema sério de rejeição”. Completou dizendo que com isso geraria uma disparidade no número de inscrições nas áreas.

O professor de História da rede particular Carlos Neto foi enfático quanto ao objetivo do governo ao reorganizar o currículo: “Distanciar o aluno das questões sociais, ou seja, o aluno não ter o conhecimento crítico da Sociologia”. Segundo ele “A população mais educada dá mais trabalho para o governo, acho que eles querem de novo o que chamam de ‘emburrecimento da população”.

A estudante Kamila Valença Oliveira, 16 anos, terceiro ano do ensino médio no Colégio Módulo (localizado no Bairro Inácio Barbosa, em Aracaju), pondera “Eu achei até bem pensado, porque evita que a gente se perca em conteúdos relativamente inúteis à nossa profissão e direciona mais o foco. A parte ruim é que exige que você saiba o que quer fazer da vida logo de cara, coisa que nem sempre a gente consegue. ” Ela ainda revelou que a escola não tem realizado nenhum tipo de palestra ou encontro para familiarizar os estudantes com o assunto, mas que recorre à internet para se inteirar sobre o tema. Com relação às áreas que serão ofertadas, Kamila afirmou que sua escola, por ser particular, não vai ter problema algum em ofertar, mas ela teme pela rede pública, o que para ela geraria uma diferenciação entre ambas as redes.

Dayvson de Souza, 17, que cursa o primeiro ano do ensino médio no Colégio Vinte e Quatro de Outubro, da rede pública, afirmou que sua escola tem proporcionado palestras e encontros acerca do tema, o que o faz sentir-se minimamente esclarecido sobre o assunto. Quanto a reorganização das disciplinas, ele disse estar satisfeito com o atual modelo de 13 disciplinas, mas que não chega a discordar da nova disposição delas em áreas. Mesmo ainda estando no primeiro ano, ele já decidiu que quer fazer o curso técnico de “Mecânica de Bike”, mas que se sua escola não oferecer, terá que mudar para alguma escola que ofereça.

Notório saber

Outra novidade na Lei do novo Ensino Médio é a contratação de profissionais de “notório saber”, que seriam profissionais dedicados exclusivamente para o itinerário formativo da formação técnica e profissional e que devem possuir reconhecimento perante as instituições de ensino.

Em relação a isso, a professora Aldirene, da rede pública, mantém uma posição crítica “É um retrocesso tanto na questão da qualidade de ensino, quanto na questão da valorização da profissão docente”.  Ressaltou ainda que voltamos à condição de que “qualquer” pessoa pode dar aula. Ela conta que, em 2015, ela e outros professores fizeram um curso ofertado pelo governo federal chamado de “Pacto para o fortalecimento do Ensino Médio”, cuja a ideia “era justamente preparar os professores para fazer uma reforma do ensino médio, só que com a conjuntura política isso tudo foi abortado e as imposições foram colocadas”, afirmou a professora de Química.

Carlos Neto segue essa linha de pensamento ao afirmar que o “professor é uma categoria social que já não é bem remunerada da maneira que merece”, e que a tendência é causar um barateamento da mão de obra do professor.

Entretanto, o diretor e presidente da Federação das Escolas Particulares do Estado de Sergipe, José Joaquim Macêdo, considera que mesmo estando voltando ao passado, existem cursos técnicos que não possuem um grande número de profissionais formados para as devidas áreas. “Em determinados cursos técnicos é necessário [profissionais de notório saber] para suprir a falta de profissionais preparados, enquanto não tem profissionais habilitados para devida disciplinas. ” Ele complementou ainda falando que existem profissionais que mesmo não sendo formados possuem didática, enquanto que existem uns que possuem essa formação pedagógica e não possuem didática.

A coordenadora Kleyse Galdino não enxerga problema em contratar profissionais de notório saber, desde que “seja uma pessoa escolhida com mérito, que tenha experiência, que não vai desvalorizar à docência”. Ela só considerou existir algum problema se esses profissionais de notório saber vierem a ocupar a posição de professores formados nas outras áreas.

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