1 de jun. de 2017

Maioria foi contra, mostra consulta pública no Portal do Senado

Por Samuel dos Santos

No último dia 16 de fevereiro, quinta-feira, o Presidente da República, Michel Temer, sancionou a Lei de nº 13.415/2017 derivada da Medida Provisória 476/16, que propõe a implantação de um novo modelo do Ensino Médio.

O conteúdo da MP 476/16 foi divulgado em 22 de setembro de 2016 pelo Presidente da República, Michel Temer, e seu Ministro da Educação, Mendonça Filho, com prazo estimado em 120 dias para ser votada na Câmara dos Deputados. Assim, numa quarta-feira, 7 de dezembro de 2016, o texto da MP foi aprovado na Câmara por 263 votos a favor, 106 votos contra e 3 abstenções. A proposta do Novo Ensino Médio foi, então, encaminhada ao Senado, onde, por 43 votos favoráveis e 13 contra, foi aprovada no dia 8 de fevereiro, quarta-feira, e só aguardava a sanção do Presidente Michel Temer.

O texto inicial da Medida Provisória trazia como proposta algumas mudanças, tais como: o ensino médio em tempo integral; a inserção de cursos técnicos profissionalizantes e, ainda, o aumento da carga horária de ensino de 800h para 1.400h.

Outras mudanças que foram propostas estão relacionadas à estrutura da BNCC – Base Nacional Comum Curricular, em que as disciplinas de Português e Matemática teriam total obrigatoriedade de ensino nos três anos do ensino médio; o ensino da Língua inglesa também se torna obrigatório desde o 6º ano do ensino fundamental e no ensino médio, enquanto o ensino da Língua Espanhola se torna opcional para o aluno. Já as disciplinas de Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia seriam retiradas do ensino médio e restritas ao ensino fundamental.

Dessa forma, como mostra o Art. 36 da MP, “o currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos específicos, a serem definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional: I – Linguagens; II – Matemática; III – Ciências da Natureza; IV – Ciências Humanas; e V – Formação técnico profissional”. Nas áreas dos tópicos III e IV, que foram colocadas na condição de optativas para o ensino profissionalizante, enquadram-se, respectivamente, as disciplinas de Química, Física, Biologia, História e Geografia, que serão escolhidas pelo aluno a partir da perspectiva de carreira que ele desejar seguir. Por exemplo, se ele pretende prestar vestibular para Direito, ele voltará seu foco para a área de Ciências Humanas.

A decisão do governo desagradou grande parte da população brasileira, como mostra a consulta pública realizada pelo portal do Senado, em que cerca de 4.551 cidadãos brasileiros votaram a favor da mudança, enquanto 73.565 votaram contra. Mesmo assim, o Senado aprovou o texto da MP após retificação do texto inicial pela Comissão Mista da Câmara dos Deputados, a respeito da saída das disciplinas, voltando a incluir Artes e Educação Física na grade curricular. Filosofia e Sociologia também foram inclusas, mas só serão obrigatórias na BNCC apenas em um ano do ensino médio e não nos três.

A posição de diretores 

A decisão do governo de implantação do novo ensino médio gerou grande debate a respeito do futuro da carreira do docente e da qualidade da educação que será ofertada aos alunos. Com a adoção de novas medidas para o ensino, em que algumas disciplinas se tornarão optativas, o governo visa contratar os chamados profissionais de notório saber, que são profissionais que não possuem formação em pedagogia ou alguma licenciatura, mas que possuem uma graduação que o torna capaz de lecionar disciplinas da sua área de conhecimento. Por exemplo, um profissional formado em Direito poder trabalhar História em sala de aula. Vale ressaltar que esses profissionais serão destinados ao ensino dos cursos técnicos profissionalizantes.

O coordenador do Colégio Estadual Professora Clemência Alves da Silva, que fica localizado no Povoado Lagoa do Rancho, no Município de Porto da Folha, a cerca de 140 km da Capital Aracaju, Wellington da Silva, 38 anos, afirma que a retirada de disciplinas foi um ponto negativo no processo de discussão do novo ensino médio, mas reconhece a importância de uma reformulação: “Toda disciplina, de certa forma, tem uma configuração fundamental na formação humana, por outro lado, é inegável que o excesso de disciplinas no ensino médio sobrecarrega os jovens e não os ajuda muito no resultado geral da aprendizagem”, disse ele.
Colégio Estadual Professora Clemência Alves da Silva
Foto: Alexandre dos Santos

Todavia, o coordenador, que é formado em Filosofia e possui pós-graduação em Gestão de Pessoas e Educacional, acredita que a contratação de profissionais de notório saber não é o melhor caminho para alcançar melhores resultados na educação, em que a transmissão do saber poderá ser fragilizada, pois: “o olhar de quem é formado numa determinada área de conhecimento é muito diferente daquele que vem de uma outra área de formação, o que acarretaria em várias perdas. Primeiro, a perda do profissional qualificado dentro da sala de aula, consequentemente, a perda na qualidade do ensino e, de maneira geral, na formação humana, do próprio sujeito”, ressalta o coordenador em tom de indignação.

