N.E.: o texto que se segue resultou de um esforço do repórter para representar, o mais fielmente possível, o perfil proposto sem agredir eventuais leitores que se incomodem com o chamado “vocabulário de baixo calão”, típico da personagem em foco. A palavra mais repetida por ela – de apenas duas letras – foi substituída por outras de sentido aproximado, enquanto outros termos foram mantidos para não descaracterizar demasiadamente o seu estilo de fala. É uma reportagem de difícil veiculação na mídia, que só teria espaço em publicações ousadas e irreverentes como o famoso Pasquim dos anos 1970.
Quando a atriz hollywoodiana Elizabeth Taylor faleceu, aos 79 anos, um de seus mais escancarados fãs sergipanos ficou consternado. Afinal, a “eterna Cleópatra” serviu de inspiração para Everaldo Alves Campos, nas inúmeras vezes que ele resolveu sair às ruas da capital vestido de mulher. Primeiro homossexual da cidade a se assumir publicamente como tal, e tachado de desbocado por aqueles que o conhecem apenas de vista, ele se transforma em Magnólia e não tem pudor de perguntar, aos 64 anos: “tem bicha mais famosa do que eu em Aracaju?”.
A petulância e o palavreado tipicamente chulo (ou, melhor dizendo, naturalista) são duas de suas marcas registradas, como ficou claro no depoimento videográfico que concedeu a alguns estudantes da Universidade Federal de Sergipe em novembro de 2010, e que serviu de base para a construção deste perfil. Na época, Magnólia afirmou que “uma reportagem como esta custa mais de 100 Reais, mas como é para vocês, eu vou cobrar apenas 20”. Por esta razão, não foi possível atualizar a entrevista. “Eu não ligo pra ninguém. Se for a minha vontade, eu dou. Eu não olho pra família nenhuma... Eu nasci assim!”
Aracajuano nato, Everaldo pensa em voltar para Santos, onde se descobriu como “portadora dos dois sexos” e construiu seu alter-ego feminino Magnólia: “Tenho os dois sexos em Magnólia: tenho a bunda; tenho o negócio do meio que o homem tem, e tenho o negócio da mulher. Os homens botam em mim e gozam logo, sabe por quê? Porque eu aperto o negócio, sabe como é? (...) Aqui é ruim de ganhar dinheiro, nego roda, roda e não encontra nada! Em Santos eu era garçom numa zona rica, me pintava igual a Elizabeth Taylor. Os estudantes eram tudo atrás de mim, eu fechava o trânsito.”
Quando fala da atriz inglesa, não poupa tietagem: “Sou fanática por Elizabeth Taylor! Eu amo ela. A mulher mais linda do mundo, com aqueles olhos de violeta... (...) Eu ia muito para o cinema com minha mãe, mas quando ia sozinha, eu ia fazer sexo. Adoro cinema, os filmes de Elizabeth Taylor: ‘A Megera Domada’; ‘X, Y e Z’; ‘Vigília nas Sombras’; ‘Cleópatra’; ‘Gata em teto de Zinco Quente’...
Narcisismo também não lhe falta: “Eu sou igual à Elizabeth Taylor, digo na cara. Sou a gata em teto de zinco quente! Comecei a minha vida com 17 anos, dava porque gostava, dava mais de cinco vezes por noite. Aos 17 anos, eu era linda, uma cocotinha de Aracaju: com 40 anos, eu ainda fechava. Com 50, eu era danada, ainda sou. Linda eu era, e ainda sou!”
Ao contar sua trajetória pessoal, Magnólia vai revelando detalhes da cidade de Aracaju: “O povo do interior olhava o cabelão comprido e perguntava: ‘você é homem ou é viado?’. O povo vinha do colégio Tobias Barreto mangando de mim, tirando sarro de mim... Eu andava de peruca, Escrava Isaura. O meu nome quem botou foram os estudantes. E pegou!”
(...)
