Projeto do Governo Federal gera polêmicas e estimula o debate
Por Ana Medeiros e Bruno Cavalcante
No último dia 08 de Julho, o Governo Federal lançou o Programa Mais Médicos. Instituído por medida provisória assinada pela Presidente Dilma Rousseff, o Programa foi regulamentado por portaria conjunta dos ministérios da Saúde e Educação. As medidas integram o Pacto pela Saúde, lançado no dia 24 de Junho, em reunião entre a Presidente e os prefeitos das capitais brasileiras como conjunto de ações estabelecidas para acalmar as manifestações promovidas pela população.
O programa objetiva levar saúde para o interior do Brasil e regiões de desigualdade, investindo em infraestrutura e corrigindo um déficit de médicos diagnosticado pelo Ministério da Saúde (veja aqui). “Talvez o maior desafio de todos seja suprir a rede de saúde com profissionais em quantidade suficiente para atender com qualidade toda população. Não apenas aos que têm a sorte de morar perto de hospitais públicos de referência, UPAs 24 horas ou de pagar pelo seu atendimento. Mas atender também os que vivem nas periferias mais desassistidas, aos que moram nas cidades pequenas, nas cidades médias, aos que moram em todas as regiões”, afirmou na ocasião a presidente Dilma Rousseff.
Dessa forma, o Mais Médicos ofertará uma bolsa federal no valor de R$ 10 mil a médicos que atuarão na atenção básica de saúde da rede pública, sob a supervisão de instituições públicas de ensino. Foram aceitas as participações de médicos formados no Brasil e também a de graduados em outros países, que só foram convocados a ocupar os postos não preenchidos pelos brasileiros, com prioridade para os brasileiros que fizeram graduação no exterior.
De acordo com o Ministério da Saúde, para preencher as vagas remanescentes os estrangeiros deveriam ser egressos de faculdades de Medicina que tivessem tempo de formação equivalente ao brasileiro, com autorização para exercer a profissão em seu país de origem, e que a localidade apresentasse uma proporção médico/habitante fosse maior que no Brasil, que segundo MS é de 1,8 médico/1mil habitantes. Para o exercício da atividade, foi concedido um registro provisório, de três anos, autorizando a atuação desses médicos estrangeiros apenas para os locais para onde foram destinados. A aceitação desse registro provisório desobriga o médico de se submeter ao Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos).
Dr. Hyder Aragão de Melo, Corregedor do Conselho Regional de Medicina em Sergipe - Cremese |
Porém, a aceitação do programa tem enfrentado resistência, principalmente das instituições reguladoras da profissão, como é o caso dos Conselhos Regionais e o Federal de Medicina. Para o Conselho Regional de Medicina de Sergipe – Cremese, o diagnóstico feito pelo Ministério da Saúde está equivocado. “Somos contra o programa Mais Médicos, não por uma questão ideológica qualquer, somos contra por que consideramos que o diagnóstico do governo está errado e portanto a forma de resolver o problema também está errada. Dizemos que o diagnóstico está errado por que não há uma falta de médico, é uma falácia do Governo, existem médicos suficientes e isso já está contado”, disse o Corregedor do Cremese, Hyder Aragão de Melo.“O que o governo tenta passar para a sociedade para justificar a afirmativa governamental de falta de médicos é mostrando para a sociedade que algumas regiões do país não captam médicos, perfeito, realmente não temos. Se você for para algumas cidades do município, não tem médicos; se for para o interior do Amazonas, não tem médicos; se for para o interior da Bahia, não tem médico. Isso é por falta de médico no Brasil? Não! Isso é um diagnóstico errado do Governo. O diagnóstico correto é: primeiro falta de condição de trabalho no interior, segundo, falta de uma carreira de estado para o médico”, completou.
Segundo o Cremese existe ainda outra falha que comprova a falta de investimento na saúde. “O médico é contratado de uma Prefeitura, ganhando R$2.500, pelo Programa Saúde da Família. Ele sai do PSF, que é um emprego, e vai para o Mais Médicos ganhar R$10.000. Ou seja, sai do seu lugar e vai para outro. E quando ele chega no Município e vê a condição de trabalho, ele desiste e vai embora,” disse o Corregedor. “O médico brasileiro não quer ficar nesse lugar por que ele tem um CRM que ele batalhou pra conseguir, e ele não quer se arriscar a praticar uma medicina de má qualidade. Um médico cubano está habituado a trabalhar sem a menor condição, o que não quer dizer que ele vá trabalhar melhor. Quer dizer que para ele, se tiver um tomógrafo ao lado, ele não vai usar, por que não sabe”, afirmou.
Segundo o Aragão, o Código de Ética Médica obriga o médico a fornecer ao paciente as melhores condições de tratamento que a medicina permitir e não vai ser isso que o médico cubano irá oferecer. “Cerca de 80% dos casos, nós resolvemos com uma conversa, é o que chamamos de placebo, mas o que vai acontecer quando esse médico pegar um caso grave? Eles não são preparados para a medicina que temos no Brasil, e tanto não são que não são aprovados no Revalida. E o que o Governo faz, tira a prova. E o Revalida é a prova cabal de que eles são incompetentes para a medicina do Brasil”, disse.
Outra crítica feita pelo Conselho Regional de Medicina de Sergipe é quanto a veracidade da documentação apresentada pelos médicos estrangeiros. “Quem garante que esses estrangeiros são médicos? Eu posso imprimir quantos diplomas você quiser, vou até papelaria compro um papel bonito e imprimo quantos diplomas você quiser. E quem garante que eles são médicos é o Governo, baseado em quê eu não sei. Tanto que o Governo inscreveu em Minas Gerais um médico que está suspenso no Pará. Ou seja, o Governo não consegue saber se um médico brasileiro está suspenso, imagine um estrangeiro. E estamos inscrevendo esses médicos, mesmo contra a nossa vontade, por força de uma lei, nós somos obrigados e o CRM só pode atuar caso eles cometam algum erro. Eu não tenho como comprovar se alguém é médico, o revalida me daria essa comprovação, já que ela não seria feita através apenas de um papel, mas mostrando conhecimento”, explicou o médico. “Esse investimento deveria estar sendo feito em equipamento, pois quando se chega nessas unidades você não tem a mínima condição de fazer um diagnóstico, e acaba mandando para o HUSE, um paciente que tem gases achando que ele está enfartando. E o que eu resolvi na mudança desse processo? Esse investimento é um processo midiático imenso. E a população acha que é estrelismo do médico e não ta percebendo que, quando ele diz que não trabalha em determinado local ele está seguindo seu código de ética que assegura que se o local não apresenta condições ele deve denunciar. E também, quando um médico que vem de Cuba diz que fica nesse local, com essas condições, significa dizer que o Governo nunca vai mudar o estado de penúria daquele local. O governo está engabelando a sociedade de duas formas: falseando a verdade sobre o diagnóstico que sustenta o Mais Médicos e colocando alguém para trabalhar ali, que nunca vai reclamar e portanto as condições verdadeiras de serviço, que um médico que está lá dentro sabe que não presta, ele nunca vai denunciar. E a população vai morrer sem saber que tinha a chance de sobreviver, vai ficar aleijado sem saber que poderia não ter ficado. E o Conselho só pode esclarecer essa situação para a população”, finalizou.
A equipe entrou em contato com a Secretaria Estadual de Saúde e não obteve resposta. Médicos inscritos no Programa também não quiseram se pronunciar. Resta a população brasileira descobrir, sentindo na pele, onde está a verdade sobre o Mais Médicos.
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