1 de jun. de 2017

Entre o ensino médio público e o particular

Por Eduardo Costa

“Ato ou processo de educar(-se) em qualquer área; aplicação dos métodos próprios para assegurar a formação e o desenvolvimento físico, intelectual e moral de um ser humano”. As definições do termo “educação” mostram bem o seu nível de importância. Sem ela, o desenvolvimento do ser humano, dos nossos hábitos e das nações torna-se impossível. Não há como uma sociedade evoluir e melhorar sem educação.

Por ser algo tão importante e necessário na vida e no desenvolvimento de um povo, a educação é um tema que sempre promove muita polêmica. A forma como é conduzida e suas possíveis mudanças sempre geram acalorados debates e as mais diversas opiniões. E nos últimos meses, é o Brasil quem tem se deparado com essa situação.

Em setembro de 2016, o governo do presidente Michel Temer, na época com apenas quatro meses de mandato, apresentou uma alteração radical com a proposta do Novo Ensino Médio. Ela foi lançada como uma medida provisória e, depois de muitas discussões e emendas recebidas para promover algumas alterações, passou pela Câmara dos Deputados em 13 de dezembro de 2016 e pelo Senado Federal em 8 de fevereiro de 2017, sendo sancionada oficialmente oito dias depois.

Para avaliar a repercussão e as perspectivas desta reforma em Sergipe, ouvimos diretores e outros gestores, além de professores e alunos de instituições das redes pública e particular de ensino, principalmente sobre os pontos mais polêmicos.

Liberdade de escolha é um dos pontos mais criticados

Uma das medidas que gerou grande polêmica diz respeito à exclusão de matérias. O governo propôs que, além de Matemática, Português, Língua Inglesa, Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia - matérias consideradas obrigatórias na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ainda em construção -, o aluno escolha as disciplinas que deseja estudar, dependendo do curso que visa para o Ensino Superior.

A escolha será feita entre as disciplinas de cinco áreas: Linguagens, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Ciências Humanas ou Formação Técnica e Profissional. A medida não agradou muitas pessoas que trabalham com a educação, que a consideraram desfavorável para os estudantes. Segundo esses críticos, o educando ainda não possui a preparação necessária para tomar esse tipo de decisão, ainda com um período relativamente grande de tempo até a conclusão do ensino.

O Barão de Mauá fica no bairro São Conrado,
Zona Sul de Aracaju (Foto: Juarez Silveira/SEED)
“Muitas vezes o aluno chega na faculdade sem saber o curso certo, imagine definir bem antes as matérias que quer estudar. O que o ensino anterior no colégio fazia era dar um conhecimento geral de todas as áreas, e depois ele dirige no Ensino Superior aquele aprendizado para o que deseja. Por enquanto, acho que isso é mais interessante”, afirmou Roberto Ribeiro, diretor e professor do Colégio Estadual Barão de Mauá, localizado no bairro São Conrado, Zona Sul de Aracaju. Ele defende o ensino da maneira como se dá atualmente: a escola traz o conhecimento de todas as áreas, e a partir daí o aluno escolhe seu foco para o Ensino Superior.

Paulo Mesquita é, desde 1995, vice-diretor e professor de Física do Ensino Médio no Colégio Módulo, uma das principais instituições particulares do estado (segundo o INEP,  quarta maior média em Sergipe no ENEM 2015), localizada no bairro Inácio Barbosa, Zona Sul de Aracaju. Docente há 34 anos e com muita experiência em várias situações, ele é enfático. “Isso irá prejudicá-los. As Ciências Humanas, por exemplo, mexem com os conhecimentos gerais, a formação e o desenvolvimento do senso crítico do estudante. E isso pode ser ceifado do aluno. E se ele escolhe a área de engenharia, por exemplo? Quem disse que a engenharia está dissociada de conhecimentos gerais?”, questiona.

Muitos defendem que a questão da escolha de matérias acabe se tornando algo ruim e complicado para o aluno, justamente pela dúvida no foco em que tomar. É comum encontrar estudantes que têm muitos questionamentos e acabam demorando em decidir um possível curso, ou que até mesmo decidem e já no Ensino Superior, mesmo com a formação em andamento, acabam trocando de área por vários motivos. Por isso, os discentes também não concordaram com essa proposta do governo.