Em concordância, a diretora do Colégio particular 1ª Opção, localizado na sede do município de Porto da Folha, Geovaneide Xavier, 48 anos, avalia a mudança do perfil do ensino médio como uma possibilidade de atender a um processo mais dinâmico de aprendizagem para os jovens. Porém, ressalta que as disciplinas não devam ser retiradas: “Eu não acredito que essas disciplinas devam ser totalmente excluídas do currículo, principalmente nas escolas particulares, que tem um método mais intensivo de ensino, um pouco diferente das escolas públicas, mas acredito na necessidade de uma reformulação diante da situação atual da educação”. Para ela: “É preciso buscar mudanças que se adequem ao perfil do jovem contemporâneo, que seja capaz de atender as suas expectativas”, afirma ressaltando o papel importantíssimo dessas disciplinas na formação crítica desses jovens.

A diretora, que é formada em Letras Português/Francês e possui Pós-Graduação em Gestão Escolar, ainda faz uma crítica à decisão do governo sobre a contratação de profissionais de notório saber: “Posso afirmar que quando se passa 4, 5 anos em busca de se especializar em uma determinada disciplina, esse profissional, sim, tem autonomia para trabalhá-la. Alguém que apenas possui um conhecimento empírico ou, até mesmo, por curto prazo de tempo, não terá o embasamento suficiente para desenvolver o conteúdo necessário para a boa aprendizagem do aluno”, ressalta com insatisfação.

O que pensam os professores

 Não é de hoje que a categoria dos professores sofre com o descaso por parte dos governos, tanto Federal, quanto estadual, principalmente, no que diz respeito à questão do piso salarial, e, agora, mais uma questão surge para desqualificar esses profissionais.
Em texto publicado no dia 9 de fevereiro, quinta-feira, em seu portal, o Sintese – Sindicato do Professores de Sergipe, repudia a decisão do governo federal em dar espaço aos profissionais de notório saber e, assim, provocar ainda mais uma desvalorização da carreira do docente: “É um enorme retrocesso à luta histórica, social e institucional pelo reconhecimento e valorização da profissão de educadores, habilitados em cursos de Pedagogia e licenciaturas, ao qual se insere ainda o ataque à aposentadoria especial do magistério”.

Em entrevista, o professor de História Glauber Resende, 28 anos, que leciona no Colégio Estadual Professora Clemência Alves da Silva, concorda que a decisão do governo, da maneira que foi pensada e que agora será imposta, será mais uma atividade de desqualificação dos profissionais da educação: “A condição de opcional de algumas disciplinas prejudicará o profissional que possui formação nelas, até porque, se, por exemplo, houver uma demanda maior de escolhas de disciplinas das Ciências da Natureza, consequentemente, haverá uma queda de contratação de profissionais das outras áreas de conhecimento e vice versa, sem contar, que a contratação do profissional de notório saber ocupará o espaço e deixará à margem aquele profissional que se qualificou para assumir as salas de aula” destacou ele.
Fachada do Colégio Particular 1ª Opção

É o que também reforça a professora de Português e Inglês Adriana Lima, 38 anos, do Colégio particular 1ª Opção: “Trazer para sala de aula um profissional que não se dedicou para se especializar em uma área específica do conhecimento, por exemplo, para ser um professor de História, só por ter uma base de conhecimento por meio daquilo que vivenciou no processo de sua formação, não o legitima como capaz de trabalhar a construção do saber de um estudante. Ressalto, ainda, o quanto isso será prejudicial para a carreira do professor, que perderá seu espaço, que tanto foi almejado durante sua vida acadêmica”, afirma ela, em tom de preocupação.

A visão dos alunos

A última avaliação do Ideb – Indíce de Desenvolvimento da Educação, realizada em 2015 e divulgada pelo MEC- Ministério da educação no dia 8 de setembro de 2016, mostrou o resultado insatisfatório na categoria do ensino médio, em que a meta estipulada pelo governo era alcançar a média de 4,3, mas alcançou, apenas, 3,7. Essa insuficiência do resultado levou o Ministro da Educação, Mendonça Filho, a alegar uma necessidade de reformulação no Ensino Médio. Pouco tempo depois, o governo lança a MP do novo ensino médio que, recentemente, foi sancionada a Lei pelo Presidente da República, que põe em vigor as alterações do ensino médio.

Todavia, a decisão de reformulação do ensino médio não é o melhor caminho para a melhoria do índice da educação, segundo alunos da rede pública e privada do município de Porto da Folha, no sertão do estado, principalmente, quando propõe retirar algumas disciplinas da BNCC e mudar o perfil do profissional que comandará a sala de aula.

