5 de jun. de 2011

"Sou a bonequinha da família"

A vida dupla da transexual Dafnne Victoria e da estudante Valldy de Cruz

Por Andréa Cerqueira

Pressão social, mudanças culturais e legais intensificam o movimento anti-homofobia, abrindo espaço para a expressão pública de pessoas de diferentes orientações sexuais. É o caso da transexual Dafnne Victória, que se "traveste" de Valldy de Cruz no dia-a-dia para não criar constrangimento na Universidade e no trabalho. Neste depoimento ao Contexto Repórter A, ela revela toda a sua feminilidade, mesmo ainda aguardando a cirurgia de adequação sexual.

Com blush na face, uma flor no cabelo e vestido rodado, é assim que a transexual Dafnne Victoria, nascida em Canindé de Sâo Francisco, se apresenta para a entrevista. Ela prefere vestidos a calças compridas, que usa em ambientes mais formais, como a universidade e o trabalho, para evitar constrangimentos como as outras pessoas. Ela se expressa de forma sincera e clara, com palavras cultas, portando-se como uma mulher de fato, ao mostrar um lado romântico em relação aos sonhos de sua vida.

De 12 irmãos, quatro já falecidos, é o penúltimo filho, considerando-se como a ‘bonequinha’ da família. Aos 27 anos, diz não ter vivido muitas paixões, porém está preparada para experiências que estão por vir. É militante do Movimento Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Simpatizantes (LGBTTTs), e acredita que mesmo com essa luta em busca da aceitação perante a sociedade e as modificações constitucionais que atendem algumas prerrogativas de homossexuais, "o mundo não mudará tão cedo".

Infância

"Eu me descobrir homossexual entre os seis e sete anos em Canindé do São Francisco, sertão sergipano, onde eu morava. Não tive ninguém que me orientasse, então só quando fiquei mais velha é que percebi o que eu era. A partir desse momento começou minha trajetória, com muito sofrimento, tentativa de suicídio, depressão, porque ser homossexual era coisa de novela, diferente da minha realidade, por ser algo incomum onde eu morava. Lá não tinha ninguém que dissessem que era gay.

Sozinha, fui me descobrindo, primeiro aquele menininho, depois menininha, e por fim uma mulher”. Foram momentos difíceis, principalmente na escola, porque ocorria muito xingamento e eu não entendia o motivo; lembro que eu chorava muito e não entendia. Claro que sabia que eu era diferente, mas não entendia que diferença era essa."

Família

"Minha família sempre me apoiou, principalmente minhas irmãs mais velhas. Mas como há sempre percalços no caminho, meu irmão me batia muito para que eu mudasse meu comportamento. Ele não me bate mais, porém ainda não me aceita.

Já meus pais nunca disseram nada, pelo contrário quando estou na casa deles (em Canindé do São Francisco) que me produzo para festas da cidade, eles gostam. Sou a bonequinha da família. Entretanto, eles tentam fazer de conta que não sou assim, tentam não enxergar a realidade, como em outras famílias.

Apesar de não receber orientação nenhuma em relação à opção sexual que tive, não guardo mágoa, até porque eles não tiveram estudos, viviam na roça, é difícil até para eles. Por isso homenageei minha mãe ao usar o nome Victoria Maria no inicio da minha transformação, por ser o segundo o próprio nome dela que é minha fortaleza, meu baluarte".

Preconceito


"O preconceito é da sociedade em geral, que acha que ser homossexual é uma aberração. Lembro-me de um carnaval, há dois anos na cidade onde nasci, que quando fui entrar no bloco ouvi muito insulto e por mais que quisesse não conseguia reagir. Da mesma formaacontece no dia-a-dia. Pessoas falsas que me abraçam, dizem que me amam, mas não gostam de mim. É pura hipocrisia, fazem isso apenas para aparecer, para serem vistas como nobres por aceitarem um 'alienígena'.

O fato preconceituoso que mais me marcou aconteceu também em Canindé, praticado pleo meu vizinho, que me agrediu verbalemente. Depois disso dei queixa na delegacia e abri um processo contra ele. Entretanto, o que mais me machucou foi na audiência, quando minhas testemunhas não apareceram. Então esse vizinho inverteu a situação ao dizer que eu havia dado em cima dele. Piorando o fato, quando o juiz questionou se eu não havia realmente feito aquilo. Esse foi o fim para mim, porque me senti humilhada, sensível aquela situação na qual minha vida ficou totalmente exposta. Por isso que em muitos casos de agressão contra homossexuais, os agredidos não denunciam, pois a própria justiça nos coloca em situações constrangedoras.

