No centro urbano da capital sergipana deficientes e pessoas com
mobilidade reduzida ainda enfrentam muitos obstáculos
Por Labely Rairai e Matheus Fernando
Já imaginou uma cidade totalmente acessível, por onde as pessoas possam transitar sem restrições? A ideia pode parecer ilógica e longe de nossa realidade, mas há cidades como Londres (Reino Unido), Montreal (Canadá), Seattle (Estados Unidos) e Las Vegas (ambas nos Estados Unidos) onde a acessibilidade já deixou de ser utópica. Uberlândia, segunda maior cidade do estado de Minas Gerias, e a única brasileira reconhecida pela ONU - Organização das Nações Unidas como uma das 100 cidades-modelo em acessibilidade no mundo.
Acessibilidade é a condição
necessária para inclusão da pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida na
participação de atividades urbanas, como a utilização de serviços, produtos e
informações com segurança e autonomia, seja em espaços públicos ou privados,
garantindo assim aos deficientes ou pessoas com limitações a condição de ir e
vir, direito básico de todo cidadão.
Direitos
violados
Desde 2000,
o Brasil possui a Lei N° 10.098, que
determina acessibilidade às pessoas portadoras de deficiência e com mobilidade
reduzida e já sofreu várias atualizações desde a sua publicação, visando
garantir os direitos dessas pessoas. No entanto, todos os dias seus direitos
continuam sendo violados.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), em 2010, cerca de 24% da população brasileira possuía algum
tipo de deficiência, número que em 2016 é ainda maior. Para essa parcela da
população, a inexistência ou insuficiência de acessibilidade na maioria das
cidades brasileiras é o maior obstáculo, fazendo do cotidiano dessas pessoas um
desafio.
A acessibilidade que “o poder não deseja”
Assim como em várias capitais brasileiras, Aracaju, possui muitos
problemas relacionados à mobilidade, impossibilitando acessibilidade aos
deficientes. Fora da orla turística, principalmente no centro da cidade, área
de enorme fluxo de transeuntes, as dificuldades de locomoção encontradas por
quem precisa de uma estrutura especial são inúmeras. Calçadas desniveladas e em
estado precário, pedras soltas, equipamentos mal colocados nas calçadas,
excesso de buracos, piso tátil bastante desgastado e interrompido em vários
trechos, rampas inadequadas e mal conservadas estão entre os obstáculos no
caminho da população. Além de inviabilizarem a mobilidade, essas barreiras
representam perigo constante para pessoas com deficiência e mobilidade
reduzida.
A falta de acessibilidade no Centro de Aracaju gera muita insatisfação e
inúmeros transtornos. Edízia Araújo Silva, 25, é deficiente visual, condição
decorrente da síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada, doença rara que
atinge o sistema nervoso central, ouvido interno e pele, causando também
cegueira. Residente em São Cristóvão, município da Região Metropolitana de
Aracaju, a jovem fala sobre as dificuldades que enfrenta para se
locomover. “Quando venho ao Centro é sempre um desafio. A diferença entre as
calçadas é enorme, a bengala acaba entrando nos buracos, não há banheiros
apropriados, as lojas não possuem espaço suficiente. As pessoas também não
respeitam, acabam me empurrando, apertando”, desabafa. Em função dessas
dificuldades, Edízia anda sempre acompanhada, e não acredita que Aracaju possa
tornar-se uma cidade acessível pois, segundo ela, “o poder não deseja, tem
outras prioridades”.
Há três anos Anselmo Dias (foto), 46, utiliza muletas para se locomover, devido
ao envolvimento em um acidente de trânsito e também enfrenta muitas
dificuldades de locomoção no centro da capital sergipana. “Preciso ficar sempre
atento aos buracos, é muito difícil andar. Por conta do desnível das calçadas
sinto muita dor. Não existe acessibilidade em Aracaju. Já vi pessoas caindo
devido aos buracos e a oscilação das calçadas”, reclama.
