1 de jun. de 2017

Governo diz que teve "100% de aprovação"

Por Malu Araújo

A lei que estabelece a reforma no ensino médio brasileiro foi sancionada no último dia 16 pelo Presidente Michel Temer, em cerimônia no Palácio do Planalto. Aprovada pela Câmara em dezembro do ano passado e pelo Senado em fevereiro deste ano, a proposta foi enviada ao Congresso por meio de uma Medida Provisória (MP 746/16) e, portanto, tem força de lei desde a publicação no Diário Oficial, em setembro do ano passado. Porém, as mudanças só serão colocadas em prática após a definição da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que está sendo elaborada e deve ser homologada ainda este ano. Assim, as alterações, que incluem aspectos como grade curricular e carga horária, só devem ocorrer a partir de 2019. 

Durante o seu discurso na cerimônia, Temer afirmou que, após ter sido debatido na sociedade, o projeto tem “100% de aprovação”. Entretanto, os vários pontos nebulosos da proposta e as diversas falhas do Ministério da Educação em explicar mais detalhes têm feito a população se questionar até que ponto essa reforma resolverá os problemas da educação no país. Desse modo, será que o Novo Ensino Médio tem realmente 100% de aprovação?
O que vai mudar?

Uma das principais mudanças que ocorrerão diz respeito ao currículo dos alunos. De acordo com o texto da Medida, apenas as disciplinas de Matemática, Português e Inglês serão obrigatórias durante os três anos do ensino médio. A outra parte da grade curricular será definida 60% pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que ainda está em discussão, e deve conter obrigatoriamente estudos e práticas de Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física. O texto deixa em aberto se esses conteúdos serão dados dentro do programa de outras matérias ou se haverá disciplinas específicas. 

O restante da carga horária será preenchido de acordo com a escolha do aluno, que terá que optar entre cinco itinerários formativos: linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e formação técnica e profissional. Na prática, os estudantes terão um currículo comum até parte do segundo ano e depois elegerão uma das cinco áreas do conhecimento (dentre as opções ofertadas pela escola) para se aprofundar até o final do curso.

Além dessa alteração, há também a proposta de aumento do tempo de permanência na escola. A carga horária, que atualmente é de 800 horas anuais, deverá aumentar para 1000 horas e os sistemas de ensino têm um prazo máximo de cinco anos para realizar essa ampliação. Depois, progressivamente, esse tempo deverá chegar a 1400 horas por ano, configurando o modelo conhecido como Ensino Integral (7 horas por dia).

Por fim, professores com “notório saber” (que não possuem formação específica na área de atuação) estão autorizados a dar aula no ensino técnico e profissional. Podem também lecionar no ensino médio profissionais graduados que não possuam curso de licenciatura, com a condição de que façam complementação pedagógica. Outra mudança é que os professores podem possuir cursos de licenciaturas plenas feitos em qualquer faculdade, não apenas em universidades e institutos superiores de educação, como era anteriormente.

Tema divide opiniões em Aracaju

"Mudança dessa gravidade não vem por uma 
canetada", diz Coordenador da Nossa Escola
A reforma do ensino médio tem sido alvo de bastante controvérsia entre os profissionais da educação de Aracaju. Uma das principais críticas feitas à mudança é o fato de ela ter sido encaminhada por meio de uma Medida Provisória. Esta é a posição defendida por João Ricardo Machado Trindade, professor e coordenador do ensino médio do colégio particular Nossa Escola, localizado na Zona Sul da cidade. Formado em Letras e com mais de 20 anos de experiência em educação, João acredita que uma modificação tão grave não deve ser realizada dessa maneira. “Quando eu encaminho por Medida Provisória eu estou pegando as discussões dos especialistas em educação e jogando no lixo. Eu estou transformando o ensino médio por um instrumento de gabinete. Mudança em educação nessa gravidade não vem por uma canetada, vem por reflexão”, afirma. 

