A abordagem de alguns setores sociais e as consequências que a reforma do ensino em tempo integral poderá trazer para algumas cidades da região centro-sul do estado de Sergipe.
No dia 16 de fevereiro o presidente Michel Temer sancionou em cerimonia no palácio do planalto a Lei que reforma o Ensino Médio, a mesma foi enviada para o Congresso Nacional no dia 22 de setembro de 2016, através da Medida Provisória (MP) 746/2016 para reestruturação do Ensino Médio. Medida Provisória é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da República, em casos de relevância e urgência.
As principais alterações na estrutura do Ensino Médio incluem o aumento da carga horária mínima anual para 1.400 horas, com adoção do tempo integral; o ensino obrigatório de Língua Portuguesa, Inglesa e Matemática nos três anos do Ensino Médio; a oferta optativa das outras áreas de conhecimento, como Ciências da Natureza e Ciências Humanas. A partir da última metade do ensino médio, o estudante vai poder escolher se aprofundar entre as quatro áreas de conhecimento, ou ainda, optará por fazer ensino técnico profissionalizante. Os conteúdos cursados podem ser aproveitados no ensino superior, como forma de créditos. Também dá autonomia aos sistemas de ensino para definir a organização das áreas de conhecimento, as competências, habilidades e expectativas de aprendizagem definidas pela Base Nacional Comum Curricular. Este é um documento que tem o objetivo de nortear e definir o conteúdo que os alunos deverão aprender a cada etapa de ensino. A base específica para o Ensino Médio começará a ser discutida em outubro desse ano.
A reforma tem causado várias polêmicas na sociedade sergipana, em especial na Região Centro-Sul do Estado, principalmente no que diz respeito à implantação do Ensino Integral que segundo a Secretaria de Educação já pode ser adotado em algumas escolas este ano. O Ministério da Educação divulgou uma lista das instituições que tiveram a adesão deferida ao programa que fomenta a medida, na lista divulgada Sergipe terá 18 escolas que funcionarão em tempo integral este ano. É o caso, por exemplo, do Colégio Estadual Prof. Abelardo Romero Dantas, da cidade de Lagarto. Alguns são os problemas que a implantação da reforma e do Ensino Integral poderão trazer à região. Um dos pontos fundamentais da discussão é que a maioria da população é de zona rural. Uma parte dos jovens estudantes da rede pública quando está fora do ambiente escolar, exerce outras atividades, como por exemplo, ajudar na renda da família. O ensino integral afetará uma grande parte desses jovens, que não possuem condições de ficar o dia inteiro na escola. Diante da questão, setores da região se manifestaram sobre o assunto.
Atores da rede pública se posicionando diante do assunto
A aluna Ana Regina Santos, 13 anos, moradora do Povoado Matatas, na cidade de Salgado, a aproximadamente 62 km de Aracaju, cursa o 9° ano no Colégio Estadual Raimundo Araújo, Critica a forma como a proposta está sendo transmitida na televisão: “é um tipo de manipulação no meu ponto de vista”, pois só mostram os pontos positivos. Conta que os professores não conversam com os alunos sobre a proposta, somente a professora de Educação Física sobre das matérias que passarão a ser optativas. Para Ana Regina a proposta de ter matérias optativas não é interessante, pois no futuro o aluno pode precisar de conhecimento que não recebeu. Ela prefere o ensino atual, porque permite estudar todas as matérias, mas levanta um problema: “o governo não leva a sério, pela falta de materiais, falta das coisas que a gente precisa para ter um ensino melhor”. E apoia o Ensino Integral porque ao estudar por mais tempo, o aluno entenderá mais do assunto abordado e os professores cobrarão mais. Diz que escolherá se dedicar mais ao que quer se graduar e que entre todas as matérias, não gosta de Ciências da Natureza, mas irá cursar, pois poderá precisar no futuro.
A professora Ilene Fraga, graduada em História, trabalha no Ensino fundamental na cidade de Boquim, aproximadamente 185 km de distância da capital sergipana, e no ensino médio no Povoado Colônia Treze em Lagarto. Diz que se sente “desconfortável” em relação à reforma do Ensino Médio, embora perceba que deve haver uma melhoria no ensino. Ela conta que antes trabalhava 720 horas e passou para 800 horas, teve um aumento na carga horária nos dias letivos, mas ela não viu nenhum tipo de melhora na educação. Em conversa com outros professores no ambiente escolar, conta que todos se posicionam contra a reforma, relatando que serão os mais prejudicados, inclusive terão que passar por um processo seletivo que decidirá se continuarão ou sairão da rede. Já em relação aos alunos a professora preocupa-se com a flexibilização do currículo, pois não tem certeza se o aluno possui uma orientação correta de como encarar essa reforma e decidir o que escolher. Devido a isso pretender sentar para discutir com os alunos do Ensino fundamental do 9° ano a proposta.
Com relação ao tempo integral a professora Ilene apoia a ideia, mas percebe que o Estado não possui estrutura, principalmente Com a PEC 241/2016, aborda que não haverá recursos para investir na educação. É preciso ampliar a estrutura escolar, como por exemplo, a alimentação. Quando se refere ao ensino noturno, para ela os alunos desse período ficam em segundo plano, não há uma preocupação como no ensino diurno, no ensino noturno “o aluno é tratado de outra forma”, muitas vezes são excluídos até de projetos escolares. Relatou a realidade que vive por estar presente nos dois turnos ofertados. Contudo, para a professora o governo se preocupa muito com a quantidade, deixando de lado a qualidade e observa que na rede pública há muitos faz-de-conta “faz de conta que dá aula, o governo faz de conta que valoriza e o aluno faz de conta que aprende”, diferente da rede privada em que o objetivo é exigir do professor e do aluno, este além de ser cobrado pela escola também é cobrado pela família.
A coordenadora Sara Caroline Ferreira, do Colégio Estadual Raimundo Araújo, no povoado Água fria em Salgado-Se, fala da Reforma do Ensino Médio e as consequências que poderão trazer para a escola. Inicia falando que a Instituição é considerada pela Secretaria de Educação do Estado como Ensino Médio Implementador uma modalidade de ensino que não possui o ensino médio completo, atualmente a escola só possui turmas de 1° e 2° ano, mas em 2018 a escola já estará com o ensino médio completo. Devido a isso a escola possui capacidade apenas para atender ao Ensino Médio regular, pois há falta de recursos como uma quadra esportiva, carências de laboratórios, salas de aula equipadas. Se a reforma vier a ser implantada na outra escola da rede estadual da cidade, Joaldo Vieira Barbosa que tem estrutura para aderir à reforma ofertará aos alunos do município Ensino Integral e Regular. A partir da discussão, devido ao problema econômico da região, a escola na qual coordena poderá ser afetada no seguinte aspecto, havendo uma imigração para a instituição que terá o ensino regular, inclusive a instituição não tem capacidade nem recursos para receber esses alunos.
Alunos do colégio estadual professor Abelardo Romero Dantas |
Embora a coordenadora afirme que a escola não ficará de fora da reforma na modalidade de ensino, diz que “foi só uma questão de tempo”. E a partir de seu tempo de experiência relata: “se é para melhorar o nível de ensino e aprendizagem é interessante, mas precisa adequações no ambiente”, pois a escola não possui uma quadra esportiva, laboratório de ciências, o laboratório de informática está com problemas, para ela a alimentação é outro problema.
Como parte da equipe diretiva não pode agir contra as regras vindas da Secretaria de Estado da Educação, mas percebe e exalta as deficiências. A instituição irá trabalhar com as duas ofertas de períodos, o Ensino regular à noite e o Ensino integral. A coordenadora também desabafa quando fala do ensino noturno, percebe que há uma deficiência na qualidade. Segundo ela “há uma evasão estúpida, quase no total à noite, assim baixa os índices da escola toda”. O ensino noturno não foi citado na proposta de reforma.
O posicionamento da Subsede do Sintese da Região Centro-Sul
Irineu Roberto de Oliveira, graduado em História e Coordenador de Comunicação do Sintese- Sindicato dos Trabalhadores em Educação, da subsede Centro Sul, localizada na cidade de Lagarto, que abrange 3.869 professores sindicalizados, dos quais 1.314 são da rede estadual de educação dos municípios de Lagarto, Simão Dias, Poço Verde, Riachão do Dantas, Tobias Barreto, Salgado, Pedrinhas e Boquim. Ele Inicia explicando que em 2016, ainda no Governo da presidenta Dilma, houve uma discussão com os professores para fazer uma reforma no ensino médio, muito diferente da que foi recentemente sancionada, sem discussão na sociedade. Para ele, a medida a ser implantada “é uma imposição, um autoritarismo”. Em sua opinião a modalidade de ensino em tempo integral será excludente porque terão escolas que oferecerão ao aluno mais recursos que outras: “as escolas serão divididas em categorias, escolas de primeira e segunda categoria”. Relatando que é uma forma de excluir o estudante do noturno, no qual há vários jovens que não possuem tempo de está inserido no tempo integral, devido ao trabalho.
A região da subsede possui vários alunos da zona rural, muitos deles ajudam a família na época de safras, inclusive chegam a faltar aula. O coordenador conta que possui preocupações com relação às disciplinas optativas, pois não sabe se haverá professores, porque atualmente há uma grande carência na rede estadual de professores de algumas áreas, principalmente da disciplina Matemática. Com isso, os professores de toda a rede estão inseguros, por não saber quais matérias serão escolhidas, principalmente os professores da área de exatas, química e física, porque atualmente o aluno já apresenta falta de interesse nessa área. Para Irineu com a implantação pode haver conflitos internos entre professores, diretores, estudantes. Como também poderá diminuir o acesso a informações ao aluno, pois não haverá mais uma interdisciplinaridade entre áreas de conhecimentos. Contudo, o coordenador do Sintese encerra desabafando que a reforma na educação deve começar nas creches, preparando os professores dessa modalidade, para que no futuro, todo o país possa obter uma educação de qualidade.
O olhar da rede privada da cidade de Lagarto
Alunos do Colégio Jose Augusto Vieira |
Gilson conta que no dia em que tratou do assunto com ela, foi discutido que para manter uma escola em tempo integral é preciso recompensar bem o seu profissional, como também oferecer o melhor para os alunos na modalidade integral, pois os pais pagarão mais, mas os filhos estarão em uma escola com estruturada adequada. Com a reforma os alunos conviverão mais na escola e terão mais conhecimentos e habilidades, mas para atendê-la precisa passar por algumas adequações, como montar um refeitório, contratar nutricionistas, construir áreas para alojamentos, além de melhorar as estruturas de alguns setores, pois o aluno deve se sentir bem. Ao abordar a educação no Brasil, enfatiza que o país deveria amadurecer mais em educação “a nossa forma de fazer educação é de uma forma muito econômica. Não se faz educação em quatro paredes, discute educação conversando com a sociedade para chegar a um denominador comum”. Para o diretor a ideia da liberdade de escolha é fundamental, pois o aluno não é obrigado a fazer o que ele não gosta, ele deve fazer o que será de seu interesse no futuro e encerra dizendo “Espero que não fique no papel, que os governantes pensem no sucesso do aluno”.
Tarcísio Paixão, 18 anos, foi aluno do CJAV e atualmente é estudante do curso de Direito da Faculdade Pio Décimo em Aracaju. Quando compara o ensino médio que teve com o proposto, vê como principal diferença a carga horaria: “eu já achava puxado, com o novo ensino médio, será mais puxado ainda, mas o aluno vai entrar preparado para enfrentar as dificuldades no mercado de trabalho”.
Para ele alguns pontos da proposta do ensino em tempo integral não são totalmente realizáveis, e fala “se o colégio ajudasse em alimentação, seria uma opção viável”. Como também acha que poderá haver uma saída de alunos da rede privada para a rede pública, pois da forma como está sendo proposto, a rede pública será como uma universidade. Como estudante de Direito, observa que a melhor forma a ser implantada a reforma seria através da medida provisória “tanto no setor econômico, como social, nas diversas bases da sociedade brasileira está precisando de urgência, principalmente a educação”, e continua “Se hoje considero o que sou, foi através da educação, tanto da família, quanto escolar”, finaliza falando que se tudo for feito da maneira como está sendo proposto, a reforma poderá obter sucesso.
Portanto, segundo análise do texto de Antonio Ibañez Ruiz, ex-reitor da UNB e ex-secretário da Educação do Distrito Federal. “Pela proposta do MEC para a reforma do ensino médio, a sociedade e, em especial, os estudantes estão sendo induzidos a acreditar que as escolas oferecerão diversos itinerários formativos e eles, com autonomia, farão a opção mais conveniente para o futuro profissional desejado. Isso, já é uma farsa. Desde 2006, quando foi denunciado pelo CNE o enorme déficit de professores em quase todas as disciplinas, pouco se avançou na formação de professores para poder informar que o déficit foi zerado. Continuamos assistindo em muitos estados brasileiros, logo no início do curso letivo, a falta de oferta de disciplinas devido à falta de professores. Então, se não há professores, não poderá haver diversos itinerários ofertados pela escola.” Relatando a realidade de todo o país, principalmente do estado de Sergipe, será a realidade se for aprovado “os secretários estaduais inverteram a situação. Agora, não poderão ser acusados da falta de professores. Agora, as disciplinas ofertadas são as que possuem professores. As outras nem são ofertadas, pois sendo opcionais não existe a obrigatoriedade de fazê-lo.” Disponível em: http://www.andifes.org.br/opniao-a-reforma-do-ensino-medio/, acesso em: 05/03/2017 ás 18:32h.
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