29 de nov. de 2011

Quatro continentes em sala de aula

Professores estrangeiros vencem os choques culturais e constroem carreiras em Sergipe 

Por: Gabriela de la Vega e Maria Beatriz Campos

A Universidade Federal de Sergipe (UFS) conta, atualmente, com 1060 professores efetivos, dos quais 40 são estrangeiros, segundo dados da Coordenação de Planejamento Acadêmico (Copac), distribuídos por diferentes cursos. "Acho que a experiência de ter um professor estrangeiro foi muito enriquecedora, por acrescentar informações e pontos de vista diferentes", disse Thiago Bomfim, estudante de Odontologia que já teve dois professores estrangeiros.

A curiosidade em relação a esses professores é natural. Por isso o Contexto Repórter traz a história de quatro professores vindos de diferentes continentes: Farshad Yazdani, asiático; Carlos Villacorta, sulamericano; Mélanie Letocart, europeia e Hippolyte Brice, africano. Eles contam um pouquinho das suas vidas e de como vieram parar aqui.

Farshad Yazdani, iraniano
O professor Farshad Yazdani, natural de Shiraz, no Irã, reside no Brasil há 12 anos. Recebeu um convite para fazer seu doutorado na Universidade de Brasília (UNB), depois esteve no Rio de Janeiro trabalhando em um projeto; em Recife, onde fez o seu pós-doutorado; e por fim em Aracaju, após a aprovação no concurso para professor visitante na UFS. Farshad afirma que não tem interesse em voltar para o Irã por questões financeiras. "Por enquanto estou mais resolvido aqui do que lá."
Ele, que aprendeu a língua informalmente, fala que às vezes sente dificuldade para ensinar. "Tem palavras que, no momento, a gente esquece, não lembra como fala, e gasta muita energia no momento que começa a falar." As diferenças culturais, para ele, são enormes. "Essa questão de, por exemplo, liberdade, que tem aqui, lá não tem. Algumas pessoas querem liberar toda a energia, ter uma vida selvagem, mas lá é impossível fazer isso. Primeiro, a sociedade não permite; segundo, a lei não permite, e em terceiro lugar, o governo não permite."
Há também a diferença entre os alunos. "Lá o aluno entra para estudar mesmo, não entra para namorar, não pensa em fazer farra no final de semana, essas coisas." Para Farshad, as pessoas no Irã já têm em mente o caminho que querem tomar após a graduação, no Brasil, os estudantes pensam que ter o diploma basta.

Carlos Villacorta, peruano
Carlos Alberto Villacorta Cardoso é peruano, nascido em Lima, mas criado na cidade de Trujillo. Está no Brasil desde 1986. Formou-se em Engenharia Elétrica no Peru, mas não estava satisfeito com as poucas oportunidades que a universidade oferecia após a graduação. "Como engenheiro, eu sentia falta de um conhecimento a mais. A minha ideia não era só pegar sistemas que vêm de fora, instalar e por para funcionar. Isso não me satisfazia muito."
Conseguiu ser aprovado para fazer mestrado na Escola Politécnica da USP - Universidade de São Paulo, e posteriormente o doutorado. Envolveu-se em vários projetos, mas depois "chegava um momento em que a gente tinha que abrir as asas", afirmou Carlos Alberto. Então ele fez um concurso para professor visitante na UFS e passou. Está satisfeito com sua vida no Brasil e não pretende voltar. "Voltar para o país seria como se um estrangeiro estivesse indo para o Peru de novo."
Carlos aprendeu o português rapidamente através do convívio com os colegas da USP. Para ele, as diferenças culturais nunca foram um problema, pois a adaptação é parte do processo de mudança de um país para outro. "Pouco a pouco a gente vai aprendendo e se adaptando e, sobretudo, entendendo." O professor considera a USP como uma das melhores universidades do Brasil e do mundo, mas diz que os alunos pouco diferem dos da aqui. "A diferença entre os alunos é nenhuma, já tive alunos muito bons que não deixam nada a desejar a nenhum outro."

Hippolyte Brice, beniniano
O professor de Antropologia Hippolyte Brice Sogbossi é natural da República do Benin e está no Brasil há 15 anos. Veio para cursar mestrado e doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, antes de passar em um concurso na UFS, esteve em Cuba, na Bahia e no Maranhão. Não precisou fazer curso para aprender português, pois familiarizou-se com o idioma durante as aulas da pós-graduação. Brice afirma que há poucas diferenças culturais entre Benin, Cuba e Brasil, mas que aqui ele nota traços de racismo. Quanto às diferenças entre as universidades em que esteve, ele conta que eram bem maiores que a UFS e que as notas de aprovação eram mais altas. Por enquanto, não tem planos de voltar para o seu país. "Gosto do Brasil, mas pretendo voltar para o cheiro da terra de origem, o Benin, após vários anos de trabalho no Brasil."

Mélanie Letocart, francesa
A professora Mélanie Letocart Araujo, natural de Lille, na França, veio para o Brasil há 11 anos, junto com seu ex-companheiro. "Vim direto para Aracaju porque ele tinha família aqui." A professora escolheu lecionar na UFS por ser o único lugar em que ela poderia ensinar Literatura Espanhola em Sergipe. "Fui a primeira graduada em Espanhol do estado. Cheguei na hora certa, pois o curso era novo  e eles precisavam de professores." Mélanie não pretende sair de Aracaju, já que ela e seus filhos estão bem acomodados aqui.
A professora explica que, por falar fluentemente espanhol e francês, o aprendizado da língua foi fácil. "A lógica gramatical no português, no espanhol e no francês são parecidas." Por essa razão, ela também não sente dificuldade para se expressar quando leciona. Vinda de outro continente, considera que as diferenças culturais são grandes. "No Brasil, o povo é mais caloroso do que na França, tem relações mais diretas. Quando vou para lá ou venho para cá, tenho um choque."
Na universidade, há diferenças também. "Na França, o professor universitário é sagrado. Aqui no Brasil as pessoas têm mais abertura com o professor, mais diálogo. Os alunos daqui têm que entender que os estudos são por mérito. Há uma frase, ʻcorrija a minha prova com carinhoʼ, que eles sempre dizem. E, na França, somos mais motivados pelas questões estudantis."


O CASO DO ESTUDANTE “PERUANO”

Na última semana, um estudante com forte sotaque latino-americano saiu de sala em sala na UFS, contando que viera para a Universidade estudar, mas que seu país de origem havia cortado as verbas e que ele precisava de dinheiro para comprar a passagem de volta, segundo relatos de estudantes que presenciaram o fato. Adson Vinícius, estudante de Jornalismo, conta que "ele disse que veio fazer intercâmbio no Brasil e, como o país de origem dele não custeou o intercâmbio, está sem dinheiro para voltar". Sua colega Luciana Maria completou: "Ele disse que estudava na UFS. O nome ele não disse, mas disse que era do Peru." Indagado pela nossa equipe, ele afirmou que estudava Direito, marcamos uma entrevista, mas ele não compareceu. De acordo com a Pró-reitoria de Graduação, a UFS tem, ao todo, 22 alunos de intercâmbio, porém a professora Renata Mann, coordenadora de Assuntos Internacionais e Capacitação Docente e Técnica, informou que não há nenhum registro de estudante peruano atualmente na UFS.

Um comentário:

Profª Cris - Português sem complicação! disse...

Achei a reportagem muito relevante porque nos mostra como as diferenças culturais não são tão importantes quando se tem uma meta na vida.
Cristina Leite.