O professor faz ainda outra ressalva em relação ao Novo Ensino Médio: a maturidade dos alunos para escolher entre as áreas ofertadas. Para ele, talvez os estudantes na metade do segundo ano não sejam maduros o suficiente para ter definição do que realmente querem. “Eu já vi aluno estar no sétimo período de Medicina e desistir do curso para fazer Jornalismo. Eu já vi aluno que estava no terceiro período de Engenharia Civil sair para fazer Arquitetura, para fazer Pedagogia. Então eu não sei se esse desejo do aluno é parâmetro para o governo tomar essa decisão”, argumenta. Essa visão é compartilhada também pela diretora do mesmo colégio, Edmê Cristina de Oliveira Coelho. “Eu não sei se você já passou por isso, de não gostar de algo e depois se aprofundar e passar a gostar. Então quando você estuda de tal forma que você aprofunda nisso ou naquilo, você tem mais capacidade de decisão”, defende a diretora, que também é especialista na área de psicologia.

Por outro lado, diferentemente dos outros dois gestores, o diretor do colégio estadual presidente Nelson Mandela (antigo Presidente Médici) não vê na maturidade um problema tão grave. Roque Hudson Ribeiro Santos acredita que a solução é simples e vem por meio das instituições, que devem fornecer informações prévias aos alunos, dando assim uma base maior para a escolha. À frente da escola há um ano e meio, porém com 26 anos de experiência no ensino estadual em Sergipe, Roque acredita que a escolha de um dos itinerários vai ser positiva para os alunos, pois vai diminuir o número de disciplinas. “Hoje a gente tem uma gama de conteúdos que não tem muito aproveitamento para eles na vida futura. Hoje a gente tem 15 disciplinas no ensino médio, eu acho muito”, diz. 

Outro ponto positivo que o diretor enxerga é o ensino técnico e profissionalizante. Para ele, já que a maioria das escolas estaduais atende a comunidades com renda mais baixa (como é o caso do Nelson Mandela, que apesar de estar no conjunto Médici, tem muitos alunos do conjunto Santa Maria), é interessante a proposta de já sair do ensino médio com uma profissão encaminhada.  Além disso, ele afirma que essa mudança pode até reduzir a evasão escolar. Esse é mais um dos aspectos de discordância entre os gestores desses dois colégios. “O que gera evasão na escola não é o modelo de ensino médio”, defende o coordenador da Nossa Escola. “Querer atribuir a evasão ao modelo, para mim, é querer subestimar a nossa capacidade de pensar. É um acinte à inteligência”. 


O caso de Filosofia e Sociologia

Uma questão que vem sendo discutida desde a divulgação da mudança no Ensino Médio, em setembro do ano passado, é a situação de Filosofia e Sociologia. No texto original na Medida Provisória, as duas matérias não eram consideradas obrigatórias no currículo. Já no texto final, ficou determinado que estudos e práticas dessas disciplinas deverão estar presentes obrigatoriamente no ensino médio, constando como conteúdos na BNCC. 

Porém, ainda não está claro se esses assuntos serão diluídos em outras matérias de ciências humanas (como história e geografia) ou se serão componentes separados. O perigo da exclusão dessas disciplinas tem trazido preocupação para Alan Max Vieira dos Santos, professor de Filosofia e Sociologia da rede privada de ensino. Alan leciona essas matérias em quatro escolas na cidade de Aracaju e acredita que elas são fundamentais para a formação do aluno do ensino médio. Mas, apesar dessa preocupação, ele admite: “O resultado final não ficou tão ruim quanto a gente imaginava”. 

O professor, licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Sergipe, enxerga também que deixar que profissionais não especializados na área ensinem esses conteúdos não é o certo a se fazer. “Eles podem até ter um certo conhecimento, como eu tenho conhecimento em história, como eu tenho conhecimento em matemática. Mas, não estou habilitado a dar aula de matemática por conta desse conhecimento”, defende.
Diretor de colégio público não vê Filosofia e Sociologia
como necessárias
Já Roque Hudson, o diretor do colégio Nelson Mandela, não pensa dessa forma. Sobre o assunto ele diz que as duas matérias não deveriam constar como obrigatórias. “Qual é a importância real de filosofia e sociologia para um vestibular? Haja visto que a gente sabe que as questões de filosofia e sociologia dentro do ENEM não são questões que despertem o aluno no ensino médio nos três anos pra estudar só essas matérias”. Roque frisa ainda que deveriam ser obrigatórias no campo das Ciências Humanas apenas História e Geografia, disciplina na qual ele é licenciado. O diretor considera por fim que os professores não devem ver a questão dessa maneira, mas afirma ironicamente que, para ele, “pouco importa o que os professores pensam”. 

