1 de jun. de 2017

Novo ensino médio: o caminho polêmico

Por Netto Ribeiro

No dia 16 de fevereiro deste ano, o presidente Michel, sancionou a lei que cria o novo ensino médio no Brasil. Acompanhe sua trajetória:

Os primeiros passos: A MP

O presidente Michel Temer lançou, no dia 22 de setembro do ano passado, a Medida Provisória n° 746 que estipula mudanças no ensino médio brasileiro. Segundo o Ministério da Educação, a proposta é uma resposta do governo federal aos baixos índices de qualidade apontados pela pesquisa recente do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que indicou uma estagnação dessa fase de ensino no país.

Dentre os principais pontos do texto inicial, está o prolongamento gradativo da carga horária básica anual, que deve passar das atuais 800 horas às 1.400 horas/ano, atingindo o período integral. A flexibilização do currículo - que será dividido em duas partes, uma com matérias obrigatórias, uma com optativas -, assim como a retirada de disciplinas do componente curricular obrigatório e a permissão para contratação de profissionais de notório saber, também são itens em destaque que geraram controvérsias. O texto ainda traz o ensino profissionalizante com aulas práticas e teóricas como opção.

O governo investirá 1,5 bilhão para implantar o tempo integral nas escolas, em parceria com as secretarias de estado. A perspectiva é ter, pelo menos, 500 mil alunos matriculados em escolas com ensino integral até o final de 2018. Como a MP, durante a sua vigência de 120 dias, tem força de lei, a ideia era começar de imediato os preparativos para a implantação do projeto, porém, seria necessário aguardar a publicação da Base Nacional Comum Curricular(BNCC), documento que determina os conhecimentos que devem ser trabalhados nas escolas durante a vida escolar em todo país, prevista para o primeiro semestre deste ano.

IFS Campus Lagarto ocupado
 (Foto extraída do portal Lagarto Notícias) 
Apesar dos argumentos utilizados para justificar a urgência da Medida Provisória, vários segmentos sociais não deixaram de se manifestar contra a decisão do governo Temer. Estudantes desfavoráveis ao projeto ocuparam escolas de todo o país promovendo debates e opinando sobre a proposta. No interior do estado, o colégio Dr. Milton Dortas na cidade de Simão Dias (avaliado entre os dez melhores no Enem 2014), e o IFS Campus Lagarto ainda foram ocupados por estudantes no início deste ano.

A nova estrutura

Mais tempo na escola

A carga horária básica atual de 800 horas, progressivamente vai sendo ampliada, para chegar às 1400 horas/ano. O Plano Nacional de Educação(PNE) espera que 50% das escolas sejam contempladas pelo ensino integral e 25% das matrículas do ensino fundamental também sejam atendidas até 2024.

O currículo flexível

O novo currículo será dividido em duas partes: uma convencionada por uma base comum, obrigatória em todas as escolas, que não poderá ultrapassar 1.800 horas da carga horária total; Outra, composta por itinerários formativos nas diversas áreas do saber ou ensino profissionalizante.

Os estados terão autonomia

O componente curricular obrigatório não poderá exceder 1.200 horas da carga horária, podendo cada estado, organizar o currículo optativo de acordo com a sua realidade regional, cultural, econômica, social e ambiental.

Formação técnica

Será ofertada qualificação técnica profissional, com aulas práticas e teóricas, sem que seja necessário que o aluno esteja no ensino integral.

Aproveitamento de disciplinas

Concluindo uma disciplina, o aluno vai adquirir créditos que poderão ser utilizados no ensino superior ou técnico, não cursando uma disciplina já concluída.

O texto original apresentou lacunas em vários pontos, como por exemplo, no que diz respeito ao ensino de Educação Física e Artes. Disciplinas como Filosofia e Sociologia foram retiradas do componente curricular obrigatório e apenas suas práticas e ensinos foram garantidos no texto final. História e Geografia não são mencionadas. Várias entidades que representam diferentes áreas do conhecimento apontaram a medida do governo autoritária, a Sociedade Brasileira de Sociologia(SBS) diz que a MP “fere a Lei de Diretrizes e Bases da Educação prevista na constituição.” A Associação Nacional de História repudiou a decisão:

“A forma escolhida pelos atuais mandatários de apresentar uma proposta dessa envergadura que impacta diretamente todo o Ensino Médio e afeta a formação de professores por meio de medida provisória, escancara o caráter autocrático do governo na medida em que contraria as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais, atropela processos de debate em curso no país, inclusive no Congresso Nacional, e exclui segmentos diretamente envolvidos nas discussões como docentes, alunos e associações.”

A Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação(Anped) se manifestou e disse que a decisão é “autoritária e equivocada em conteúdo”. Instituições estudantis como a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas(UBES), também se posicionaram negativamente, criticou a flexibilidade do currículo, a carga horária e a falta de diálogo. Além disso, a instituição se preocupa com a efetividade do PNE(Plano Nacional da Educação) com a reforma.

A lei e suas controvérsias

Depois dos 120 dias do prazo de validade da MP, o Senado aprovou, no dia 8 de fevereiro deste ano, o texto original da medida e manteve todos os seus eixos, inclusive, as nebulosidades. A partir disso, o presidente Michel sancionou, no dia 16 do mesmo mês, a reforma do ensino médio.

No tradicional Colégio Estadual Prof. Abelardo
Romero Dantas a lei divide opiniões.
(Fotodo portal Lagarto Notícias)
Muitos pontos ainda são pouco esclarecidos, como por exemplo, qual será o critério para a admissão de profissionais de notório saber e no que isso implica para o aluno e para o magistério. Gisélia Duarte de Souza Muniz, secretária e membro da diretoria do Colégio Estadual Professor Abelardo Romero Dantas, na cidade de Lagarto, falou sobre a questão:

“Quando eu estudei ensino médio tive professores advogados, médicos. Isso não tirou o valor que eles tinham a me ensinar. Eu vejo uma desvalorização do professor, mas vejo que o notório saber é positivo para o aluno. Vejo uma perda para o professor. Passa, de repente, anos na universidade e de repente vê alguém tomando a sua posição.”

Com a nova lei em vigor, a comunidade escolar se preocupa com o futuro da escola no país. Pais, alunos, coordenadores, discutem mais do que nunca o assunto que tem gerado reações diversas. Ainda existem muitas dúvidas de como será a adequação à reforma. Sobre a implementação do ensino integral, Gisélia diz:

“Discutimos em parte, ouve uma rejeição por parte dos professores. Não tivemos esse tempo para discutir. [...] a teoria é uma coisa, a prática é diferente.”

A Medida Provisória foi votada com celeridade no Congresso Nacional, e a justificativa da sua urgência fez com que os alunos não fossem ouvidos satisfatoriamente, o que se pode deduzir pelas constantes críticas da classe à falta de diálogo. Matheus dos Reis de Oliveira, 17, recém-saído do ensino médio, problematiza:

“Ambíguo (o texto). Tem que ouvir os pais, que são experientes. Quem decide é o povo e não uma única pessoa por duzentos e poucos milhões. A maioria do que você apreende está no ensino médio, e se deixar vago a pessoa não vai se formar direito.” Ele fala sobre a retirada de algumas disciplinas do currículo.

Sobre a mesma questão da flexibilização, Débora Santana Ribeiro, 16, que acabou de ingressar no curso de Direito, nos diz:

“Creio que não seja um avanço, é claro que há seus pontos positivos, principalmente na questão profissional e técnica, mas, particularmente, eu não quero ver pessoas formadas apenas para exercer suas futuras profissões, eu enxergo o mesmo erro do modelo atual, alunos sendo preparados apenas para o vestibular e mercado de trabalho, cogito que o social, a cidadania, esteja ficando de lado.”

Quando compara o ensino médio que teve com o novo, Débora é pessimista:

“Pensando enquanto disciplina de Artes, poderia ser passada pra gente de uma melhor forma, completamente deixada de lado, o foco sempre foi Enem, e o incentivo ao lado artístico dos alunos não existiu, simplesmente não havia práticas. Então, eu vejo o quanto o Ensino médio que tive foi deficiente, mas fico ainda mais entristecida ao ver que a reforma traz os mesmos problemas, ou problemas ainda piores.”

Apesar da aprovação da nova medida transformada em lei, as discussões parecem longe de estancarem. O novo ensino médio surge como uma nebulosa surpresa no cenário complexo da educação no Brasil.

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