6 de jun. de 2011

Tobias Barreto

As polêmicas do gênio desconhecido


Por: Liliane Nascimento




Há 110 anos, quando Tobias Barreto já não era mais vivo, foi lançada a sua penúltima obra, intitulada “Polêmicas”. Organizado por Silvio Romero, o livro é encontrado com muita dificuldade e preservado, algumas vezes, entre exemplares raros. Mesmo não sendo uma obra biográfica, poucos títulos representariam a vida do sergipano melhor do que este. Enquanto viveu em Sergipe e na rápida passagem pela Bahia seu temperamento já causava algum alvoroço, mas foi em Pernambuco que vieram à tona as maiores genialidades e polêmicas, que não tiveram, nem uma nem outra, o devido reconhecimento.


Estão por todos os lados, são ruas, praças, teatros, escolas e até uma cidade chamada de Tobias Barreto. Se ele não fez nada importante por que tantas homenagens? E se fez por que se sabe tão pouco dele? Na verdade, é justo render-lhe respeito, ele revolucionou o direito sergipano, foi filósofo, jornalista, crítico literário, poeta e entre outras coisas esteve à frente da Escola do Recife, movimento cultural de ampla repercussão, que foi palco para algumas das mentes mais produtivas daquela época e desenvolveu temas como a abolição da escravatura.

Tobias Barreto x Castro Alves

No mesmo ano em que Tobias Barreto, matriculou-se na Faculdade de direito do Recife um jovem baiano de família rica, gestos finos, bonito e branco, como o sergipano não era, chamado Castro Alves. Ele e este rapaz, mesmo com muitas diferenças, tornaram-se amigos, defenderam-se e elogiaram-se publicamente. Até que na primeira desavença, incentivados pelos que queriam a disputa, tornaram-se rivais e mais tarde verdadeiros inimigos, trocando ofensas tão públicas quanto os louvores anteriores. Ofendido, o baiano chegou a prometer uma surra e um processo por injúria, mas acabou desistindo ou, como diziam alguns, enquanto Tobias arregaçava as mangas, Castro Alves preferiu não sujar os punhos de renda.

Para o filósofo a disputa tinha ganhado tons mais sérios, pois alguns entusiastas do poeta do condor reprovavam sua postura, antes de mais nada, por ser vaidade de um mulato contra um branco de boa família. A cor de Castro Alves só entrava em pauta porque o sergipano achava incoerente tanto pó-de-arroz e cuidado com a brancura em um homem que defendia os negros. “Ser poeta é mais alguma coisa do que andar (...) fingindo mágoas que não se sentem ou prazeres que não se gozam; é mais alguma coisa do que viver a beijar lábios de rosa. Ser poeta é sobretudo pensar...”. Para Tobias Barreto todas as causas eram contextuais e ele já notava que a dominação se fazia também quando ser belo e ser branco viravam sinônimos.

A cidade de Escada e Joaquim Nabuco

Depois de terminar a faculdade, o mulato mudou-se para a cidade de Escada (distante 63 quilômetros do Recife), onde se casou e protagonizou mais polêmicas, entre elas a que resultou na sua saída apressada da pequena cidade. Quando seu sogro faleceu, o sergipano ficou responsável por fazer a divisão dos bens entre os familiares e aproveitou a situação para libertar todos os escravos, inclusive os que não pertenciam a sua esposa, a confusão foi tão grande que ele teve, em alguns momentos, que resistir fisicamente aos que cercavam sua casa para prender os alforriados. A agitação continuou e, como os grandes proprietários da cidade não ficaram nada contentes, ele acabou retornando ao Recife, por motivos de segurança.

Em Escada ele se tornou ainda mais crítico e impaciente aos problemas sociais e criou inimizades novas e ainda mais públicas. Joaquim Nabuco era filho de uma das famílias mais tradicionais do país e deputado do Partido Liberal, eleito por Pernambuco; era abolicionista e monarquista e aí nasce a crítica. Tobias Barreto não podia aceitar que alguém argumente a favor da escravidão e apóie a monarquia, pois para ele, no Brasil, elas estavam mais do que fortemente ligadas, dependiam uma da outra. A história dá razão ao sergipano, a monarquia sobreviveu pouco mais de um ano após a libertação dos escravos.

