18 de out. de 2016

A revitalização do Velho Chico

Entre o desenvolvimento e a sustentabilidade

Por Alisson Mota e Leandro Gomes 

Obras da Transposição em Floresta-PE (Foto: Lalo de Almeida/Folhapress)
Desde o período colonial até hoje, a agricultura é uma das principais bases da economia do Brasil. Se antes eram as monoculturas de cana-de-açúcar e café, hoje há a diversificação da produção, com a agricultura de exportação de produtos como a soja, tabaco, algodão e frutas como o caju e o cacau, que representam 23% (R$ 1,1 trilhão) do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro – correspondentes ao único setor da economia a apresentar crescimento mensurável em 2015 no país, a agropecuária. 

Neste contexto, a região Nordeste desponta como uma das regiões que mais praticam a agricultura: segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), quase metade das pessoas ocupadas em atividades agrícolas no país residem no Nordeste. São 82,6% do total da mão-de-obra do campo em agricultura familiar, um potencial que poderia ser muito melhor explorado frente às outras regiões, se houvesse uma melhor estrutura de plantio e distribuição.

Com o desenvolvimento da agricultura no Brasil, algumas questões vêm à tona – principalmente aquelas que dizem respeito à prospecção de recursos para esse desenvolvimento das plantações –; cerca de 80% da água utilizada no país é destinada à agropecuária, segundo relatório da Agência Nacional de Águas (ANA). Num contexto global de falta de água, buscamos soluções para contornar o problema de modo que não haja prejuízo para a atividade econômica que mais cresce no país.

Iniciativas para melhoria da gestão dos recursos hídricos no Nordeste

Naquilo que tange especificamente ao Nordeste, há muito mais a se analisar, visto a situação da região – sobretudo na sua parte setentrional – que sofre todos os anos com as secas que afetam diretamente a produção no estado do Ceará e no Piauí, por exemplo, que não possuem rios perenes naturais e contam anualmente com menos de trezentos milímetros de chuva por ano, sob condições normais nas regiões rurais. Nesse sentido, algumas inovações nas técnicas de irrigação (como o uso do pivô central, da microaspersão e do gotejamento) são aliadas a outras medidas, relacionadas à gestão dos recursos hídricos na região.

Pivô central de plantação em Unaí-MG (Foto: João Romera)

Dentre estas, está o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (ou Transposição do Rio São Francisco), empreendimento do governo federal que já está orçado em R$ 9 bi – quase 50% a mais que o previsto quando do início das obras. O projeto parte do chamado Plano Nacional de Segurança Hídrica, apresentado pela ANA e pelo Ministério da Integração, que executa a transposição do rio de uma forma muito mais complexa do que o feito com o perímetro irrigado de Petrolina. Pelas estimativas oficiais da Embrapa, 1,4% da vazão que contempla os quase três mil quilômetros do rio, terá uma divisão em dois eixos – norte e leste – em mais de 960 milhões de metros cúbicos armazenados, a fim de abastecer quatro centenas de municípios e suprir o total de aproximadamente 12 milhões de pessoas.


O Velho Chico

O rio concentra 63% de toda a água doce dessa região e comporta cinco usinas hidrelétricas, que são o meio energético extensivamente mais usado no Brasil e, que assim como a produção agrícola, têm a água como elemento central. Ainda é fonte de renda pra dezenas de comunidades ribeirinhas, que sobrevivem da pesca e da aquicultura, além da exploração do turismo em toda a extensão do rio, com destaque para os Cânions de Xingó, na divisa entre Alagoas e Sergipe, nas proximidades da Hidrelétrica de Xingó.



Onde antes havia abundância em água, hoje se caminha tranquilamente (Foto: Anselmo Pereira Bittencourt)
Contudo, toda a sua importância econômica tem custado caro, pois é bastante visível – principalmente na região do baixo São Francisco – que o rio diminuiu de porte nos últimos anos. Antes percorria treze quilômetros já no mar, hoje ele é engolido pela água salgada na sua foz. Muito desse problema se deve à redução da vazão nas suas hidrelétricas, que diminuem o volume de água e contribuem para o assoreamento, formando bancos de areia no leito do rio (as “crôas”), além do desmatamento nas proximidades das nascentes.

A revitalização enquanto saída possível

Diante do atual quadro da Seca no Nordeste – que já é a maior em 50 anos e colocou 1.100 cidades em situação de emergência, além de diminuir a produção agrícola – os problemas do Velho Chico se acentuam e põem em xeque a obra da transposição. Independentemente do nível de impacto que a obra terá no leito do rio, é unânime que são necessárias medidas para recuperar o São Francisco.

Segundo o diretor do Ministério do Meio Ambiente, Renato Saraiva, há a possibilidade de investimentos na ordem de R$ 30 bilhões, a partir de projetos que visem a revitalização, nos próximos 10 anos. A estimativa parte do plano gestor dos recursos do rio, promovido pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF).

Em entrevista à Agência Brasil, em agosto passado, o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, defendeu que as intervenções no rio com o intuito de recuperá-lo devem ser aliadas a outras medidas: “Ao fazer o programa de revitalização, é preciso compatibilizá-lo com outras agendas, como saúde, indústria e economia em geral. São agendas que avançam paralelamente, mas as agendas da revitalização precisam ser conceituadas de forma precisa”. 

Com o avanço das obras da transposição, surge a necessidade de que essas medidas sejam postas em prática pelos estados que são banhados pelo Velho Chico e pelos que o serão após a obra. Ainda que seja uma realidade distante, há pelo menos a intenção do Poder Público e o desenvolvimento de projetos que recuperem o rio, para que mais adiante os problemas da seca, como a falta abastecimento e de irrigação, sejam superados. Porém, se a mesma eficiência das obras da transposição for aplicada à revitalização, o Velho Chico pode não resistir.

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