O professor de Educação Física e ex-atleta Reginaldo Ramos, 53, também relata sua experiência. Ele se envolveu em um acidente automobilístico há cinco meses, juntamente com sua esposa, Gleide Teixeira da Costa, 50, que faz uso de cadeira de rodas enquanto se recupera de múltiplas fraturas nos membros inferiores. Já recuperado, Reginaldo acompanha a esposa e enfrenta junto com ela as dificuldades de locomoção. “Andei de muletas por um tempo e para andar com ela também tenho muita dificuldade. As calçadas e as lojas não são adequadas para qualquer que seja a deficiência, imagine para quem é deficiente permanente. Banheiros para deficientes são muito difíceis de achar. Nunca precisei, mas penso que ter que pegar ônibus também deve ser muito difícil”, avalia. Conta ainda que o olhar das pessoas incomoda muito, constrange.
A lei continua no papel
A realidade
encontrada no centro da capital difere das condições determinadas pela Lei
Nº4444 instituída na capital desde 2013, que
“estabelece as normas de acessibilidade para a cidade de Aracaju, consolidando
direitos individuais e coletivos das pessoas com deficiência e mobilidade
reduzida”. Autor da lei, o vereador Lucas Aribé (foto), que é deficiente visual,
considera que a cidade encontra-se inadequada no que diz respeito às normas,
principalmente as da ABNT, que determinam a padronização da cidade de modo que
ela seja acessível.
Vereador Lucas Aribé (Foto: Assessoria)
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“A cidade não está estruturada para que todas as pessoas possam transitar
com segurança. Desde 2013, a prefeitura está fazendo um estudo e
discutindo a questão da acessibilidade no centro da cidade. O fato é que é
preciso fazer algo, partindo das calçadas, ambiente mais democrático da cidade,
por onde todos as pessoas passam. Posso caracterizar a falta de acessibilidade
em Aracaju como vergonhosa. A falta de fiscalização é o maior problema”,
explica.
Segundo Aribé, desde a efetivação da lei, nenhuma mudança voltada para a acessibilidade foi realizada. Um exemplo, é o Calçadão da 13 de Julho, inaugurado recentemente, sem que tenham sido obedecidas as normas de acessibilidade estabelecidas pela ABNT, como o piso tátil, rotas acessíveis e equipamentos adaptados, o que impossibilita que deficientes e pessoas com mobilidade reduzida utilizem o espaço. “A lei existe, o poder público descumpre e nós precisamos o tempo todo judicializar. Esse não é o caminho”, desabafa.
Uberlândia – garantir o direito à acessibilidade é possível
Localizada na região centro
sul do país, Uberlândia, cidade do interior de Minas Gerais, é exemplo em
acessibilidade, nacional e internacionalmente. Desde 2000, a cidade conta com o
Núcleo de Acessibilidade, implantado pela prefeitura, além de órgãos de
fiscalização e leis que fazem parte de um conjunto de ações direcionadas à
inclusão das pessoas com deficiências, garantindo o direito à acessibilidade. A
região metropolitana mineira possui rampas de acesso distribuídas entre as
calçadas, vagas de estacionamento especiais, transporte público 100% acessível,
veículos especializados para atender às pessoas com deficiências que vivem em
áreas de difícil acesso, pisos táteis para orientar os deficientes visuais em
calçadas, lojas e prédios, assim como sinais sonoros, rampas e elevadores nos
terminais. A adaptação de escolas, instituições e espaços culturais proporcionam
opções em educação, oportunidade de emprego e lazer para as pessoas com
deficiências. Na cidade, obras de uso coletivo só são aprovadas se apresentarem
algum projeto de acessibilidade. Apesar de ainda ter desafios, como a
padronização das calçadas, Uberlândia é o maior exemplo nacional de garantia
dos direitos das pessoas com deficiência, principalmente um dos mais básicos e
fundamentais, o de ir e vir.
Galeria
de fotos: Centro de Aracaju/SE;
(Fotos: Arquivo pessoal)
(Fotos: Arquivo pessoal)
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