5 de jun. de 2011

"Meu nome é trabalho"

Bainana de 72 anos recusa-se a deixar de ser empreendedora.


Por Victor Limeira

Terminologia comumente empregada para adjetivar homens, “Workaholic” (que em português significa viciado (a) em trabalho) é a melhor expressão para definir a baiana de Feira de Santana, que, aos 72 anos e sem nenhuma necessidade financeira, trabalha todos os dias e ainda "inventa" novas atividades.

Dona Ana Maria Dórea Limeiraseria uma mulher comum se toda sua história tivesse se passado nos dias de hoje. Freqüentemente a TV aborda a vida de mulheres que se dividem entre marido, filhos e profissão, que são chefes de família e têm destaque no mercado de trabalho. Mas viver isso há 50 anos em uma sociedade altamente machista e preconceituosa era impensável.

Hoje ela não acorda cedo, nem tem uma rotina planejada. Hoje precisa se dividir entre trabalho e consultas médicas, embora a saúde muitas vezes fique em segundo plano. Sem horários e com uma organização que ela entende , é impressionante vê-la cumprir todas as tarefas até o final do dia. Não sabe dirigir, mas já perdeu a conta de quantos motoristas teve ao longo da vida. “Eu pago salário, pago hora extra, mas eles não suportam o meu pique”.

Vendedora nata, persuasiva e bem articulada., desde muito nova teve sua vida atrelada ao comércio. Dona Ana foi criada pela sua avó, “Dona Nininha” em uma casa humilde, mas onde nada lhe faltava. Do legado da matriarca, o que ficou de mais importante foi o exemplo de uma senhora que não dependia da figura masculina para viver, “Dona Nininha” fazia doces e sabão para vender para os vizinhos e Ana já ajudava.

Há 50 anos, Dona Ana casou-se com um pernambucano retirante da seca, José Limeira da Silva, com quem vive até os dias de hoje. Juntos tiveram seis filhos, do mais velho para o mais novo, uma diferença de menos de 10 anos. “Não parei de trabalhar durante as gestações, gravidez não é doença”. Muitas mulheres se acomodariam diante dessa situação, mas ter seis crianças que dependiam diretamente dela para viver, fez crescer a sua sede por trabalho.

Durante muito tempo teve lojas no centro da cidade, principalmente de calçados, mas também vendeu roupas e acessórios. Vendia, administrava, negociava com representantes, viajava para fazer compras em São Paulo e Caruaru (PE). Estudou somente até o ensino médio, por que naquela época a educação não era tão importante como nos dias de hoje.Contudo, domina as principais operaões matemáticas, porcentagem, juros e, principalmente, os lucros. Não conhece todas as fórmulas, por isso faz uso da dedução e da lógica para fazer os cálculos.

Seu marido a ajudou bastante e toda renda extra que juntavam, sobretudo no São João e no Natal, era destinado para á compra de imóveis, a fim de garantir a aposentadoria e o futuro dos seus filhos. O centro comercial cresceu muito e o número de lojas multiplicou-se, então o comércio não dava mais lucros como antigamente e os filhos também não queriam que a mãe continuasse com a loja, argumentavam que ela já estava cansada e deveria então desfrutar os louros dos anos de trabalho.

Dona Ana Maria então fechou a sua loja, mas isso não significava que ela estava se aposentando. Muito pelo contrário, apesar de não saber cozinhar e nunca ter desenvolvido nenhuma atividade nesse setor, montou uma fábrica de bolos caseiros, trabalhava sob encomendas e também para vender no interior. Em paralelo a essa atividade levava no fundo do carro o restante da mercadoria que sobrou de sua loja para não sair no prejuízo.

Anos depois, ainda no segmento alimentício, ela abriu um restaurante popular, para servir PF (Prato Feito) e "'a la carte", seu estabelecimento servia café da manhã, almoço, lanches e café noturno. O funcionamento do restaurante era ainda mais desgastante do que a da loja, pois abria mais cedo e fechava mais tarde. Além do que é era uma atividade que ela não dominava plenamente, então dependia diretamente de outras pessoas. Resolveu então arrendar o empreendimento para outra pessoa administrar.


Celebração para comemorar os 50 de anos de casados, entre amigos e familiares (arquivo pessoal)

Mas ficar parada, literalmente, não combina com uma “workaholic”. Há alguns anos ela conheceu uum aromatizante de interiores, à base de fragâncias naturais com propriedades terapêuticas. Visionária, comprou a ideia e pediu ajuda a seus filhos para realizarem a produção. " Não consigo ficar parada, meu nome é trabalho".

Contrataram um químico, construíram laboratório, formaram equipe de marketing e vendas. Hoje continua trabalhando no seu empreendimento, fornece o seu produto para grandes empresas locais, casas, consultórios médicos e lojas, tem uma equipe de vendas no interior e em outros estados como o Rio Grande do Norte e Pernambuco. Além disso recebe também pelos aluguéis dos imóveis que construiu ao longo de sua vida.

Reconhece os efeitos do tempo e diz não ter mais o mesmo fôlego de antes, mas não se considera incapaz simplesmente por ser mais velha. Reclama das dores nas pernas e também dos excessos de feriados, conhece os clientes pelo nome e fez a maioria dos seus amigos no trabalho. Não vende mais “fiado” sem conhecer a pessoa e diz que o mundo está mais desonesto.

Não precisa mais trabalhar, mas não vê sentido em ficar em casa esperando o tempo passar. Quando indagada sobre quando vai finalmente se aposentar, é categórica: “Não pretendo parar de trabalhar, eu gosto disso, é o que eu sei fazer, posso não precisar mais do dinheiro para viver, mas ele me ajuda nas despesas, preciso ajudar meus filhos a criarem meus netos e farei isso até quando tiver forças”.

4 comentários:

Caio Mercês Santos disse...

Dona Ana realmente é um exemplo a ser seguido. E Victor, esse texto mostrou que você evoluiu muito na sua técnica redacional. Parabéns!

HAMILTON disse...

Tenho muito orgulho de ser o filho primogenito desta mulher, acompanhei de perto todas as suas lutas e o maior legado que me passou foi a sua coragem, honradez e perseverança, hoje as portas de fazer 50 anos,as vezes ainda sou o seu menino, vou la deitar no seu colo e pedir auxilio para resolver os problemas da minha vida, obrigado dona ANA, és a melhor mãe que um filho poderia sonhar. um grande beijo. Parabéns Daniel pelo excelente trabalho de reportagem, acredito muito no seu trabalho.

arthur disse...

Esse texto realmente define D. Ana Maria, parabéns !

Bruna Moura disse...

Adorei !!! :D