O novo desafeto irritava-o em mais pontos: quando estava no Brasil defendia a indenização dos senhores de escravos, mas em solo inglês, longe da pressão dos proprietários, falava em libertação rápida e sem ressarcimento. Tobias Barreto era um homem de opiniões bem definidas e fazia da vida um exemplo de sua causa, por isso não via com bons olhos a incerteza de Nabuco. O mulato desaprovava a postura “aristocrática” e “superior” com que ele se apresentava no teatro ou em praça pública, dando segundo o próprio deputado “concertos de oratória”, que para o poeta pareciam incoerentes se considerada a situação humilde dos defendidos. Ofereceu-lhe então dúzias de sátiras, como o poema intitulado Dr. Joaquim Nabuco, de 1887:

Ó tu que vieste de Londres,
Com teu verbo eloquente,
A este povo beócio
Ensinar que negro é gente,
Falando de mão na ilharga
Qual figura de entremez,
Como quem dança a cachuca,
Ou quem bate o solo inglês,
O que dizes não tem senso,
O que escreves não tem suco:
És um cômico medíocre,
Não seja besta, Nabuco.

A igreja e Deus

Graças a alguns problemas com a igreja, no Maranhão, fez críticas tão duras à instituição e gerou tanta inimizade que o episódio rendeu ao historiador e memorialista maranhense Josué Montello um livro chamado A polêmica de Tobias Barreto e os padres do Maranhão. Um certo Padre Fonseca foi especialmente agraciado por ele em seus textos. “A raiz quadrada, da soma de todas as vacas, com que boli, de todas as cascavéis que assanhei, (...), é hoje o Padre Fonseca.”, Tobias Barreto não costumava ceder a pressões ou amansar o tom das suas críticas, em um poema cujo título é o nome do citado padre, diz não se importar com a crueldade da batina enfurecida contra ele e descreve o sacerdote como um “padreco” e uma “besta”.

Na verdade, nem Deus passou despercebido à crítica do autor de Dias e Noites que em seus primeiros versos já chamava a juventude a corrigir o “erro de Deus”. No soneto Ignoramibus, de cunho filosófico e considerado um dos mais belos do autor, ele revela uma técnica perfeita e, como não podia faltar, uma crítica aguda, dessa vez à divindade.

Quanta ilusão!... O céu mostra-se esquivo
E surdo ao brado do universo inteiro...
De dúvidas cruéis prisioneiro,
Tomba por terra o pensamento altivo.

Dizem que o Cristo, o filho de Deus vivo,
A quem chamam também Deus verdadeiro,
Veio o mundo remir do cativeiro,
E eu vejo o mundo ainda tão cativo!

Se os reis são sempre reis, se o povo ignavo
Não deixou de provar o duro freio
Da tirania, e da miséria o travo.

Se é sempre o mesmo engodo e falso enleio
Se o homem chora e continua escravo.
De que foi que Jesus salvar-nos veio?...

Se é possível a um homem estar a frente do seu tempo, então Tobias Barreto estava. Diferente de outros abolicionistas ele reprovou a lei ventre livre e não comemorou a lei áurea, para ele a primeira lei podia até tirar da escravidão, mas gerava analfabetos obrigatórios e a segunda lhe parecia incompleta, pois era necessário muito mais do que o direito de ir e vir, era preciso integrar o escravo liberto à sociedade. Seja pela hegemonia dos padrões sulistas ou por seu temperamento nada fácil, ele foi esquecido pelos estudiosos e pelos seus conterrâneos, o que não apaga suas atuações fundamentais e a sua genialidade. No seu tempo, quando era cheio de admiradores e ainda assim solitário ele parecia prever o futuro, em um poema chamado Pressentimento, datado de 1868:

No pó que habito não terei as rosas,
As doces preces que os felizes têm;
Pobres ervinhas brotarão viçosas,
E o esquecimento brotará também.

Um comentário:

Pseudokane3 disse...

Excelente citação para um registro apaixonado da trajetória de um homem brilhante! Eu já disse que era teu fã, Liliane? Pois sou! Obrigado por ter me apresentado a este polemista tão inspirado (risos) - WPC>