Professores com “notório saber”

No texto da MP 746/16, ficou determinado que professores com “notório saber” estão autorizados a dar aula no ensino técnico e profissionalizante. Em adição a isso, profissionais graduados que não possuam curso de licenciatura também podem lecionar no ensino médio, com a condição de que façam complementação pedagógica. O assunto foi um dos pontos de maior concordância entre os gestores entrevistados. 

Roque Hudson, diretor do Nelson Mandela, trata desse aspecto como um dos únicos pontos negativos do Novo Ensino Médio. Para ele, a única situação possível de isso acontecer seria se a escola não possuísse o professor da matéria, situação muito comum na rede pública de ensino. Assim, para que os alunos não saiam prejudicados, esses outros profissionais poderiam assumir o cargo de professores. 

Já para João, professor e coordenador da Nossa Escola, a questão do “notório saber” é válida no âmbito da formação técnica. Mas o fato de profissionais poderem dar aula realizando apenas uma complementação pedagógica, que dura cinco semanas, é um “assassinato do ensino superior”, afirma. “Para mim, é um processo de desmonte da educação”, acrescenta.

Marcos Antônio Correia Silva, professor de física, também não enxerga esse “notório saber” de maneira positiva. Assim como João, ele também dá aula no colégio Nossa Escola, mas, além desta, ensina em mais quatro instituições, tanto públicas quanto particulares. Para Marcos, cada profissional deve atuar na área que é especializado. “É como diz no popular: cada macaco no seu galho”, brinca, rindo. “Eu não posso operar, eu não posso assinar um projeto de engenharia, então não acho que quem não teve nenhuma preparação, não teve nenhuma formação de pedagogia, de psicologia possa ensinar”, conclui. Por fim, o professor diz que fala isso não por medo de concorrência, mas sim por pensar no melhor para os próprios alunos. 

E como fica o Enem?

Com o novo modelo, muitos alunos têm se perguntado como vai ficar o ingresso na universidade por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O Ministério da Educação (MEC), em seu site oficial, afirma que a reforma do ensino médio não trata de alterações no Exame. Apesar disso, a instituição considera mudar o formato da prova, tendo realizado inclusive uma Consulta Pública sobre o assunto no último mês de fevereiro. Porém, também através da sua página na internet, o MEC afirma que possíveis mudanças só virão a partir de 2018 e que os alunos devem ficar despreocupados pois não serão prejudicados. 

Em contrapartida, alguns professores não acreditam que as alterações na prova, caso sejam feitas, serão suficientes para comportar o processo de mudança no ensino médio, a exemplo de Marcos Antônio Correia Silva e de João Ricardo Machado Trindade, ambos já citados.

Para João Trindade, a adaptação do Enem será bem complicada e pode, inclusive, prejudicar os alunos. “Alguma coisa vai ficar aquém: ou a prova não consegue contemplar ou o próprio ensino médio não vai conseguir ser verificado no processo. Para mim são duas coisas que não batem”, explica ele. Marcos Silva defende o mesmo ponto-de-vista do seu colega e afirma que não consegue ver mudança no ensino médio sem que se mude a forma de ingresso dos alunos à universidade. A isso ele acrescenta: “Se você não mexer na base, fica mais difícil. Então não é só mexer no ensino médio e no Enem, é também mexer na base”. 

E os jovens? O que pensam? 

O discurso utilizado pelo próprio Ministério da Educação é o de que o Novo Ensino Médio será benéfico para os jovens, que poderão escolher o que estudar. De acordo com a área do site da instituição dedicada a esclarecer a reforma, o ensino médio “permitirá que cada um siga o caminho de suas vocações e sonhos, seja para seguir os estudos no nível superior, seja para entrar no mundo do trabalho”. Portanto, o que pensam os jovens dessas mudanças, já que eles serão bastante afetados por elas?

