3 de abr. de 2017

O novo ensino médio e a busca da democracia na educação


Sancionada no dia 16 de fevereiro de 2017 (quinta-feira) pelo presidente Michel Temer, a lei 13.415 visa a uma reestruturação no modelo de ensino médio,  além de atingir maior interesse dos estudantes, juntamente com uma flexibilidade e autonomia nas escolhas para um futuro não tão distante assim.

Contudo, ao contrário do que têm mostrado todos os favoráveis a essa mudança, a nova lei se encontra ainda em estágio de acomodação pelos envolvidos e dá margem a um alto grau de dúvidas e questionamentos que permanecem, até o momento, em aberto.

Alunos do colégio Amadeus comemoram aprovação
Dentre as alterações no novo ensino médio, estão a mudança na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o aumento da carga horária de 800h para 1.400h mínimas anuais, o que viabilizaria o ensino integral. Acontece que para algumas escolas isso já é uma realidade. É o caso do Colégio Amadeus (localizado no Centro de Aracaju), que alcançou o 5° lugar na lista das 100 escolas de Sergipe que obtiveram melhores médias no Enem 2015. “Hoje a carga do ensino médio é uma carga horária mais ampliada...eles [os estudantes do ensino médio] estudam pela manhã, normalmente têm aula de aprofundamento à tarde, então, se tivessem que ficar no integral não ia ser muita dificuldade”._ avalia Antônio Souza, coach de carreira do Colégio Amadeus.

Com a mudança na grade, ao aluno serão ofertadas todas as disciplinas entre o 1° e metade do 2° ano do ensino médio. Na segunda metade do 2° ano e 3° ano completo serão obrigatórias apenas português, matemática e inglês, O restante da grade será composta por um dos cinco itinerários oferecidos ao aluno: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências humanas e Sociais, e formação técnica-profissional. Diego Damasceno, que leciona História no Colégio Amadeus há 10 anos critica essa mudança, para ele: “Retirar as matérias de humanas da grade é um absurdo em uma sociedade que carece de pessoas críticas”, ele acrescenta que o ensino dos conteúdos será dado de modo “rápido e atropelado”. 

Para o professor de Geografia Ilton Feitosa, que há quase quatro anos leciona na Escola Estadual
Alunos da Escola Estadual Dom Luciano em excursão em São Cristóvão 
Dom Luciano, também localizada no Centro da cidade (85° lugar dentre as 100 escolas com melhores médias de Sergipe no Enem 2015), a mudança não leva em consideração questões relacionadas ao professor e ao aluno, que irão participar do novo ensino médio. O que pode torná-lo muito pior do que é hoje, “Quando não se prestigia disciplinas da área de Humanas, pode ser que não seja levada em consideração a formação das pessoas ligada à cidadania”. Ilton Feitosa questiona_ O que esperar de um jovem que não tem conhecimento do seu país e do mundo? E alerta para as conseqüências: “Os alunos podem se sentir atraídos por determinada área do conhecimento e evadir, e o professor fica sem público para poder tocar seu trabalho. Muita coisa pode acontecer com esse novo ensino médio. Nada é sem propósito, nada é um tiro no escuro. Tudo já tá sendo formatado com uma visão de médio e longo prazo”.

Nesta mesma perspectiva, Viviane Ferreira, professora de Redação do Amadeus, critica a tentativa de retirar Educação Física da grade, chamando a atenção para os altos índices de obesidade e colesterol ruim alto em crianças. Para ela, manter a disciplina na grade é “incentivar a prática de esportes e propiciar cidadania”. A professora considera muito prematuro afirmar qualquer coisa sobre os efeitos da proposta.

Primeiras mudanças

A mudança ocorrerá gradativamente, e apesar das escolas não serem obrigadas a aderir imediatamente, a estimativa é que até 2019 pelo menos 500 mil jovens estejam matriculados em ensino em tempo integral.­ “Por enquanto, somente o 1° ano vai aderir ao ensino integral, os outros continuarão da mesma forma até que essa demanda se forme. Será uma mudança gradativa”, informa Marli Barreto, diretora do Dom Luciano. Segundo ela o número de docentes pode reduzir, já que será preciso fazer um processo seletivo e nem todos passarão.

O novo modelo de ensino médio provoca nos docentes envolvidos no debate posicionamentos controversos e, nos alunos, a oportunidade de fazer escolhas. Porém, esta é apontada como duvidosa. Responsabilidade atribuída ao aluno de escolher cada vez mais cedo “O que ele quer ser quando crescer”. Caio Haziel, estudante do 3° ano do Colégio Amadeus confirma: “Penso que otimizaria o meu tempo e eu focaria mais nas matérias que eu necessito para o curso que eu quero passar”. Mas ressalva a carga de responsabilidade e riscos que significa, fazer a escolha sem um suporte dado por profissionais instruídos para tal. “Ela é muito prejudicial quando não se tem uma base e nenhum meio...nada que te ajude a escolher, em contrapartida, ajuda bastante à pessoa que já está decidida”.

