1 de jun. de 2017

Brasil já ensino técnico de excelência

Por Ana Luísa Andrade

Em 16 de fevereiro, a Lei do novo ensino médio foi sancionada pelo presidente Michel Temer. Através de uma Medida Provisória (MP 746), a proposta foi apresentada em setembro de 2016 com sugestões de algumas mudanças no ensino médio, como a implantação de ensino integral, ampliação da carga horária mínima anual, a opção de formação técnica e profissional e a reformulação das diretrizes e bases da educação nacional. Sua aprovação na Câmara dos Deputados se deu no dia 13 de dezembro de 2016, sendo também aprovada pelo Senado em 8 de fevereiro deste ano, com 43 votos a favor e 13 contra o Projeto de Lei. A motivação para o surgimento da proposta teria sido o insucesso do ensino brasileiro após não ter conseguido atingir a meta estabelecida para o ensino médio no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

Uma das propostas mais polêmicas é a que diz respeito à formação técnica e profissionalizante. De acordo com a Lei, o estudante que optar por cursar apenas o ensino técnico não precisará cursar todas as disciplinas do ensino médio, apenas Língua Portuguesa e Matemática, e ainda assim receberá o diploma de ensino médio. Entretanto, a medida não contém pronunciamentos em relação ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que cobra assuntos de todas as disciplinas do ensino médio e hoje é a principal porta de entrada para as universidades do país. Dessa forma, é possível observar uma certa contradição nesse e em outros pontos da reforma, como a mudança da Base Nacional Curricular Comum, que também dificultaria o ingresso na universidade através do Enem.

Repercussão

Antes mesmo de ser sancionada, a proposta já vinha sendo criticada por diversas organizações estudantis e também pelos professores. A União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), em Sergipe, através do movimento REBELE-SE na UBES, publicou nota em página oficial do Facebook em 3 de novembro de 2016 posicionando-se sobre a MP. “A medida está longe de resolver os problemas da educação e possui uma série de contradições e aspectos negativos”.A União ressalta que considera que, ao dar ao estudante a opção de cursar apenas as disciplinas técnicas, o governo na verdade pretende privá-lo de um pensamento crítico e prepará-lo apenas para o mercado de trabalho tecnicista para suprir interesses empresariais. O movimento propõe ainda que, em vez de exercer a mudança proposta, o governo preste auxílio àqueles alunos que precisam conciliar o emprego com a formação escolar, que é a realidade de muitos jovens brasileiros.

Por outro lado, a Secretaria de Estado da Educação informou que os planos de Sergipe para a reforma estão em fase de tramitação e as discussões passarão a ser trazidas em reuniões a partir do mês de março. Entretanto, a Secretaria já adianta que acredita que a reforma contribuirá para a valorização do ensino técnico e profissionalizante no estado, ampliando as ofertas de cursos e as possibilidades de inserção de jovens com formação técnica no mercado de trabalho.

Sentindo na pele

A visão dos alunos do ensino técnico não é muito diferente da exposta pela UBES. A aluna Brunna Martins, 16 anos, cursa o último ano de Rede de Computadores no Instituto Federal de Sergipe, campus Lagarto,e conta um pouco da sua visão sobre o assunto. A estudante, assim como muitos de seus colegas, não escolheu o ensino técnico por desejo de seguir a carreira na área, mas sim por ser uma oportunidade de ensino melhor que as demais instituições públicas da sua região. Ela pretende cursar Jornalismo na Universidade Federal de Sergipe, pois, além de querer aprofundar seus conhecimentos em áreas em que ainda não teve oportunidade, acredita que as portas abertas para o mercado de trabalho são muito maiores quando se tem o diploma de nível superior.

IFS é muito procurado por oferecer uma qualidade
de ensino superior às demais instituições da cidade.
A aluna afirma que, apesar de o Instituto não ter feito nenhum tipo de pronunciamento até o momento, está ciente de grande parte das possíveis mudanças, e nada satisfeita.A proposta de conceder o diploma de ensino médio ao aluno que cursar apenas as disciplinas técnicas preocupa Brunna:“Me parece uma atitude de má fé, usando da necessidade de várias pessoas de conseguirem um diploma o mais rápido possível para entrar no mercado, as privando do conhecimento que não é técnico, e as transformando em indivíduos facilmente manipuláveis”. Além disso, a estudante ressalta que são muitos os problemas estruturais e financeiros enfrentados pelo IFS, e não vê de que forma o país poderia investir em mais escolas voltadas para esse tipo de ensino se já não dá conta das existentes. “Me parece, no mínimo, uma atitude impensada”, conclui.

Já o que mais inquieta a estudante Polyanna Fernandes, 16, do primeiro ano de Redes de Computadores, é a pressa com que foi executada a proposta e também a ausência de discussões e debates acerca da Medida, tanto por parte do governo quanto de educadores e instituições de ensino.Assim como Brunna, Polyanna afirma que o IFS não tem se pronunciado sobre o assunto nem promovido nenhum tipo de preparação para as possíveis mudanças. “As conscientizações e debates feitos até então foram organizados pelo grêmio. Apenas um evento que foi realizado há poucas semanas, dos professores de Sociologia e Filosofia, pode ser considerado como algo feito pela instituição e seu corpo docente”. O sigilo não é sentido apenas pelos estudantes do Instituto. A Pró-Reitora de Ensino Sandra Costa alegou que, infelizmente, não está autorizada a se pronunciar sobre a MP 746 devido a questões institucionais.

Por conta de tantas inquietações e dúvidas, Polyanna procurou se informar sobre a reforma e não se sentiu nem um pouco contentada. Apesar de não estar satisfeita com o modelo atual de ensino, a estudante acredita que a reforma não trará melhoras, pois grande parte das propostas acabam desvalorizando o trabalho do professor e também trazendo o desestímulo ao pensamento crítico, o que não torna o ensino médio nada atrativo para ela.