Mirelly Lorrane, 16 anos, está hoje começando o 3º ano no Colégio Módulo e não tem dúvidas do curso que deseja estudar, Medicina. Mas lembra que nem sempre foi assim.  “Tinha dúvidas no que pretendia fazer. Muitos têm no 3º ano, e pensando antes disso, quando a pessoa ainda é mais nova, menos madura, acho que não dá para escolher o que quer realmente na vida”. Essa visão é compartilhada por André Ricardo, 15, também do Módulo e que está iniciando o 1º ano do Ensino Médio. “Se isso é bom? Depende. Caso a pessoa faça a escolha certa, souber que é isso que ela quer, tudo bem. Mas, se ela se arrepender, vai ter que pegar tudo de novo. Eu mesmo gosto de tudo, então fica difícil achar agora uma área fixa para fazer pelo resto da minha vida”, ressaltou.

Para os defensores da reforma, a liberdade de escolha do aluno faz com que ele possa focar melhor nas áreas desejadas e ter um estudo mais centrado e objetivo pensando naquilo que quer. Um deles é Valdemar Souza, 52, professor de Geografia há 30 anos e atualmente no Colégio Módulo. Ele lembra que muitos já possuem uma vocação para algo desde criança - o que facilita essa decisão - e fala dos exemplos de outros países, principalmente na Europa e na Ásia, que se utilizam desse modelo de ensino e apresentam ótimos resultados nos níveis educacionais.

“O governo foi buscar inspiração para esse modelo em alguns países onde ele existe, especialmente europeus e asiáticos. No fim do ensino fundamental o aluno já está na fase de adolescência, e vários desde criança já costumam ter uma vocação. Claro que nem todos, mas muitos sim. Não discordo dessa parte de escolher uma área, acho até importante que aconteça porque nos países em que isso é aplicado, funciona. Mas é necessário ver quanto às matérias obrigatórias e optativas. Tem que ser um projeto bem formulado”, destacou o docente.

Implicação direta no vestibular

A questão da escolha das matérias tem impacto total no grande objetivo e foco de todos os estudantes, professores e gestores de ambas as redes de ensino: o vestibular. O governo até agora não anunciou nenhuma mudança maior no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), mostrando que a princípio ele continuará com o mesmo formato – provas de todas as matérias divididas em dois dias. Porém, os alunos mostraram preocupação com a possibilidade de serem prejudicados ao renegarem certas disciplinas durante o ensino e não terem um desempenho satisfatório na prova mais importante de suas vidas.

“Com isso, haveria uma necessidade ainda maior de interesse pessoal do aluno de se preocupar e focar em determinada área. Mas ele não pode esquecer das demais que também estão presentes no vestibular, já que não terá todas as disciplinas como obrigatórias na escola”, destaca Rafaela de Brito, 17, aluna do Colégio Atheneu, uma das escolas públicas mais tradicionais e conceituadas em Aracaju. Aprovada em Publicidade e Propaganda na Universidade Federal de Sergipe (UFS), ela espera o término das aulas em seu colégio no fim de março e o começo do primeiro período na universidade, em junho. A futura estudante de comunicação mostrou-se compreensiva com a situação que já aparenta tirar o sono de vários que estão entrando no Ensino Médio.

Sobre essa questão específica, Yasmin Aragão, 16, do 3º ano no Colégio Módulo, que já decidiu que quer cursar Medicina, destaca seu receio: “Todas as matérias são peso para o ENEM, então a pessoa deve se sair bem em tudo. E isso vai ser o oposto do praticado na escola, em que você escolhe as matérias que quer estudar e deixará todas as que não interessam ao seu curso de lado. Isso influencia no vestibular”.

O Módulo foi o quarto melhor colégio de Sergipe no
ENEM 2015, com média de 629,02 pontos
Os gestores também não foram adeptos à ideia. Roberto Ribeiro destaca claramente que o aluno não tem discernimento para fazer essa escolha com o ENEM mantendo-se da forma como é conhecida. “É aí onde entra o contrassenso de o aluno estudar apenas o que quer. É preciso repensar isso bem, pois se o vestibular vai cobrar todas as matérias, como o aluno poderá escolher o que quer estudar? Fica a interrogação no ar”, frisa com apreensão.

Já Paulo Mesquita, formado na área de Engenharia, lembra do seu próprio exemplo para salientar a importância de ter todas as disciplinas para o vestibular. “Sou engenheiro, e há algum tempo quando a pessoa falava em coisas como Sociologia e Filosofia, eu pensava: “lá vem isso de novo, para quê?”. Mas isso é fundamental na formação. Se o aluno tem o poder de escolha e tira segmentos importantes, isso sem dúvida irá prejudicá-lo”.

Até mesmo Valdemar Souza, defensor de várias medidas do Novo Ensino Médio, destaca a necessidade de alterações na prova principalmente por uma obviedade: se o Exame é feito para alunos de Ensino Médio e esse Ensino Médio sofre mudanças, a prova também precisa ser modificada. “Se você passa a estudar baseando-se em uma área, o ENEM precisa mudar. O atual ministro da Educação até divulgou a intenção de deixar o ENEM apenas em um dia, talvez isso seja já dentro desse projeto de mudança”, diz.

Impacto nos alunos que estão entrando no Ensino Médio

Ao anunciar as medidas e respondendo a perguntas sobre o Novo Ensino Médio enviadas por internautas em seu portal na web, o governo confirmou que a implantação não será imediata: a partir da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que irá determinar as diretrizes do conhecimento de forma geral para as escolas e será homologada em 2017, apenas em 2018 as instituições poderão estabelecer um cronograma e iniciar a introdução do novo sistema. E isso pode ter um impacto gigante para aqueles que já terão começado o Ensino Médio no período.

De acordo com as datas apresentadas pelo governo, os alunos que iniciaram o 1º ano em 2016 ou 2017 têm grandes chances de se depararem com uma nova forma de ensino e estudo no meio do processo do Ensino Médio. Aos que estão envolvidos diretamente com a educação, essa mudança drástica durante o percurso fará com que os educandos incluídos nisso sejam prejudicados no aprendizado e na preparação para futuras provas.

Nesse quesito, Roberto Ribeiro traz não apenas a visão de diretor, mas também de professor. “É claro que existe uma influência grande no desenvolvimento, pois a mudança vai ocorrer no momento em que eles estão formando um caminho, se estruturando nos estudos, e com isso muda toda uma forma de pensar. Não é algo interessante, vendo como diretor e professor”, reitera o atual gestor do Barão de Mauá, com passagem como docente em oito instituições públicas e particulares e duas décadas na área.

Já Valdemar Souza, com seus 30 anos de atuação em sala, sugere uma proposta para que o governo amenize o problema. “Acredito que o aluno que fará o 2º ou o 3º ano em 2018 deveria continuar dentro do que já está, com a mudança valendo só para os alunos do 1º ano e os que virão em seguida. E aquele aluno que entrar no Ensino Médio em 2018 ou 2019 irá prosseguir dentro dessa nova forma de trabalho”, afirma.

Paulo Mesquita mostra ainda mais preocupação com o assunto e lastima o fato de, segundo ele, essas mudanças parecerem ser feitas por teóricos que não possuem vivência direta com a educação. “Essas coisas precisam ser pensadas. E você só descobre novos pontos quando vai estudando. Eu lamento, pois às vezes parece que essas coisas são teorizadas por pessoas que não vivenciam a área da educação e não tem a visão prática. A teoria é fundamental, mas ela se faz muito mais importante quando está atrelada a uma vivência. Se não, ficamos só na teoria e cometemos falhas”, admite.