Para alguns estudantes como Gislaine Rocha, 17 anos, que estuda o 3° ano na Escola Estadual Dom Luciano, a chamada “atratividade” do ensino médio, que propicia ao aluno o estudo de disciplinas que lhes são mais agradáveis, é vista com maus olhos.“Acho que cada um tem que passar pela dificuldade e têm pessoas que vão ter dificuldades em umas ou outras e não é por causa disso que vai deixar de saber. Tenho certeza que eles [estudantes de escola privada] vão estudar tudo, então, como já tem aquela questão que escola pública sabe o mínimo e eles sabem mais acho que isso vai se enfatizar mais ainda.”. Esta opinião é compartilhada por Ana Eduarda, 14 anos, aluna do 9° ano do Colégio Amadeus: “Acho muito negativo, porque vai limitar o que você vai saber ou não”. 

Promessas de investimento

O governo afirma que vai investir R$ 1,5 bilhão para converter escolas públicas para tempo integral. O valor a ser pago é de 2 mil reais anuais por aluno, o que equivale a quase R$ 167,00 ao mês.

A lei N° 13.415, de 16 de Fevereiro de 2017, deixa explícito que a verba destinada às escolas que aderirem ao novo ensino médio advirá do Ministério da Educação por um prazo de 10 anos, contados a partir da data de implementação do novo ensino médio na escola. Mas não leva em conta as limitações orçamentárias impostas pela PEC 55 para os próximos 20 anos.

 “Como já estudo no colégio estadual há um tempo, eu não acredito na melhoria total porque eles do nada disseram que iam trazer uma verba e a gente sabe como é a reforma do colégio estadual, né? Dura muito tempo para poder fazer alguma coisa. A licitação da quadra do Dom Luciano saiu desde o ano passado e começou a reforma tem umas duas semanas, então já se vê daí”._ afirmou Gislaine Rocha, com a qual concorda sua colega Vitória Mariz, estudante do 9° ano do ensino fundamental da mesma escola.

Já Marli Barreto, diretora da Dom Luciano há três anos, mostra-se otimista “ Pode ser válida, desde que se faça com responsabilidade”. Para ela, há chances de dar certo, pois eles receberão verba para a estrutura do colégio: banheiro, refeitório, vestuário.

Esta não é uma preocupação para os estudantes do Colégio Amadeus, que gozam de excelente estrutura, onde nada lhes falta. A escola dispõe, além do ensino fundamental e médio, de pré-vestibular e cursinho assistente, específico para quem deseja o curso de medicina. A estudante Vitória Silva, 3° ano, que desde o 1° ano decidiu cursar Direito após uma atividade feita em sala, em que se simulava um julgamento, torna ainda mais clara a disparidade: “Aqui no Amadeus eles proporcionam coach, o coordenador do ensino médio da gente está sempre ligado na gente, os professores são muito atenciosos”. O coach Antônio Souza acha que provavelmente o Colégio adotará o novo modelo, mas afirma que, como é uma lei nova, a escola necessita de um tempo para amadurecer os prós e contras, para, então, traçar suas estratégias.          

Direito à igualdade?  
                                                                                                                
O novo modelo de ensino prega o seguinte princípio: “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. No entanto, a proposta não foi precedida de nenhum debate específico nem consulta aos principais envolvidos e afetados. Para mais, outro fator que espanta igualmente o público que vêm acompanhando a empreitada é a rapidez com que tal proposta foi tornada lei em um país conhecido pelo teor mais bruto da palavra burocracia.

Segundo a Constituição Federal (CF) de 1988, é assegurado ao cidadão o direito ao ensino com igualdade de condições e permanência na escola. Porém, há uma controvérsia no dado momento em que se sanciona uma lei que diz ser flexibilizadora, quando na verdade se mostra excludencial e equivocada. Se um aluno mora em um município que possui apenas uma escola de ensino médio e esta passa a seguir um viés único, como se pode dizer que ao aluno cabe uma escolha? Para Marcos Lima, estudante de Ciência da Religião na Universidade Federal de Sergipe (UFS): “Aluno pobre dificilmente decide o que quer. Ele é levado a fazer escolhas”.

Diante da disparidade de estruturas e oportunidades entre escolas públicas e privadas no Brasil, o “novo ensino médio” aumenta o risco de excluir alunos de instituições públicas  do ensino universitário , conformando-os com os ensinos técnicos ou cursos menos almejados na universidade. Já as escolas particulares, ao adotarem vários itinerários, permitão a seus alunos escolhas mais frutíferas e satisfatórias, aumentando a discrepância. 

Se há um problema na base, é algo que deve ser mudado na mesma, pois o que é o ensino médio hoje é resultado da base. Se a base for boa, o médio será. _Afirma Viviane Ferreira, professora de Redação do Colégio Amadeus. 

O estudante de Ciência da Religião na UFS, Marcos Lima afirma de modo crítico: “Não vai mudar de uma hora para outra, pois temos uma briga. Os professores sempre se manifestam e o que se vê é o caos e a desvalorização. E isso serve como propaganda para campanhas políticas, serve para manter a classe média e alta em sua zona de conforto e o pobre na sua zona, que não é tão confortável assim, cá para nós”._ brinca, como forma de amenizar a situação atual do país.

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