“Quando eu era mais nova, tinha uma tara da peste por homem, tinha ânimo pra trepar. Dava um montão de vezes por noite e só trepava sem camisinha... (...) eu chegava a pegar até seis numa noite, na Ponte do Imperador, e depois lavava o rabo na maré. Hoje em dia, eu furo a pulso. Quando a gente vai ficando mais velho, perde o ânimo.”
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“Eu andava muito pelos bares da noite. Era tanto viado incubado. Eu vendia mais roupa lá do que aqui no Mercado. Calcinha, cueca, meia: era o que eu vendia... O melhor lugar pra vender roupa é em Santos. Aqui é um lixo, não presta, os homens tudo pobres... Lá o povo compra! Vendo roupa desde os 17 anos, quando o meu finado pai tinha uma banca de camelô. O meu pai vendia meia que só a peste!”
(...)
“Nas escolas de samba, eu desfilei de Carmen Miranda, ganhei em primeiro lugar. Eu ficava na frente e o povo gritava: ‘Magnólia! Magnólia!’ (...) Agora sou Magnólia. Todo mundo me conhece em Aracaju. Nos ônibus, eu nem pago mais passagem...”
Apreciadora das canções interpretadas pela dupla sertaneja Zezé di Camargo & Luciano, Magnólia é nostálgica e consciente, ao mesmo tempo: “Eu estudei só o primário. Minha família era pobre nesse tempo. Meu pai trabalhava numa usina de bondes, pobrezinho... Quando ele morreu, foi uma carniça de urubu da peste, fiquei sem nada, não ganhei nada!”
(...)
“Eu, linda, bela e loira, novinha, não ligava para nada, fui expulsa de casa. Hoje, moro sozinha. O que eu faço, ninguém vê! (...) Eu gosto de dormir no quarto sozinha. Ligo a televisão, o ventilador... Ainda vendo alguma coisinha, lavo roupa, passo ferro, tudo. Gosto de ler romance... ”
(...)
“Antigamente era melhor, porque se ganhava mais dinheiro. Não tinha muita violência não, era tranqüilo. Quando eu assumi em Aracaju, viado velho era o que mais tinha por aí, mas era tudo incubado. Na época, só eu assumi. Eu usava miniblusa quando era mais nova, sapato alto... e transava com os homens no elevador... Eu ia para as lojas, linda, bela e loira... Comiam tanto o meu rabo lá dentro! Já levei tanto tapa na cara, tanto beliscão nessa vida... (...) Até pedras jogavam em mim, casca de laranja...”
(...)
“Eu chegava num lugar, e um homem me perguntava se eu tinha periquita. Eu dizia: 'pega pra ver!'. Quando ele pegava, o cacete levantava. Aí ele dizia: ‘vamos ali prum lugar'. Pegava o homem e ia pra cama e, em vez de o homem me comer, quem comia era eu. (...) Teve um cara que tinha um pênis feito uma garrafa de Coca-Cola, muito grosso. Eu gosto de pinto pequeno e pinto médio, mas pinto muito grande eu não agüento mais não, Jesus Cristo que me livre!”
(...)
“Hoje em dia, eu faço cunete (prática sexual que consiste em lamber o ânus), faço de tudo com o homem. Nunca peguei Aids na vida. E nunca usei camisinha. Já fiz exame... E não tenho medo também não! (...) Foi um destino em minha vida: gosto do mesmo homem há mais de 29 anos.” (...) Na cama, eu não gosto de mulher. Mulher, só amizade, sabe? Mas, para transar, não! Não tenho tara por mulher, não. Tenho tara em homem. Eu nasci assim mesmo... Deus sabe o que faz, né?”
Com tudo isso, Everaldo/Magnólia diz que “a vida foi ótima”. Mas não perde as esperanças de voltar para Santos, onde crê que encontrará melhores condições econômicas de vida do que aqui. Ao final da entrevista, despede-se tranquilamente: “Fica com Deus!"
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