Os alunos também compartilham dessa visão. “Eu acho que vai mudar totalmente o roteiro de estudo. O intuito pode ser aprofundar cada vez mais e preparar o aluno para o vestibular, mas o impacto ainda assim será grande”, destaca Yasmin Aragão. Já Rafaela de Brito salienta a realidade do Atheneu, que segundo ela, mesmo ainda sendo positivamente conceituado pela sociedade, passa por dificuldades assim como outras escolas públicas. “Qualquer tipo de mudança implica num processo de adaptação maior. No Atheneu, lembro que todos os alunos e gestores sofreram por uma mudança de prédio (o antigo estava caindo) e vi o decaimento no aprendizado e rendimento que isso causou. Imagina uma mudança dessas, em todo o formato de ensino”, argumentou.

Quais os objetivos do governo?

Apesar de o governo ter afirmado que a proposta possuía uma grande aprovação, não é o que se vê na realidade. Em consulta pública realizada pelo site do Senado para saber a opinião da sociedade sobre o tema, 73.565 pessoas votaram contra as medidas, enquanto apenas 4.551 votaram pelo “sim”. E as mudanças, pelo visto, também não caíram nas graças de muitos diretores, professores e alunos de instituições públicas e particulares de ensino.

Sobre essa pesquisa do Senado, Rafaela de Brito opina de forma dura e lembra-se de outra grande crítica pertinente: a falta de procura do governo por especialistas e envolvidos na educação na montagem do projeto. “Essa consulta não passou de uma fachada, uma ferramenta para despistar uma medida imposta. Sugestões de como resolver determinado problema devem partir principalmente de quem o vive. Faltou uma consulta mais direta aos alunos e gestores das instituições, porque pelo contrário, a população não aprova e mesmo assim a ideia será posta em prática”, ressalta.

Já Roberto Ribeiro recorda a influência causada pela entrada recente da atual chapa de governo. Para ele, essa reforma tem como objetivo mostrar à população que algo está sendo feito. “Isso pode acarretar em um atropelamento da educação, e é o que estamos vendo”, completa.

Paulo Mesquita não poupou críticas e foi bastante direto sobre as possíveis consequências das alterações no ensino. “Educação não é um laboratório, onde em um ano você faz assim e no outro de maneira diferente. É necessário pensar bem para a implantação desses ajustes, mesmo que a resposta não seja imediata. Ela vem em um tempo mais duradouro, na educação você muda e a resposta não vem na mesma hora. Eu acho algo bastante equivocado. Como está, tende a não dar certo. E não vai dar certo. Se o governo for tentar implantar essas medidas assim, vai ser um novo desastre”, justifica.

José Rafael, 16, aluno do 3º ano no Módulo, sugeriu também a presença dos pais na discussão. “O governo deveria ter ouvido educadores e alunos, pois são eles quem viverão esse momento que o governo quer criar. Até mesmo os pais que participam mais ativamente da vida acadêmica dos filhos poderiam ter voz nessas mudanças”.

Os defensores do Novo Ensino Médio refutam esses argumentos e creem que a mudança é necessária para trazer uma melhora da educação no Brasil e até mesmo aumentar a classificação do país em rankings educacionais. É o que ressalta Valdemar, além de afirmar que, em sua opinião, a medida não tem apenas um objetivo político. Ele também critica as ideias que para ele são baseadas em discussões de redes sociais.

“Vejo isso como uma busca por melhorias. Nossa educação, de forma geral, sempre fica em péssima classificação nos índices internacionais. Nas Olimpíadas Internacionais de Matemática e Física é comum que os alunos brasileiros, especialmente das escolas públicas, fiquem algumas colocações abaixo de estudantes de países de condição socioeconômica bem pior. Discutir apenas com base em rede social fica difícil, pois muitos comentam dentro de uma visão ideológica, política, sem conhecer a fundo. Esse é um dos problemas do brasileiro”, afirma.

Percebemos que o Novo Ensino Médio é bastante polêmico e que, apesar de possuir alguns pontos positivos, em geral tem recebido muitas críticas e preocupado grande parte daqueles que estão ligados ao ensino e que conhecem os desejos e anseios por melhorias. A dificuldade de achar um consenso no debate e os vários questionamentos à reforma apenas provam o quão é complicado buscar novas propostas que sejam eficazes, além da importância de um tema vital como a educação.

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