Artur Piones, 17 anos, está cursando o segundo ano do ensino médio e, mesmo que as mudanças não vão afetá-lo, ele acredita que a proposta não vai resolver o problema da educação no país. “Não temos estrutura para suportar um ensino desse tipo, principalmente o ensino integral. Eu estudo em escola integral e passamos dificuldades com estrutura, tem dias que falta até almoço”, justifica o jovem, que estuda no Atheneu Sergipense, escola pública na capital que possui uma das melhores estruturas dentro da rede. Além disso, o estudante também considerou bastante a questão do Enem, já que o Atheneu possui uma boa aprovação no exame. Para ele, o colégio pode ficar prejudicado nesse quesito e conseguir que um menor número de alunos consiga ingressar na universidade. “Principalmente no início, nessa fase de adaptação. Já é complicada questão de concorrência, principalmente com escola particular, imagina com esse atraso em ter que adaptar tudo”, explica. Por fim, Artur diz que os professores têm discutido bastante a questão em seu colégio, alguns inclusive parando a aula para debater o assunto.

Já Ívalo Soalheiro Messias, 16 anos, não enxerga a mudança tão negativamente. Estudante do último ano no colégio particular Nossa Escola, ele acredita que uma mudança é necessária. “A gente não tem uma reformulação do nosso ensino médio há muito tempo, então é melhor mudar do que deixar do jeito que está”, argumenta. Porém, assim como Artur, ele também acredita que o problema da educação no Brasil é muito mais estrutural e que não é apenas essa mudança que irá resolver todas as questões existentes no sistema de ensino no país, tais como os baixos salários dos professores. O aluno, que iria realizar uma prova algumas horas após a entrevista, falou também bastante sobre o nível de detalhamento que há em algumas disciplinas, mas que esse detalhamento não implica necessariamente em aprofundamento, fazendo com que os estudantes muitas vezes se questionem qual é a utilidade daquilo.  Assim, a escolha entre os itinerários seria um aspecto positivo da reforma. Já sobre a possibilidade de exclusão de algumas disciplinas, Ívalo deixou bem claro, para ele “toda forma de conhecimento é válida”. 

Mariana de Oliveira Bezerra e Maria Eduarda Barreto Moreira Chagas, ambas com 18 anos, já concluíram o ensino médio e fazem uma comparação entre a educação que tiveram e o modelo proposto. Mariana saiu da escola no final de 2015 e atualmente cursa Medicina na Universidade Federal de Sergipe. Para ela, a nova proposta possui muitos pontos negativos, como é o caso da possível exclusão das disciplinas de Filosofia e Sociologia. “São matérias muito importantes para a gente como indivíduo, porque ensinam a pensar em questões até de personalidade, sobre o eu. E falando no contexto com a sociedade, são extremamente importantes. Se eu tiro isso eu tiro a capacidade do aluno, do adolescente de analisar o seu contexto, de analisar a si próprio”, afirma. A jovem também diz que mesmo que elas não sejam diretamente relacionadas ao seu curso, são matérias que são importantes para a sua formação como indivíduo. Porém, ela também acredita que a escolha dos itinerários talvez seja uma boa solução para o excesso de conteúdo em algumas disciplinas. 

Maria Eduarda saiu há pouco tempo da escola (este é seu primeiro ano fora da instituição) e ela tem um posicionamento muito claro sobre as mudanças no ensino médio, principalmente em relação à possível exclusão de algumas disciplinas. Por acabar de ser aprovada no curso de Filosofia da UFS, a jovem nutre uma preocupação com o futuro mercado de trabalho. Além disso, ela também argumenta sobre a importância de estudar essas disciplinas. “Filosofia e Sociologia são matérias que incentivam sempre o questionamento, exercitam a formação de opinião”, defende. “Um aluno que não é levado a questionar vira fácil massa de manobra”, enfatiza, concluindo. 

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