O cotidiano de um transexual não é fácil. os olhares são diferentes, na faculdade, no trabalho. até não bebo água para evitar ir ao banheiro, por que ainda tenho que usar o masculino. Passei por coisas que as pessoas nem sequer imainam, mas foi tudo muito profundo, intenso. Hoje vejo como é rica minha vida. Todas as lacunas foram preenchidas pelo amor de Deus, que é intenso e infinito. Ele me lapidou e hoje sou uma nova pessoa. Tudo o que passei foi fundamental, essencial para o meu crescimento".

Relacionamento

"Minha primeira relação sexual foi aos 24 anos, com um primo. Acho que demorei muito, porém já estava preparada. Amo demais o sexo, mas precisa ser feito com amor e muito carinho. Sou extremamente romântica. Adoro receber flores, chocolates, bilhetinhos e cartas apaixonadas. Então, na minha concepção o amor é base de tudo, é a essência para qualquer relacionamento se manter firme e forte.

Tive poucos namorados, porque preferi focar nos estudos e no trabalho. Contudo estou 'enrolada' no momento. Minha família sempre soube dos meus namoros, até porque sempre frequentaram minha casa, principalmente nos finais de semana, quando organizávamos almoços coletivos regados a guloseimas. Mas meus pais sempre usaram do artifício de fingir não saber que eu sou 'diferente' dos meus irmãos. Apesar dos pesares, vivemos bem".

Sonhos

"Meu projeto de vida profissional é ser jornalista. Desde quando trabalhava na prefeitura da cidade, percebia que faltava revista, jornais que publicassem os eventos, então me propus a fazer a Coluna Valddy de Cruz, veiculada mensalmente por e-mail. Quando vim para Aracaju, em 2010, a coluna virou um blog ainda focado nos eventos de Canindé, mas com informações cedidas por minhas fontes que residem lá, concretizando assim meu sonho.

Já no meu projeto pessoal tenho ajuda da minha amdrinha, também transexual, Adriana Lohana, no processo para dar entrada no tratamento d emudança de sexo, que dura 4 anos, entre acompanhamento pscicológico e cirurgia. Mas o valor da adequação sexual varia entre R$ 80 e 100 mil reais, por isso estamos tentando fazer pelo Sistema ùnico de Saúde (SUS).

É no Hospital Universitário Pedro Hernesto, que está localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro, onde pretendo realizar a cirurgia, tendo como médico responsável o renomado Eloísio Alexsandro, que tem vasta experiência no ramo de 'transexualização'. Depois da cirurgia a pessoa fica com um molde para dar forma da genitália feminina, que é de certa forma dolorida pelo que li em uma revista, mas é algo que vale a pena. A partir daí é que vou me sentir mulher, mesmo a sociedade não me vendo assim.

O que eu realmente quero é me casar, ter filhos e encontrar meu príncipe, afinal que mulher não sonha com isso?".

Adequação do Código Cívil às normas sobre Homossexuais
"É uma vitória para nós, mas só isso não é o bastante. Queremos casar, mesmo que não seja no religioso, mas que seja no civil. Só assim nos sentiremos iguais aos casais 'normais'. Ainda é preciso mudar a cultura da sociedade, por que mesmo com essas novas leis, as pessoas não enxergam isso como direito e sim como desigualdade. Haverá muita humilhação e xingamento porque o mundo não mudará tão cedo, a geração que virá depois de mim ainda verá tudo isso. Porém não me canso, estou sempre na luta por que a vida de um transexual não é fácil".


Consoante o novo Código Civil, a mudança ocorrida com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que está relacionado à comunhão parcial de bens; pensão alimentícia em caso de separação judicial (pela justiça); pensões do INSS em caso de morte do parceiro ou parceira; planos de saúde quando concedido por empresas, nas quais, um esteja empregado, colocando o companheiro ou companheira como dependente; políticas públicas em uma tentativa de abranger em todos os tipos de políticas; imposto de renda para declarar o outro ou outra como dependente; sucessão ou herança como falado popularmente; licença-gala equivalente a uma licença pós casamento, ou união; direito à adoção. Estes foram os direitos adquiridos pelos homoafetivos, mas o principal deles segundo a concepção do entrevistado, é o casamento civil, por dar suporte de fato à relação homossexual.


Para conhecer a Coluna Valldy de Cruz acesse: http://colunabyvalldydecruz.blogspot.com/

As fotos são do acervo pessoal de Dafnne, exceto a primeira e penúltima, que foram tiradas pela repórter.


Nenhum comentário: