
Por Diogo Barros
Ser o fundador da única sergipana que conquistou o Campeonato Brasileiro promovido todos os anos pela Confederação Brasileira de Entidades de Quadrilhas Juninas – Confebraq já é uma bom motivo para escrever sobre esse indivíduo. Liderando a Assum Preto nos seus vinte e um anos de história, Genicleudo Melo de Albuquerque aparece tanto como marcador; o responsável por comandar os passos na hora das apresentações, de definir o tema das exibições, de ensinar as danças aos integrantes dos grupos; quanto como presidente; assumindo a função de resolver todas as pendências financeiras e conseguir os apoios e incentivos que a quadrilha necessita para permanecer em atividade. Contudo há uma outra razão mais problemática que deve ser abrangida na qual Cleudo, como cotidianamente é conhecido por amigos e familiares, tem um papel mais importante e notório: a preservação dessa tradicional arte nordestina que por falta de incentivo vem sofrendo a inevitável extinção.
Dados fornecidos pelo ex-presidente da Liga de Entidades de Quadrilhas Juninas do Estado de Sergipe – LIQUAJU-SE e atual presidente da Confebraq, Célio Torres Fontes, confirmam esse quadro ao informarem que somente de 2010 a 2011, onze quadrilhas se desfiliaram da Liga por não terem condições financeiras para manterem-se associadas. Entre as possíveis causas que expliquem essa situação estão a atual fase de desorganização que a Liga vem passando e a carência de incentivos financeiros oriundos do governo seja, estadual ou municipal. Desde de 2009, a LIQUAJU-SE vem sofrendo problemas com o seu mais novo presidente e atualmente este foi destituído do cargo através de liminar judicial.
Sob esse perspectiva, merece destaque aquele que se opõe a este fluxo de acontecimentos e batalha pela preservação da cultura e tradição do seu estado. Genicleudo, graduado em turismo pela Universidade Tiradentes e pós graduado em Gestão e Planejamento de Projetos Sociais, revela um lado de sua personalidade que é extremamente protecionista com os valores culturais que aprendeu a admirar. A elaboração de projetos que capitalizam recursos para serem repassadas a todas as instituições quadrilheiras é um de seus méritos. Só no ano passado foi conseguido 180 mil reais sendo que cem mil do Governo do Estado e oitenta do Governo do Município. Embora tenha sido uma quantia de grande ajuda, revela-se pouco para o real necessitado já que só para manter o trio de músicos que acompanha a quadrilha, gasta-se em torno de dez mil ao mês.
A Assum Preto foi a primeira de seu ramo em Sergipe a conseguir o título de Utilidade Pública Estadual, conquistado a partir do seu reconhecimento como uma associação que preserva a cultura e serve sem fins lucrativos a sociedade. A conquista da Utilidade Pública garante que a quadrilha disponha de benefícios fiscais e isenções.
A Quadrilha Assum Preto
Toda a experiência acumulada por Cleudo ao longo de sua vida como quadrilheiro transparece em sua postura de liderança e de sacrifícios que surge nas atividades com aquela que é seu xodó. Ao contar sua história, revela desde criança que dança em quadrilhas de colégio e de bairro, como a Quadrilha Mocotó, em que participou por muito tempo e acumulou muitas experiências. Segundo ele, foi essa a bagagem que lhe permitiu em 1990 fundar a sua paixão atual. Ela foi criada em homenagem a Luiz Gonzaga, falecido em 1989, e batizada com o nome de uma das famosas canções deste célebre cantor. Em um dos momentos de maior sucesso da Assum Preto, quando conquistaram o título brasileiro em 2005, o relato que discorre de seu líder é empolgado, visto a dificuldade e emoção que envolve esses fatos.
Partindo de Aracaju com um ônibus e uma van, já no início da viagem tiveram um infeliz imprevisto quando o segundo veículo bateu o motor. Os que estavam na Van foram relocados no ônibus e tiveram que viajar os aproximadamente mil quilômetros que faltavam para Brasília em pé. Ao chegar ao destino, faltava apenas uma hora para o momento de se apresentarem e tiveram que negligenciar a alimentação para se arrumarem as pressas e irem para o salão. Cleudo detalha que fazia uns 12 graus no dia e que para passarem o frio, eles começaram a dançar para se aquecer. O resultado final da história é que no momento de serem avaliados, conseguiram obter o título de Campeão Brasileiro, mencionado com muito orgulho até hoje por todos da Assum Preto.
E se essa história comove e agrada os ouvidos de quem a escuta, um outro lado dela manifesta-se para desagradar.“ Aponto como um ponto realmente negativo a falta de incentivo do estado e do município para com o trabalho que realizo. Quero dizer que quando nos empenhamos o ano inteiro ensaiando para representar o estado pelo Brasil a fora, não obtemos o reconhecimento por isso e suamos muito para conseguir a ajuda para algo tão básico como o transporte para as viagens” conta Cleudo.
E assim segue a história da Assum Preto, que acompanha a de Genicleudo Melo de Albuquerque. Esse ano, na preparação para as competições de bairro e o estadual, ensaiam bastante sob o seu novo tema enredo “Os Causos de Luiz Gonzaga” que homenageia mais uma vez o rei do baião. Mesmo que haja tantas dificuldades em seguir com essa expressão artística tipicamente nordestina, não são inexpressivos os benefícios que esse esperto marcador aponta para que continue na atividade. “Eu tenho prazer no trabalho de interação com as pessoas e com o público, tenho um corpo de menino pra dançar e tenho minha esposa ao meu lado como minha parceira de quadrilha já por 21 anos.” Finaliza Cleudo.
A Assum Preto em atividade com suas particularidades
Se a zabumba martela, a sanfona chora, o triangulo dita o compasso. Os pés calçados de sandálias rasteiras alternam entre um arrastar preguiçoso e um pisado forte. Vestidos cheios de cores e babados estão pelo salão a girar, os ombros se sacodem a cada fungada da sanfona e as mãos se agitam em cima quando gritam: Eh! Ah! Segura Assum Preto!
O trianguista reproduz as falas de Luiz, “Eu queria ser é artista” “Senti saudades de casa” Eu quero é dar uma surpresa danada a meu pai” “Oh de casa!” “Escutei o tibungado do caneco no fundo do pote” “Tibungo” Arreou o coco d’água no batente da janela” “Tirou a tramela” “Ai eu senti o cheiro dele, aquele cheiro meu” “Isso é hora de você chegar em casa seu coisa”. E todos os integrantes da quadrilha gritam juntos, “Luiz Chegou!”
O ritmo é contagiante e mesmo quem está de fora não hesita em arriscar alguns passos. Existe algo de frenético nesses quadrilheiros e parece que seus corpos foram abandonados por suas mentes, somente obedecendo ao ritmo do forró que está a tocar. E quando os movimentos se aceleram até chegar ao momento mais intenso, ao auge da animação, são subitamente e completamente interrompidos. O silêncio sobrepõe no salão e os rostos sorridentes se convergem para uma séria expressão. A dança recomeça, só que agora de um modo diferente. Passos rígidos e sistemáticos aparecem, passos nobres de uma antiga dança palaciana ancestral das quadrilhas juninas. A contradança é a marca registrada da Assum Preto, somente ela a executa...
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