Sob um olhar experiente

O professor de Química Albérico Lincoln leciona há 22 dois anos no ensino médio tradicional e há sete no técnico, e chama atenção para a grande diferença entre o perfil de estudante da escola particular onde trabalha atualmente, Colégio Módulo, e do IFS. Albérico aponta que, enquanto seus alunos do Módulo são muito estimulados a ingressar na universidade, grande parte dos alunos do Instituto possui vulnerabilidade socioeconômica e vê no ensino técnico e profissionalizante uma oportunidade de ingresso mais rápido no mercado de trabalho.

“Os alunos do Instituto são muito disciplinados, pois veem o ensino como a chance que não podem perder”. Apesar disso, o professor acredita que esses alunos também pretendem cursar o nível superior, mas a proposta do governo acabaria desestimulando ainda mais esse desejo.Albérico possui no currículo, além dos diplomas em Engenharia Química e Licenciatura em Química, a formação técnica na mesma área, e se mostra também contra a proposta do notório saber: “Se o professor não dominar um laboratório, ele não vai passar bem o conteúdo. O aluno acaba empurrando o curso com a barriga”.

“Eu vou estudar o quê?”

Aluna de Albérico no Colégio Módulo,Tayana Costa, 15, está cursando o primeiro ano do ensino médio e afirma que não se sente suficientemente informada sobre a Medida Provisória, mas está ciente de algumas das propostas, e a que mais lhe chama atenção é a mudança na Base Nacional Curricular Comum (BNCC). A estudante pretende cursar Medicina, mas se coloca no lugar de colegas que ainda não têm essa certeza e questiona a eficiência da proposta“Se eu não souber o que quero fazer, eu vou estudar o quê?”.

A estudante afirma também que o Colégio Módulo ainda não debateu o assunto com os alunos, e que preferia que nada mudasse, pois está satisfeita com o modelo atual do ensino médio brasileiro, não se sentindo preparada para as mudanças que presenciará .Tayana acredita também que a MP peca em relação à proposta do ensino técnico, pois hoje, com níveis tão grandes de desemprego, o diploma de nível superior é cada vez mais valorizado por quem almeja encontrar seu espaço no mercado de trabalho.

Colégio já promoveu discussões sobre a
reforma através das aulas de redação.
Já o estudante Luan Lima, 17, do terceiro ano do mesmo Colégio, vê as mudanças com um olhar mais otimista. Entretanto, questiona a forma demagógica como está sendo implantada, o que o leva a acreditar que as mudanças não surtirão o efeito esperado.Insatisfeito com o modelo atual de ensino, Luan acredita que o governo deveria sim promover mudanças, contanto que essas fossem debatidas com os principais afetados: professores e estudantes. O aluno ressalta que o Colégio Módulo tem discutido a questão por meio das aulas de redação das turmas de terceiro ano, em que o tema “Educação” foi posto em discussão, abrindo espaço para o debates obre a reforma.Luan prestará o Enem este ano para concorrer a uma vaga no curso de História. O estudante afirma que todas as disciplinas foram importantes para a preparação para o Exame, e acredita que a mudança na BNCC pode atrapalhar os alunos que farão a prova nos anos seguintes.

O vice-diretor da escola em que Tayana e Luan estudam, Paulo Mesquita, trabalha na área de gestão há mais de 20 anos, além de lecionar há mais de 30. Paulo afirma que o Colégio está aguardando o estado de Sergipe se pronunciar sobre as decisões, mas já se posiciona sobre algumas das mudanças. “Eu vejo uma certa lacuna na formação do aluno”, diz sobre a proposta referente ao ensino técnico. Entretanto, Paulo acredita que a mudança poderá ajudar a valorizar a formação técnica no Brasil, já que a realidade atual é diferente, apesar de questionar a eficiência das instituições de ensino técnico já existentes.Mesquita vê que, caso o estudante queira procurar um curso de graduação futuramente, será muito mais difícil conseguir ingressar numa universidade.

Formado em Engenharia Química e pós-graduado em Gestão de Empresas, o vice-diretor também opina sobre sobre o notório saber.Ele afirma que, apesar de ser algo que mereça atenção, acredita que não há problema em um profissional que detenha conteúdo lecione uma matéria para a qual não possui especialização, contanto que demonstre através de avaliações práticas que ele é capaz de passar seu conhecimento aos alunos. Para ele, nas disciplinas técnicas é muito mais importante que o professor possua experiência na área do que simplesmente um diploma.

Da teoria à prática

Robinson Cruz, 44 anos, hoje é analista do Laboratório de Microbiologia dos Solos da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Ele conta que sempre foi apaixonado por Química e, por isso, decidiu cursar a Escola Técnica em Química entre 1987 e 1989. Já trabalhava como técnico na área quando se deu conta de que as oportunidades no mercado eram muito maiores para quem possuía graduação, então decidiu cursar Licenciatura em Química. Lecionou durante 11 anos na rede de ensino pública e notou grande diferença no valor social entre as duas formações.

Cruz Acredita que o novo formato acabará excluindo os alunos do ensino técnico das universidades, pois só foi capaz de ingressar no ensino superior por ter tido uma boa base de todas as disciplinas do ensino médio durante o primeiro ano de sua formação técnica. Como professor, Robson acredita que a formação específica na matéria é fundamental para que o conteúdo seja assimilado pelos alunos, pois é necessário que, além de deter o conhecimento, o professor deve ter a competência de ensinar tudo aquilo que ele sabe, o que só é possível através de muita preparação.

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