“Pelo que eu li sobre, apesar desse novo ensino médio proposto pelo atual governo dar a chance de o jovem sair com uma profissão e poder já trabalhar ao terminar os estudos, o interesse para entrar numa universidade vai cair, porque ele já vai ter uma profissão. Isso será afetado, também, pela retirada de algumas disciplinas, o que, com certeza, afetará no resultado do rendimento dos estudantes, sem contar que o conteúdo agora será passado por um profissional sem tanta propriedade como um professor formado”, afirma Laura Lima, 15 anos, estudante do 1º ano do ensino médio do Colégio Estadual Professora Clemência Alves da Silva, quando questionada sobres tais mudanças.

Em concordância, o aluno Luiz Henrique Santos, 18 anos, estudante do 3º do Colégio Particular 1ª Opção, afirma: “Eu acredito que o resultado da educação piorará, por que a grande maioria dos estudantes não possui recursos para procurar uma educação melhor do que a da escola pública, e enxergo essa decisão de retirada de algumas disciplinas como um ato meio político, pois não permitirá o desenvolvimento crítico do aluno para poder questionar as atitudes do governo”.

Os futuros docentes

Preocupados com a ameaça ao futuro da carreira do docente, universitários, tanto de cursos de licenciaturas que não serão afetados drasticamente com a mudança, quanto aqueles que terão sua carreira ameaçada por esse novo perfil do ensino médio, manifestaram repúdio à decisão do governo.
O estudante do 6° período do curso de Letras Vernáculas da Universidade Federal de Sergipe (UFS), João Paulo Fonseca, 21 anos, ressalta: "Eu como profissional de Língua Portuguesa em formação, não posso aceitar que o conhecimento seja fragmentado, ou seja, que só a minha disciplina ganhe maior destaque na formação do cidadão, pois acredito que o conhecimento deva ser construído, concomitantemente, entre todas as disciplinas".

 Ele ainda aborda as implicações que a retirada da obrigatoriedade da disciplina de Língua Espanhola da BNCC afetará no profissional dessa formação: "Os meus colegas de profissão, profissionais da Língua espanhola, considerada um dos idiomas oficiais pela ONU - Organização das Nações Unidas, que já são formados e que, ainda, estão em formação entrarão num estágio de insegurança muito grande, devido à incerteza do futuro da sua carreira. E aí ponho em questão: onde ficarão esses profissionais que tiveram anos de preparação na academia? Sem contar, ainda, a contratação do profissional de notório saber, o que torna essa ação bastante preocupante, pois além de fragilizar a transmissão do conhecimento, põe a classe de professores numa condição inferior àquela que, diariamente, é reforçada pelas autoridades", destacou, com preocupação, o futuro professor de Língua Portuguesa.

É o que também observa Alessandra Cardoso, 39 anos, Advogada e estudante do 4° período do curso de Letras Português/Espanhol da UFS: "Mesmo depois da luta histórica pela permanência do ensino da língua espanhola nas escolas, desde sua inclusão em 1942 nas escolas; retirada  pela primeira vez devido as idas e vindas da Lei de Diretrizes e Bases e posta novamente na BNCC em 2005 por meio da lei 11.161 e da luta dos professores, chegar aonde estamos e retirá-la novamente é um retrocesso, uma vez que limita o conhecimento do povo brasileiro em relação à cultura de países falantes dessa língua", disse ela, em tom de tristeza.

Alessandra ainda pontua a desvalorização do profissional desta formação e daqueles que suas respectivas áreas também serão caracterizadas como opcionais: "É preocupante o número de profissionais da educação que estarão no mercado e que terão um nível baixíssimo de oportunidade para exercer sua profissão, até porque a demanda dessas disciplinas diminuirá, consequentemente, haverá pouquíssimas contratações, o que configura uma evidente desvalorização de sua profissão”, afirma a acadêmica de Língua Espanhola.

Em entrevista ao portal da UNE – União Nacional dos Estudantes, publicada no dia 9 de fevereiro, a presidente nacional da UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundarista, Camila Lanes, afirmou que ainda haverá muita luta e resistência para que se alcance um ensino médio que se adeque e melhore as condições de aprendizagem dos alunos, e que, assim, possibilite a melhoria da educação: “Não vamos aceitar esse método que está sendo colocado dentro da sala de aula sem consultar aqueles que dão aula, que vivem a escola pública todos os dias, foi a faísca que faltava. Aprovar uma medida provisória do jeito que foi aprovada, sem ler as emendas, sem levar em consideração, inclusive, as consultas feitas nas páginas do Senado e da Câmara que majoritariamente a população votou contra a MP, o governo está dando motivo para o movimento estudantil,mais uma vez, marcar a história do Brasil com muita ocupação, muito movimento, ato e conscientização”, reforça ela.

Por fim, a UNE ressalta: “As entidades estudantis e o movimento educacional acreditam que a medida é um retrocesso que significa sucateamento, privatização e venda do ensino público”.

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